Um guia para CEOs evitarem as dez armadilhas que atrapalham as transformações digitais

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Líderes empresariais estão envolvidos em um jogo de apostas altas. Muitos embarcaram em programas para reinventar seus negócios. As recompensas para aqueles que são bem-sucedidos são enormes; já as consequências do fracasso podem ser drásticas – ou mesmo fatais.

Não custa lembrar de uma frase de Mario Andretti, um dos mais bem-sucedidos pilotos de carros de corrida de toda a história do automobilismo: “se tudo parece estar sob controle, é sinal de que você não está indo suficientemente rápido”.

Embora a máxima de Andretti possa, a princípio, parecer um pouco irritante, ela é bastante apropriada para os líderes que navegam em um mundo digital. Obviamente, nenhuma corrida – ou transformação – está livre de riscos, mas também é verdade que é preciso ter coragem para tomar decisões que desafiem os limites da organização.

O segredo, entretanto, está em ter um entendimento claro do que realmente importa – e do que não importa – para o sucesso de um programa de mudança. Por esta razão, analisamos dezenas de transformações digitais com diferentes níveis de sucesso para chegar às causas-raiz por trás dos fracassos. Esta análise detectou dez armadilhas importantes em que as empresas geralmente caem durante uma transformação digital. Muitas vezes mal interpretadas ou sem receber a atenção devida, estas armadilhas envolvem questões relacionadas a cultura, disciplina e mentalidades. A seguir, você verá o que os CEOs podem fazem para evitá-las ereduzir os riscos de seus programas, possibilitando a suas empresas capturar todas as vantagens do ambiente digital.

Dez armadilhas de uma transformação digital

1. Excesso de cautela

Ainda que soe paradoxal, acreditamos que as empresas devam correr mais – e não menos – riscos. Muitos executivos seniores, ao refletir sobre os programas de transformação que realizaram,1 gostariam de ter sido mais ousados. No ambiente atual, realizar somente mudanças incrementais é um pouco como mudar de lugar as cadeiras do convés do Titanic.

E os dados contam esta mesma história. Pesquisas recentes da McKinsey mostram que as empresas mais bem-sucedidas adotam estratégias ousadas e disruptivas.2 Elas apostam alto em novas tecnologias e modelos de negócio, estimulam uma cultura de testes e aprendizados, na qual todo fracasso é percebido como uma oportunidade de melhoria, e lançam programas de mudança que transformam todo o seu negócio.

Mas assumir mais riscos não significa adotar um comportamento arriscado. Tomar medidas temerárias, ignorar o bom senso e perder de vista o que realmente tem valor são ações que podem pôr a perder iniciativas boas e ousadas.


2. Medo do desconhecido

Quando não há informação suficiente, as pessoas recorrem à experiência e à intuição. Embora não haja certezas absolutas em transformações digitais, o desenvolvimento de uma base de fatos abrangente pode ajudar muito a aplacar os medos – compreensíveis – que as pessoas sentem em relação a tais mudanças.

As melhores empresas começam por identificar onde o valor é criado e destruído,3 sem restringir suas análises ao seu próprio segmento e a seus concorrentes. Essa análise externa deve ser acompanhada de uma avaliação interna completa, iniciando por uma avaliação aprofundada dos ativos da empresa – marcas, capital, dados, clientes, produtos e pessoas – e das lacunas de habilidades e capacidade existentes. As melhores empresas também estabelecem um panorama objetivo de seu quociente digital,4 dos elementos do seu negócio que agregam mais valor e das desvantagens estruturais que eles enfrentam. Neutralizar o desconhecido também inclui pintar um quadro atrativo de como poderia vir a ser o futuro para a empresa como um todo. Realizar experimentos com hackathons e war gaming também ajuda a desenvolver novos modelos inovadores e a torná-los mais tangíveis, de forma a permitir que a liderança se sinta mais confortável com eles.

Isso se estende também à expressão ‘transformação digital’, excessivamente usada, mas com frequência mal-entendida tanto pela liderança como pelos funcionários. Os líderes podem abordar essa questão ao definir e explicar minuciosamente o que a transformação digital realmente significa – por exemplo, melhorar a experiência do consumidor para se tornar o número um em atendimento na categoria ou melhorar radicalmente a produtividade em toda a supply chain.

3. Falta de foco

Muitas empresas adotaram uma filosofia como a do “desabrochar de cem flores”, que incentiva a experimentação mais ampla. Tal abordagem gera entusiasmo e aprendizagem, mas também pode levar à autossabotagem se não for gerenciado com cuidado. Executar muitas iniciativas concorrentes pode dissipar o foco dos gestores e acabar deixando morrer ideias promissoras por falta dos recursos de que necessitavam para escalar de forma bem-sucedida.

