Entre as crescentes expectativas dos clientes e ações imprevisíveis adotadas por “atacantes” digitais, as organizações de P&D de empresas estabelecidas estão sob intensa pressão. Elas não têm apenas que produzir grandes quantidades de produtos e serviços inovadores – o que é essencial para o crescimento orgânico – como também precisam apoiar a formação de modelos de negócios digitais que competem em novos mercados. No entanto, muitas equipes de P&D, especialmente em empresas que fabricam produtos industriais, acabam prejudicadas por características antiquadas de sua abordagem, tais como processos rigidamente sequenciados, rigorosas divisões de responsabilidades entre funções como engenharia e marketing ou um foco limitado em inovação interna.
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Como parte de transformações digitais mais amplas em suas empresas, algumas equipes de desenvolvimento de produtos começaram a reformular a maneira como trabalham. No entanto, tais transformações podem levar muito tempo à medida que as empresas modernizam suas arquiteturas de TI, adotam novas tecnologias, reorganizam as equipes e aprendem maneiras mais ágeis de trabalhar. Como os concorrentes digitais não perdem tempo, os desenvolvedores de produtos de empresas estabelecidas precisam de aceleradores de inovação que possam ser colocados em prática quase imediatamente. Porém, com uma ampla gama de tecnologias e métodos à disposição, por onde começar a escolha?
Na experiência que adquirimos auxiliando empresas estabelecidas a atualizar suas práticas de P&D, quatro soluções se destacam por seus grandes benefícios, bem como pela facilidade de integração com atividades existentes. Com os chamados gêmeos digitais de produtos em uso, as organizações de P&D podem entender o que acontece com os dados do produto ao longo de todo seu ciclo de vida, obtendo novos insights mais rapidamente. Quando essas empresas identificam conceitos promissores, o ciclo de desenvolvimento do produto pode ser reduzido com a realização de Hackatons de realidade virtual. Algumas empresas precisam receber novas inspirações para acelerar o processo de P&D. Nesse caso, elas podem tentar realizar “Pitch Nights”, eventos nos quais poderão reunir e filtrar ideias vindas de fora da empresa, ou podem ainda estabelecer estúdios internos de design, ou “garagens de inovação”, para estimular a colaboração entre os funcionários da empresa. Neste artigo, explicamos como empresas estabelecidas estão usando essas abordagens, isoladamente ou em distintas combinações, para rapidamente desenvolver produtos bem-sucedidos diante das ameaças impostas por concorrentes digitais.
Utilização de dados do ciclo de vida completo para alavancar a inovação em tempo real: gêmeos digitais
Para monitorar as experiências dos clientes e o desempenho dos produtos, muitos nativos digitais desenvolveram mecanismos sofisticados para coletar dados sobre os produtos vendidos. Essas empresas analisam tais dados e usam suas conclusões para nortear o desenvolvimento de novos produtos, bem como atualizações de software que corrigem falhas em produtos existentes ou adicionam recursos a eles. As aplicações potenciais, no entanto, estão se expandindo além dos nativos digitais. Sensores incorporados a equipamentos mecânicos, por exemplo, podem revelar muito mais do que as empresas jamais souberam sobre o desempenho de suas máquinas no mundo real. E todos os tipos de produtos com recursos digitais, de smartphones a equipamentos agrícolas, agora podem ser monitorados e mantidos usando aplicações da Internet das Coisas (IoT).
Mesmo assim, empresas tradicionais muitas vezes ainda enfrentam obstáculos quando se trata de compilar e agir de acordo com os insights obtidos a partir dos dados gerados pelos produtos em uso. As empresas lançam muitas versões diferentes de seus produtos - por exemplo, modelos adaptados a exigências que variam de acordo com as diferentes regiões. O desafio é acompanhar todas essas versões. E quando as empresas precisam lançar atualizações de software para seus produtos, deparam-se com dificuldades para assegurar que todas as atualizações funcionem em todas as versões de um produto.
Algumas dessas empresas começaram a lidar com essas limitações utilizando “gêmeos digitais”, que são contrapartes virtuais de produtos físicos. Ao sincronizar as informações existentes sobre o produto (como os parâmetros exatos de configuração e desempenho de software e hardware) com dados reais sobre o uso e o desempenho de um produto real durante todo o seu ciclo de vida, as empresas podem monitorar os problemas com precisão e descobrir as necessidades dos clientes que ainda não foram atendidas. Tais insights podem levar empresas a avanços na concepção de novos produtos, bem como a reduções significativas no tempo e custos associados a atividades como manutenção de desempenho, recall de produtos, cumprimento de exigências regulamentares e reajuste de processos de fabricação. E, antes que correções de software sejam produzidas em massa, as correções e novas funções podem ser testadas nos gêmeos digitais.
