Um estudo mencionado na consagrada revista Psychology Today concluiu que um comportamento leva em média 66 dias para se tornar automático. Caso seja verdade, é uma boa notícia para os líderes empresariais que passaram os últimos cinco meses administrando suas empresas de maneiras antes inimagináveis. A pandemia de COVID-19 é um ponto final para o business as usual e uma plataforma de lançamento para as organizações se tornarem virtuais, centradas no digital e ágeis – e tudo isso à velocidade da luz.
Agora, ao olharem para o ano que vem e para o futuro, os líderes estão se perguntando: como podemos manter esse momentum? Como podemos aproveitar o que de melhor nós aprendemos e colocamos em prática durante a pandemia e garantir que isso permaneça integrado a tudo que fizermos daqui para frente? “Os líderes empresariais estão dizendo que realizaram em 10 dias o que costumava levar 10 meses”, diz Kate Smaje, sócia sênior e colíder global do McKinsey Digital. “É essa velocidade que está desencadeando uma onda de inovação diferente de tudo que já vimos.”
Já não era sem tempo de constatar isso. Mesmo antes da chegada da crise sanitária mundial, 92% dos líderes de empresas entrevistados pela McKinsey achavam que seu modelo de negócios não continuaria viável às taxas de digitalização da época. A pandemia apenas turbinou essa situação toda. As empresas que estão liderando a saída desta crise, as que conquistarão participação no mercado e definirão o tom e o ritmo para as outras, são as pioneiras. “A realidade básica é que, devido à velocidade cada vez maior do digital, estamos vivendo cada vez mais em um mundo no qual o vencedor leva tudo”, diz Smaje. “Mas simplesmente andar mais rápido não é a solução. Em vez disso, as empresas vencedoras estão investindo em tecnologia, dados, processos e pessoas para ganhar velocidade por meio de melhores decisões e correções de curso mais ágeis com base no que aprendem.”
As grandes empresas estabelecidas que estão vencendo a batalha da transformação digital acertam uma série de coisas. No entanto, a pesquisa da McKinsey destacou alguns elementos que realmente se sobressaem:
- Velocidade digital. As empresas líderes simplesmente atuam com maior rapidez, desde a análise de estratégias até a alocação de recursos. Por exemplo, elas realocam talentos e capital quatro vezes mais rapidamente do que as outras.
- Prontidão para se reinventar. Embora as empresas precisem manter os elementos lucrativos de seus negócios, continuar operando como fizeram até o momento é uma alternativa perigosa . As empresas líderes estão investindo tanto na atualização do seu negócio principal quanto na inovação, muitas vezes utilizando-se de tecnologia.
- Apostar tudo. Essas empresas não estão apenas tomando decisões mais rapidamente; as decisões em si também são mais ousadas. Duas das áreas mais importantes em que esse tipo de empenho transparece são as grandes aquisições (as líderes gastam três vezes mais do que as outras) e as apostas de capital (as líderes gastam o dobro das outras).
- Decisões baseadas em dados. “A estrada que leva à recuperação é pavimentada com dados”, afirma Smaje. Os dados estão fornecendo o combustível necessário à tomada de decisões melhores e mais rápidas. As organizações de alto desempenho têm uma probabilidade três vezes maior de afirmar que suas iniciativas de dados e analytics contribuíram com pelo menos 20% para o EBIT (de 2016 a 2019).
- Seguidoras do cliente. Ser “centrado no cliente” é algo consagrado. Contudo, em virtude de outras pressões e prioridades, o cliente pode muitas vezes ser deixado de lado. As empresas líderes que mantêm um foco abrangente no cliente (além de melhorias operacionais e de TI) podem gerar ganhos econômicos que variam de 20% a 50% da base de custos.
As empresas que você vai conhecer aqui estão adotando e implementando essas estratégias e abordagens digitais com grande rapidez. Além de mandarem milhares de funcionários de escritório, call center e chão de fábrica para casa de um dia para o outro, elas estão usando essas tecnologias para reformular os supply chains, criar canais de comércio eletrônico totalmente novos e utilizar IA e análises preditivas para descobrir modos mais inteligentes e sustentáveis de operar.
Tenho clientes que dizem que conseguiram em 10 dias o que costumava levar 10 meses.