Como regra básica, para ser bem-sucedida em seu ganho de escala em uma empresa com mais de US$ 5 bilhões em receita, uma iniciativa digital precisa de recursos da ordem de US$10 milhões a US$30 milhões ao ano; já uma transformação digital que abarque muitas unidades de negócio em uma empresa global pode chegar a custar até US$100 milhões. Para evitar dividir os recursos entre muitas iniciativas, grandes líderes digitais reduzem regularmente seu portfólio sem dó nem piedade. Investimentos abaixo do necessário não ajudam a competir com empresas bancadas por venture funds.

Como regra básica, para ser bem-sucedida em seu ganho de escala em uma empresa com mais de US$ 5 bilhões em receita, uma iniciativa digital precisa de recursos da ordem de US$10 milhões a US$30 milhões ao ano; já uma transformação digital que abarque muitas unidades de negócio em uma empresa global pode chegar a custar até US$100 milhões. Para evitar dividir os recursos entre muitas iniciativas, grandes líderes digitais reduzem regularmente seu portfólio sem dó nem piedade. Investimentos abaixo do necessário não ajudam a competir com empresas bancadas por venture funds.

Focar no tipo adequado de iniciativa é igualmente importante. Muitas vezes os negócios colocam muitos recursos em programas que trazem ganhos de curto prazo, mas que não são escaláveis, não são sustentáveis e não agregam valor. Para evitar esta perda de energia, toda transformação digital deve começar pelo entendimento das necessidades do cliente e construir soluções que não apenas atendam a essas necessidades, mas também tenham potencial para gerar maior impacto.

4. Falta de dinheiro

Algumas transformações digitais enfrentam dificuldades porque os custos sobem muito, enquanto que o crescimento da receita ou as economias previstas demoram mais do que o esperado para serem concretizadas. As empresas líderes em seus respectivos setores começam por executarem aquelas iniciativas de resultados mais imediatos, concretizando valor para que os esforços sejam custeados por seus próprios resultados – frequentemente nos primeiros três meses do programa. De fato, esta abordagem pode ser tão eficaz que as empresas mais bem-sucedidas geram mais economias ou receitas do que o necessário para pagar todo o programa de transformação.

A captura destas economias e receitas pode muitas vezes ocorrer por meio do uso de dados e ferramentas já existentes, junto com a vontade de fazer as coisas de forma distinta. Um exemplo disto é o caso de uma equipe de três pessoas que realizou a micro segmentação da base de clientes de uma empresa de telefonia dos EUA. Seu esforço melhorou em mais de 40% a eficiência da empresa em definir seus clientes-alvo, além de conseguir reduzir em 50% seus gastos com marketing digital. Da mesma forma, um varejista online aumentou em 35% suas taxas de conversão simplesmente com a alocação de uma pessoa para otimizar o tempo de carregamento de sua página seguidas vezes, até conseguir que ela diminuísse o tempo de carregamento de 16 para 6 segundos.

Muitas vezes, estas oportunidades podem ser identificadas já na primeira semana do projeto. Avaliar a jornada de decisão do cliente é uma boa forma de começar. Em segmentos de consumo, como bancos e telefonia, os processos de entrada e início dos serviços para novos consumidores costumam oferecer muitas oportunidades de melhorias substanciais.

5. Falta de talentos

A maior parte das empresas que iniciam programas de transformação digital subestimam o tempo necessário para desenvolver habilidades e capacidades. Elas sabem que precisam de talentos digitais, mas não têm ideia de quantos e em qual especialidade. Uma transformação digital em uma grande empresa pode exigir até 150 funcionários em tempo integral no primeiro ano do programa. A contratação de um executivo-chefe para assuntos digitais 5 é um bom jeito de começar, mas por si só não é suficiente.

Toda busca efetiva por talentos deve ter início com a identificação dos problemas a serem resolvidos. Isto ajuda a deixar claro o conjunto de habilidades de que você necessitará. Depois de uma análise preliminar, por exemplo, uma empresa determinou que precisaria de 11 pessoas com conjuntos de habilidades específicas – ‘líderes’ e ‘executores’ – para completar um projeto fundamental dentro do programa de transformação. Ela achou as pessoas certas em uma empresa de tecnologia líder de mercado e pagou um prêmio de 100% para contratá-las. Em estágios posteriores do programa de transformação, a nova leva de 50 contratados exigiu um prêmio de apenas 20%, uma vez que estavam felizes de virem trabalhar com os primeiros talentos contratados. Em menos de nove meses, a equipe gerou US$ 1,4 bilhão em receita incremental anualizada – um resultado excepcional para o que pareceu ser, inicialmente, um investimento desproporcional.