Uma OEM automotiva esforçou-se para prestar serviços eficientes de manutenção à medida que aumentava a variedade, a complexidade e a presença geográfica de sua linha de produtos. No entanto, ela também sabia que os dados emitidos por seus produtos diriam muito sobre como eles funcionam e sobre qual tipo de suporte exigem. A empresa optou por construir uma estrutura de arquitetura de dados nova e mais flexível, que enviava dados de produtos ao vivo para uma série de gêmeos digitais. Com base no que a empresa aprendeu com os gêmeos digitais, foi identificada uma gama de serviços para aumentar a satisfação do cliente e as vendas. Entre eles, estavam atualizações de software entregues de forma remota e ferramentas digitais para o engajamento do cliente. Ao enviar novos softwares “pelo ar”, por exemplo, a empresa conseguiu substituir as cerca de 500 versões diferentes do sistema operacional principal de um único modelo por uma nova versão - uma mudança que simplificou bastante o desenvolvimento das atualizações seguintes. Dessa forma, a empresa acredita que essas melhorias poderiam aumentar seus ganhos (antes de juros e impostos) em até cinco pontos percentuais.
Redução do tempo desde a ideia até o lançamento do produto: hacking na realidade virtual
Novas evidências sugerem que, na economia digital, que favorece os pioneiros no setor e aqueles que se apressam em seguir as tendências, o lançamento tardio de um produto bem desenvolvido custa muito mais do que ser o primeiro a chegar ao mercado com um bom produto, mas que ainda tenha algumas arestas a serem aparadas. Essa última abordagem se baseia nos métodos de hacking de desenvolvedores de software, que lançam versões beta de novos produtos para obter reações antecipadas de clientes, definir as preferências dos usuários por meio de testes A/B e então entregar seu feedback com as alterações feitas em ciclos curtos e frequentes. Contanto que as empresas sejam rápidas em mudar cada nova versão de um produto, vários estilos de hacking podem beneficiar empresas estabelecidas, não apenas aquelas que vendem software e serviços.
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Tecnologias de visualização como VR, realidade aumentada (AR) e impressão em 3D podem gerar melhorias ainda maiores no ritmo e flexibilidade dos trabalhos de P&D. Enquanto os designers podem passar cinco ou seis semanas montando um protótipo físico, tais tecnologias permitem a construção de um protótipo de realidade virtual em poucos dias. Com as ferramentas corretas, equipes multifuncionais podem alterar esses protótipos ainda mais rapidamente e estimar em tempo real as implicações de custo de possíveis melhorias no design. Em nossa experiência, o uso eficaz da VR pode reduzir significativamente os custos de P&D e o tempo de entrada no mercado – de 10 % a 15% para cada medida – e também obtém ganhos no desempenho do produto.
A tecnologia de VR ajudou um fabricante de equipamentos avançados a inovar com seu modelo de próxima geração de um grande dispositivo eletrônico fixo. A concorrência estava conseguindo angariar um pouco da participação de mercado há anos, porque suas versões do dispositivo eram mais baratas e de instalação mais fácil. Mas a empresa não conseguia descobrir o que fazia com que o design de seus concorrentes fosse superior. Reunindo informações de diversas fontes, a empresa criou modelos 3D dos produtos concorrentes. Assim, seus engenheiros puderam examinar cuidadosamente esses modelos de todos os ângulos, usando capacetes de realidade virtual. A pesquisa convenceu a equipe de P&D a rever determinadas premissas sobre como seu próximo modelo do dispositivo deveria ser desenhado.
Tendo em mente tais premissas desatualizadas, a empresa realizou uma série de Hackathons para desenvolver a nova versão, reunindo pessoas de vários departamentos na mesma sala, de forma física ou virtual, para fazer com que um protótipo de VR passasse por múltiplos ciclos de revisão e ajuste. A empresa que fazia a investigação colocou seus próprios protótipos e modelos concorrentes no ambiente de VR para fazer comparações diretas que não seriam possíveis no mundo físico. A equipe multifuncional ajustou o protótipo à medida que os testes eram feitos, conforme as melhorias foram sugeridas. A tecnologia de VR acelerou o processo de design e o convite para que todos os departamentos relevantes participassem ao mesmo tempo do hacking do protótipo virtual, tornando possível a resolução rápida de problemas e o desenvolvimento de novos recursos, como ocorre no trabalho com a metodologia ágil.