A velocidade do digital
A maioria das pessoas não pensa no setor imobiliário como particularmente tecnológico, mas a RXR Realty está provando que essa suposição está errada. Mesmo antes da pandemia, a incorporadora nova-iorquina de imóveis comerciais e residenciais tinha começado a investir em capacidades digitais que a diferenciassem das concorrentes. “Historicamente, o mercado imobiliário é um setor bastante transacional”, explica Scott Rechler, CEO da RXR. “Sentimos que, ao alavancar nossas habilidades digitais, poderíamos criar uma experiência única e personalizada para nossos clientes, parecida com aquelas às quais eles estão acostumados em outros aspectos da vida.”
Antes da crise sanitária mundial, a RXR havia criado um laboratório digital. A empresa já tem mais de 100 cientistas de dados, designers e engenheiros em toda a organização trabalhando em iniciativas digitais. O investimento nessas capacidades – um aplicativo voltado a entregas, agendamento de mudanças, passeios com cachorros e pagamentos de aluguel no lado residencial e análises em tempo real sobre aquecimento, refrigeração e otimização de espaço para locatários no lado comercial – permitiu que a RXR mudasse rapidamente logo que a pandemia chegou. De repente, o distanciamento físico e a necessidade de interações sem contato passaram a ser essenciais para os inquilinos da RXR.
Hoje, essa equipe está trabalhando 24 horas por dia para implementar os protocolos de saúde e segurança que permitem que os inquilinos se sintam seguros ao retornarem ao escritório. Sua plataforma – a RxWell – inclui um novo aplicativo móvel que fornece informações sobre a qualidade do ar e os níveis de ocupação de um edifício, a situação em termos de limpeza, opções de entrega de comida e os horários dos turnos para a chegada dos funcionários. A temperatura dos funcionários é medida por meio de leitores térmicos quando eles entram em um edifício, e há mapas de calor disponíveis online que mostram a taxa de ocupação de um banheiro ou sala de conferência em determinado momento. “É devido aos investimentos que fizemos em nossas capacidades digitais antes da pandemia que podemos dar paz de espírito às pessoas, agora que começam a voltar ao trabalho”, comenta Rechler.
Reinventando-se
O crescimento exponencial da digitalização, aliado à insatisfação do consumidor com os bancos físicos tradicionais, vem levando ao lançamento de fintechs com incrível velocidade na última década. Esse fato não passou despercebido para o gigante dos bancos de investimento Goldman Sachs, que lançou a Marcus by Goldman Sachs em 2016. A Marcus, negócio de consumo digital da empresa, é, como o executivo-chefe Harit Talwar gosta de descrever, “uma startup de 150 anos que permite que as pessoas controlem sua vida financeira a partir de seu telefone”. Nos últimos quatro anos, esse negócio que prioriza o digital aumentou os depósitos para $ 92 bilhões e $ 7 bilhões nos saldos de empréstimos por meio de uma combinação de crescimento orgânico, aquisições e parcerias com empresas como Apple e Amazon. A Marcus tem milhões de clientes nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Com a filosofia do digital em primeiro lugar, diz Talwar, as decisões sobre novos produtos e serviços são tomadas depressa. Por exemplo, quando veio a pandemia, a Marcus se deu conta de que alguns de seus clientes precisariam de ajuda. A equipe decidiu permitir que as pessoas adiassem o pagamento de empréstimos e cartões de crédito por vários meses sem acumular juros. “A novidade não é que fizemos isso, mas que levamos só 72 horas desde nossa percepção de que os clientes precisavam de ajuda até o momento da implementação”, diz Talwar. “Conseguimos isso em virtude do nosso modelo ágil de tecnologia digital.”
Apostar tudo
Para a mineradora indonésia Petrosea, as apostas envolvidas na transformação digital eram uma questão de sobrevivência. As mudanças no setor, o aumento dos requisitos regulatórios e a oposição da sociedade ao impacto ambiental da mineração culminaram no que o diretor-presidente Hanifa Indradjaya chama de “ameaça existencial” à empresa. “Como não somos o maior player do setor, ficamos bastante vulneráveis”, diz ele. “Se fosse para sobrevivermos, manter o status quo não era uma opção.”
Em 2018, a empresa adotou um enfoque em três frentes que abordava a digitalização, descarbonização de suas operações e a diversificação para outros minérios que não o carvão. No local do projeto Tabang, em uma área remota de Kalimantan Oriental, na Indonésia, a empresa empregou um conjunto de tecnologias avançadas, inclusive inteligência artificial (IA), sensores inteligentes e machine learning. Os sensores possibilitam a manutenção preditiva das frotas de caminhões da empresa, permitindo que ela use menos caminhões e trate as avarias antes de elas acontecerem.