A criação de um ambiente de trabalho informal, como os espaços comuns em start-ups, onde as pessoas se reúnem e compartilham ideias, pode ajudar a atrair os talentos apropriados. Desenvolver um mecanismo para integrar estas contratações externas também é fundamental. Observamos casos em que grandes empresas contratam muitos talentos digitais, colocam essas pessoas em ambientes similares aos de start-ups e, de certa forma, acabam se esquecendo deles. Se deixados soltos, os novos contratados vão começar a trabalhar em seus próprios projetos, e não no seu.

6. Falta de disciplina

Agilidade e velocidade são parte integrante de uma organização digital, mas a energia pode se tornar caos se não for adequadamente canalizada para um propósito. Líderes devem ser sistemáticos na identificação e na captura de valor do negócio, o que começa já por dar transparência ao avanço das iniciativas digitais e por definir métricas úteis para mensurar tais avanços.

Muitas empresas focam em indicadores-chave de desempenho centrados em resultado, como crescimento do EBITDA, receitas digitais como percentual da receita total ou redução do CAPEX. No entanto, métricas tão amplas não são capazes de isolar os fatores que contribuem para um determinado resultado. É mais produtivo desenvolver um conjunto de métricas simples que monitorem elementos como conversão SEO e tráfego de aplicativo, deixando claro também quem são os responsáveis por cada um dos itens e por seus respectivos resultados.

Outra forma de injetar disciplina é investindo da mesma maneira que uma empresa de venture capital. Faça várias reuniões de avaliação com expectativas explícitas e governança clara; não libere a próxima parcela de investimento financeiro até o projeto atingir determinados marcos ou metas nos indicadores-chave de desempenho; e não tenha nenhum pudor em cortar aqueles esforços que não estiverem com o desempenho esperado. As melhores empresas garantem que procedimentos simples de governança, escala e resposta estejam presentes, bem como mecanismos que permitam a correção de rumo quando as iniciativas se desviarem da rota (o que inevitavelmente ocorre com muitas delas).

Disciplina não deve ser confundida com rigidez. É preciso ter um modelo flexível de recursos para, por exemplo, transferir pessoas e fundos para outras iniciativas em desenvolvimento que sejam mais promissoras, bem como lidar com questões cruciais para o programa.

The economic essentials of digital strategy

7. Falta de aprendizado

A maneira mais fácil de enterrar um processo de transformação é parando de aprender. Empresas bem-sucedidas recompensam a experimentação porque aprender com os erros ajuda a organização a acertar da próxima vez, estimulando também a criatividade. Uma análise das equipes que trabalham no Google mostrou que os resultados do trabalho eram melhores quando os funcionários percebiam que podiam correr riscos sem se sentirem envergonhados ou terem medo de serem criticados por eventuais fracassos.6

No entanto, o aprendizado efetivo não ocorre sozinho. As empresas precisam investir em sistemas para capturar as lições e aprender com elas. A Amazon investiu em sistemas desenhados para tornar o aprendizado o mais transparente possível, com painéis de controle mostrando quais os testes sendo feitos, quem são os responsáveis por eles e como os clientes têm respondido às mudanças. Os testes com melhor desempenho e de mais longa duração são coroados “King of the Hill”.

Em termos de tecnologia, algumas empresas colocam códigos testados e aprovados em um repositório de desenvolvimento de software como o GitHub, que permite aos desenvolvedores que vierem depois aprender com o trabalho dos demais, capitalizar seus sucessos e usar os códigos em novas soluções sem precisar testá-los.

Organizações que abraçam a aprendizagem geralmente desenvolvem protótipos de baixo custo, testam eles com consumidores e vão refinando os resultados repetidamente até chegar a um produto minimamente viável (ou MVP – minimum viable product – na sigla em inglês). Estas empresas buscam obter feedback sobre as novas funcionalidades conduzindo pesquisas simples com grupos pequenos de consumidores ou avaliando suas respostas a elementos específicos, como a forma de escrever ou o layout de uma página da internet. Uma empresa que tinha uma taxa de conversão de 22% conseguiu aumentá-la para 29% - resultando em um crescimento de 5% - ao utilizar este processo de testes e aprendizados.

8. Fadiga em relação à mudança

Empresas muitas vezes conseguem reunir os recursos e a energia necessários para realizar alguns testes com as novas abordagens. Mas manter o momentum de um grande esforço de transformação, combatendo a força gravitacional exercida pelo legado organizacional7 é um desafio de outra natureza. Embora nenhuma transformação esteja imune à fadiga em relação da mudança, alguns passos podem ajudar a mantê-la longe da sua empresa.

As equipes podem ser atropeladas pela enorme escala e complexidade da mudança. Assim, líderes eficazes desenham projetos menores, com marcos frequentes, para que as equipes sintam que estão obten do resultados. Eles também focam em manter as coisas simples – por exemplo, limitando o número de indicadores-chave de desempenho. Uma empresa de bens de consumo escolheu três: volume e fonte do tráfego para os ativos digitais, qualidade do tráfego e taxas de conversão.