Conexão a um ecossistema de inovação: O evento “pitch night”
Gêmeos digitais e Hackathons de VR podem ajudar as empresas tradicionais a fazer melhorias rápidas nos produtos existentes. Mas muitas empresas têm uma ambição diferente – a expansão de sua gama de ofertas – e carecem de recursos internos para conceber e desenvolver ideias de produtos. Outras precisam receber uma infusão de pensamentos novos e empreendedores. Um evento do tipo Pitch Night pode ser benéfico para uma empresa que esteja em qualquer uma dessas situações. Nesse tipo de evento, startups são convidadas a discutir um desafio na área de P&D e identificar soluções a partir de suas inovações.
Para um fornecedor industrial de primeira linha, um Pitch Night levou à criação de um mecanismo de advanced analytics usado para melhorar o design de transmissões industriais. O fornecedor iniciou o processo para a realização do Pitch Night expondo quatro casos de uso para uma ampla gama de startups e solicitou que elas apontassem possíveis soluções. Depois, escolheu cerca de 100 respostas interessantes e pediu que as startups fizessem apresentações de quatro minutos para um júri composto pelo CEO da empresa, diretor executivo digital, membros selecionados do conselho administrativo e líderes de unidades de negócios. Na disputa relacionada a transmissões industriais inteligentes, o júri identificou uma solução especialmente promissora de um pequeno grupo de cientistas de dados que havia sido originado em uma universidade. Essa equipe foi incumbida de passar oito semanas criando um produto mínimo viável (MVP, na sigla em inglês). O MVP funcionou bem o suficiente para que a empresa calculasse que teria um período de retorno de apenas três meses e poderia ser dimensionado em melhorias de produto no valor de cerca de €500 milhões em receita anual.
O mecanismo de análise não foi o único resultado útil obtido no Pitch Night. Especialistas em desenvolvimento de produtos mantiveram a parceria com as startups que reagiram primeiro ao desafio, formando uma rede de inovação à qual a empresa recorre quando necessário. Uma dessas startups continuou a contribuir com ideias para um produto diferente, o que levou a um trabalho conjunto de prototipagem. A empresa ficou tão convicta sobre a utilidade do Pitch Night que realizou eventos semelhantes com outras startups, funcionários, fornecedores e instituições acadêmicas. Também montou uma rede global dedicada de “núcleos de inovação” na Ásia, Europa e Estados Unidos para formar conexões mais profundas com inovadores locais e adquirir ideias e oportunidades de colaboração.
Criadores compartilham a mesma sala: a garagem de inovação
Como foi comprovado nos Pitch Nights, a inovação na era digital frequentemente surge da colaboração criativa, seja em ambientes formais ou em encontros ao acaso. Essa é uma das razões pelas quais as startups são a fonte de tantos produtos inovadores: como elas têm poucos funcionários, é mais fácil manter todos informados sobre as necessidades dos clientes e fazer com que participem de esforços criativos. Entretanto, muitas das iniciativas de P&D em grandes empresas são realizadas em um processo fechado, formado por várias etapas, no qual um departamento conclui uma tarefa antes de encaminhar o trabalho para outro. Isso pode dar origem a perspectivas divergentes sobre os desejos dos clientes, resultando em tarefas que precisam ser refeitas ou produtos que não atingem os resultados esperados.
Para romper com esse sistema de silos que atrapalha a inovação rápida, algumas empresas estão criando equipes multifuncionais de P&D. Uma forma de trabalho de tais equipes é a “garagem de inovação”, um grupo autônomo responsável por gerar rapidamente novas ideias com o mínimo de despesas. Uma garagem de inovação distingue-se por duas características essenciais. Primeiro, ela deve incluir membros de todas as funções que normalmente participam de P&D: engenharia, ciência de dados, marketing e vendas, financeiro e operações, por exemplo. Esses funcionários são acompanhados por profissionais especializados no modo de trabalho ágil: um responsável pelo produto - que decide como novos produtos serão compostos - e um Scrum Master, que organiza o processo de desenvolvimento iterativo, com testes e aprendizado.
Em segundo lugar, os executivos devem deixar claro que a garagem não é um “showroom”, e sim um espaço para um trabalho significativo, realizado de acordo com as novas regras da concorrência digital. Uma empresa europeia montou uma garagem de inovação bem ao lado da matriz, fazendo com que ela fosse um símbolo vivo do compromisso assumido com a inovação. As pessoas designadas para trabalhar do lado de fora não deveriam produzir menos resultados do que seus colegas trabalhando no prédio convencional. Além disso, a garagem recebeu permissão especial para contornar processos burocráticos, como contratação e integração de tecnologia, para que não perdesse tempo enquanto aguardava pelas licenças. A dedicação da equipe surtiu bons efeitos: um dos primeiros produtos a sair da garagem abriu um canal de vendas totalmente novo, apoiado por operações de negócios eficientes e totalmente digitais.