Para sair do carvão em direção ao cobre, níquel, ouro e lítio – minerais necessários à eletrificação dos países em desenvolvimento –, a empresa está desenvolvendo um conjunto de tecnologias digitais viabilizadas por IA para encontrar esses metais com maior rapidez e eficiência. O atendimento de suas necessidades consideráveis de requalificação – a maioria dos funcionários de Tabang não tem mais do que o ensino médio – resultou no desenvolvimento de um aplicativo móvel com elementos de gamificação populares, garantindo que os funcionários permanecessem envolvidos e finalizassem o treinamento. Conclusão: em seis meses, Tabang tornou-se uma das operações mais lucrativas da empresa ao reduzir custos e aumentar a produção. “A tecnologia nos permitiu inovar nosso modelo de negócios e permanecer relevantes”, diz Indradjaya. “Agora, a mentalidade digital permeia todos os aspectos da empresa.”
Decisões baseadas em dados
A Freeport-McMoRan está combinando o poder da IA com o conhecimento institucional de seus engenheiros e metalúrgicos veteranos para levar suas operações a outro patamar. Harry “Red” Conger, diretor de operações dessa empresa sediada em Phoenix, diz que os dados em tempo real estão permitindo que a Freeport reduza os custos operacionais, seja mais resistente em cenários econômicos difíceis (e quando os preços das commodities estão em queda) e tome decisões mais rápidas. “Com a cultura de aprendizagem rápida, nós colocamos as coisas em ação”, diz ele. “Não ficamos parados pensando naquilo.”
Caso em questão: em 2018, a Freeport estava procurando aumentar a capacidade de uma de suas minas de cobre mais eficientes – o amplo complexo em Bagdad, no Arizona. A empresa calculou que um plano de expansão de $ 200 milhões lhe permitiria extrair mais cobre do local. Porém, alguns meses depois, os preços do cobre caíram, o que levou ao abandono do dispendioso plano.
A empresa logo descobriu outro caminho. Em vez de um enorme dispêndio de capital, a Freeport começou a desenvolver um modelo de IA que lhe permitisse aumentar a produtividade do local em Bagdad. Décadas de mineração de dados – que Conger chama de “receitas” – haviam sempre orientado o processo de mineração, inclusive como as máquinas e outros equipamentos eram operados. Agora, cientistas de dados estavam sendo trazidos para questionar esses processos de longa data.
“Nossos engenheiros acharam um insulto quando os cientistas de dados, que não sabem nada de metalurgia, aventaram que sabiam operar o complexo melhor do que eles”, Conger relata. Entretanto, o que os dados de IA mostraram foi que algumas das receitas históricas vinham limitando o que a Freeport estava obtendo do complexo de Bagdad. “O modelo de IA estava nos informando a medida na qual o equipamento poderia ser operado mais rapidamente e sua capacidade máxima”, acrescenta ele. Ao analisarem todos os aspectos do processo de mineração, os modelos de IA estavam mostrando o que era possível.
Os engenheiros e metalúrgicos trabalharam lado a lado com os cientistas de dados. Nos meses seguintes, passaram a confiar mais nas recomendações da IA sobre como otimizar o complexo de Bagdad. Hoje, a taxa de processamento da mina é 10% mais alta do que já foi, segundo Conger, e esse mesmo modelo ágil de IA está sendo usado em oito das outras minas da empresa, inclusive uma no Peru que tem cinco vezes a capacidade da de Bagdad. Diz Conger: “Algumas pessoas me dizem que só querem trabalhar dessa maneira”.
Mentalidade de seguir o cliente
Uma das maiores transformações que ocorreram durante a pandemia foi na maneira de os clientes fazerem compras. O fechamento das lojas levou milhões de consumidores a comprar online, muitos pela primeira vez. Adaptar-se a essa mudança com rapidez e sem rupturas passou a estar na ordem do dia para muitos varejistas no mundo inteiro. Entre eles, a Levi Strauss e a Majid Al Futtaim Retail.
Sendo uma empresa que existe há mais de 100 anos, a Levi Strauss sabe definir seu ritmo. No entanto, a pandemia colocou em marcha acelerada iniciativas que estavam planejadas para o final deste ano e depois. O diretor financeiro, Harmit Singh, diz que a empresa de vestuário com sede em São Francisco estava pronta. Investimentos em tecnologias digitais – como IA e análise preditiva – feitos antes da chegada da pandemia permitiram à Levi’s reagir de forma ágil e decidida à migração em massa dos consumidores para os canais de e-commerce.