Os líderes do negócio podem facilitar o processo sequenciando cuidadosamente as tarefas de forma a que cada uma sirva de base para a próxima.8 Algumas empresas, por exemplo, desenvolvem componentes ‘horizontais’, tais como níveis de gestão dos processos do negócio ou plataformas de administração central, que podem ser compartilhados por diferentes iniciativas para acelerar projetos futuros.

Os líderes devem também lidar com a rotatividade de seus quadros de maior senioridade. Este efeito compromete a continuidade e cria um ambiente de cinismo entre os funcionários dos níveis mais baixos. Embora a rotatividade dos níveis mais altos faça parte da realidade da maior parte das empresas, muitas organizações conseguiram garantir uma continuidade nos seus programas de mudança ao engajar cerca de uma dezena de gerentes de nível médio influentes para atuarem como evangelizadores em prol da mudança. Ao valorizar seus perfis dentro da estrutura organizacional, dando a eles responsabilidades reais – como liderar as equipes ágeis – e recompensá-los generosamente por seus esforços, os líderes podem criar uma continuidade no nível do negócio que é efetivamente responsável pelo trabalho.

9. Execução solitária

Se a velha ordem focava em manter as coisas isoladas e proprietárias, a nova ordem está centrada no relacionamento com um ecossistema de parceiros e distribuidores. Esta abordagem ajuda a acelerar o acesso a mercados, talentos, habilidades e tecnologias. Empresas ágeis desenvolvem capacidade digital rapidamente com uso de recursos já existentes, como software de código aberto, que pode ser customizado às suas necessidades. Trabalhar de perto com distribuidores ou parceiros para ter acesso a novas capacidades pode acelerar as atividades e ajudar as empresas a aprender rapidamente como fazer as coisas do ‘jeito digital’.

Neste novo mundo de ecossistemas,9 o sucesso está em ter um entendimento detalhado das habilidades e vantagens que você já possui e daquelas de que você necessita. Investir em uma estratégia centrada em APIs (ou interfaces de programação de aplicações, que são as ligações que permitem que sistemas distintos ‘conversem’ uns com os outros)10 é fundamental para que as empresas possam desenvolver os meios necessários para se integrar com diferentes parceiros, distribuidores e plataformas. Empresas líderes também estão desenvolvendo habilidades de gestão de relacionamentos de ecossistemas – de equipes de negociação que buscam parceiros em potencial a pessoas dedicadas à gestão das comunidades de desenvolvedores e parceiros.

10. Lentidão

Independentemente de quão rápido você achar que está avançando, é bem provável que você não esteja sendo veloz o suficiente. Para reagir às mudanças do mercado e capturar oportunidades de receita antes de seus concorrentes, velocidade é essencial.

Uma forma de acelerar é automatizando tarefas e processos que consomem muito tempo. A adoção de ‘desenvolvimento baseado em testes’ – ou seja, criar testes para os códigos antes de escrever o código em si – por exemplo, pode acelerar em muito seu desenvolvimento. Uma empresa internacional de hotelaria consolidou seus sistemas de vendas e catering ao passar para um repositório com uma única versão de controle, integrando códigos uma vez por dia e insistindo que os desenvolvedores criassem testes automatizados para novas mudanças nos códigos. Com isso, a empresa reduziu em cerca de 25% seu tempo de lançamento de novos softwares.11

Pensando na velocidade, uma equipe de desenvolvedores de uma outra empresa adotou uma ferramenta de colaboração para monitorar o desempenho de vendas, aplicativos e atendimento. A cada 10 minutos, a ferramenta traz novas métricas – vendas, forma de pagamento (à vista ou crédito), números envolvidos, tamanho da cesta de compra – e a equipe consegue saber rapidamente como está o desempenho do sistema. Um canal de alerta permite que líderes de projetos identifiquem se a questão é nova ou já conhecida, grande ou pequena, permitindo a eles planejar qual a melhor maneira de lidar com ela. O foco está na reação rápida, em vez de buscar uma forma para que tudo fique ‘perfeito’.

Os negócios mais eficazes incorporam a velocidade tornando a agilidade um modo de operar. Eles utilizam ciclos curtos de desenvolvimento para lidar com necessidades específicas, experimentam repetidamente possibilidades já prontas com os clientes e produzem soluções ‘suficientemente boas’. Em marketing, por exemplo, organizações ágeis12 podem testar muitas ideias novas e executar centenas de campanhas simultaneamente, colhendo ideias no campo em poucos dias, em vez de esperar semanas ou meses.


Para criar valor real, líderes de empresas precisam correr riscos. Mas terão sucesso aqueles que compreenderem como gerenciar os riscos importantes e como evitar as armadilhas que podem prejudicar um processo de transformação – ao mesmo tempo que ampliam os limites de sua organização.

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