Segundo nossa experiência, as empresas estabelecidas podem colocar garagens de inovação em funcionamento em um prazo aproximado de seis meses: várias semanas de planejamento inicial, seguidas por um trabalho mais longo, geralmente com duração de três ou quatro meses, para montar o novo espaço e contratar ou designar funcionários, e atribuir um ou dois projetos iniciais para serem explorados pela equipe da garagem. Ao final desse período de desenvolvimento, a equipe deve ter criado seu primeiro conjunto de MVPs para testes, em uma demonstração do ritmo necessário para acompanhar os concorrentes nativos digitais. Em seguida, o responsável pelo produto pode trabalhar com estrategistas e líderes digitais no negócio principal da empresa para acelerar projetos de design que correspondam aos objetivos corporativos, como a expansão de gamas de produtos ou a entrada em novos mercados. Para isso, muitas vezes é preciso desenvolver um mecanismo para obter ideias e avaliar sua viabilidade, incluindo possíveis modelos comerciais e riscos oferecidos para o negócio principal.
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Uma empresa multinacional do setor automotivo montou uma oficina de inovação com o objetivo de romper com seu padrão tradicional de criar novos produtos somente a partir dos pedidos de clientes. Devido a essa abordagem, as atividades de desenvolvimento de produtos sempre produziam extensões das ofertas técnicas autônomas que funcionavam como o alicerce do negócio há mais de um século. As ideias de produtos não convencionais precisavam ser colocadas em segundo plano, porque não se encaixavam no modelo de negócios da empresa ou porque exigiam recursos que não estavam disponíveis.
Na garagem da inovação, entretanto, essas ideias puderam ser rapidamente concretizadas e testadas, mantendo uma distância confortável do negócio principal da empresa. À medida que a garagem cria protótipos de novos produtos e serviços, a empresa os apresenta em exposições internacionais, nas quais as reações dos clientes são observadas. A exibição de protótipos para o público também ajudou a empresa a ganhar prestígio como inovadora, na posição de uma empresa que atraiu talento digital e levou outras a propor formas de combinar suas respectivas ofertas.
Escolha do método certo
Embora todas essas abordagens tenham conseguido acelerar a inovação em empresas tradicionais, obviamente cada uma delas se adapta melhor a determinadas situações do que outras (ver sidebar, “Quatro aceleradores de desenvolvimento de produtos: quando usá-los e o que é necessário”). Para empresas que disponham de pipelines robustos de ideias inovadoras, mas que ainda mantêm processos de desenvolvimento de produtos lentos ou desatualizados, os gêmeos digitais e os hackathons de VR podem funcionar como poderosos aceleradores - contanto que as empresas estejam dispostas a investir em novas capacidades técnicas. Os gêmeos digitais, em particular, exigem que as arquiteturas de dados sejam modernas, além de sofisticados sistemas operacionais para dispositivos de IoT, que permitam que as empresas capturem dados e enviem atualizações para produtos que estão no campo. Os Hackatons de VR impõem menos demandas tecnológicas, mas também funcionam melhor quando as empresas já têm experiência no desenvolvimento de produtos de forma multifuncional e colaborativa.
Para empresas que precisam de novas ideias, outras abordagens podem ser adequadas. Os Pitch Nights podem ser uma solução mais convencional em alguns aspectos: normalmente grandes empresas reúnem ideias de empresas menores com maior tolerância ao risco. O Pitch Night funciona melhor para as empresas estabelecidas quando é considerado como o início de um programa de longo prazo de participação em ecossistemas de inovação, e não apenas um esforço pontual. A garagem de inovação é uma boa alternativa para empresas estabelecidas que estão lutando para ingressar em novos mercados ou mesmo para conceber produtos que possam atrair clientes não tradicionais. As garagens funcionam melhor quando as empresas dão grande liberdade à equipe criativa, desobrigando o pessoal de obedecer a requisitos operacionais e a premissas estratégicas que poderiam restringir a dinâmica do trabalho.
A inovação e a velocidade de colocação de produto no mercado demonstradas pelas empresas capacitadas digitalmente revelaram deficiências nas práticas de P&D de empresas mais convencionais. Agora, as empresas estabelecidas podem reagir a seus adversários digitais e até mesmo superá-los com a utilização de recursos avançados, tais como os quatro aceleradores de inovação que discutimos neste artigo. Aquelas empresas que explorarem esses recursos conseguirão alcançar o ritmo necessário de inovação para competir e triunfar na economia digital.