Para fazer frente à demanda, a empresa começou a atender pedidos online não apenas com mercadorias em centros de distribuição, mas também a partir de suas lojas. Antes da crise sanitária, Singh diz que levaria semanas ou meses para desenvolver a logística dessa mudança, mas, à medida que a pandemia se espalhava pelo país, a Levi’s foi capaz de realizar a transição em questão de dias. Ela não demorou para implantar a retirada de produtos na calçada em aproximadamente 80% de suas cerca de 200 lojas nos Estados Unidos. E, embora tenha lançado seu aplicativo móvel antes do surgimento da COVID-19, a empresa o utilizou de maneiras criativas para se conectar com os consumidores durante a pandemia. “Era importante para nós aumentar nosso engajamento e ficar conectados com os clientes que estavam em casa”, diz ele.
Mesmo antes da chegada da crise sanitária mundial, 92% dos líderes de empresas entrevistados pela McKinsey achavam que seu modelo de negócios não continuaria viável às taxas de digitalização da época.
No ano passado, a Levi’s começou a fazer investimentos em IA e dados para ter um melhor controle de quando e como fazer promoções. Uma campanha realizada em maio em toda a Europa foi lançada usando informações coletadas de um modelo de IA e acabou gerando vendas cinco vezes mais altas do que em 2019. “A IA nos dá a capacidade de transformar rapidamente dados e fatos em ação”, explica Singh. “Estamos usando essa inteligência junto com nossa própria expertise e avaliação do consumidor para gerar melhores resultados.”
A Majid Al Futtaim, conglomerado sediado em Dubai que opera a rede de supermercados Carrefour no Oriente Médio, África e Ásia, estava desenvolvendo sua estrutura digital bem antes da COVID-19. Em 2015, ela decidiu que precisava ser tão proeminente online quanto em suas 315 lojas físicas em 16 países, afirma Hani Weiss, CEO da Majid Al Futtaim Retail. A empresa vinha progredindo, mas Weiss diz que havia pouca urgência para avançar mais rápido.
Aí veio a pandemia. Os pedidos online de gêneros alimentícios à empresa explodiram e já estão 400% mais altos do que em 2019. “A pandemia nos impeliu a acelerar nossa transformação digital”, comenta Weiss. “Vamos implementar nos próximos 18 meses coisas que dissemos originalmente que queríamos alcançar em cinco anos.”
Para se adaptar ao aumento da demanda de compras online, a empresa converteu depressa algumas lojas físicas em centros de distribuição. Quando os dados mostraram que era necessária mais capacidade, os gerentes de logística logo providenciaram para que um centro de distribuição online na forma de uma tenda de 5 mil metros quadrados fosse erguido e estivesse operacional em cinco semanas. Completa, com locais para alimentos congelados e resfriados, a instalação estoca mais de 8 mil itens e agora está atendendo 3 mil pedidos online por dia, tornando-se o maior e mais recente dos 75 centros de distribuição inaugurados este ano.
Weiss diz que a empresa ampliou os serviços de entrega por meio de iniciativas como a Click and Collect, redesenhou seu aplicativo para facilitar o uso pelos clientes e lançou em suas lojas opções de pagamento sem contato, como Mobile Scan e Go, que permitem aos clientes fazer a leitura dos itens com seu smartphone e pagar com ele. Ela também lançou um marketplace online com 420 mil novos produtos de outros varejistas cujas lojas ficaram fechadas no período de confinamento, permitindo que continuassem a vender seus produtos online.
“Não importa como nossos clientes querem comprar, somos capazes de atendê-los”, diz Weiss. “Desenvolvemos essa agilidade durante a pandemia, e quero mantê-la daqui para frente.”
Esses líderes reconhecem que o caminho à frente certamente terá desafios. Mas também há uma enorme esperança por causa das portas que podem ser abertas por uma estratégia em que o digital vem em primeiro lugar. “As empresas que estão vencendo não estão fazendo melhorias incrementais”, diz Smaje. “Estão utilizando a tecnologia para reimaginar como os negócios funcionam e dedicando recursos em escala suficiente para garantir que a mudança seja duradoura.”
Vá aos bastidores e obtenha mais insights com Kate Smaje: Why businesses must act faster than ever on digitization em nosso blog New at McKinsey.