Uma das célebres frases certa vez dita por Jack Welch afirmava que “engenheiros que não agregam valor, operadores que não sabem fazer seus equipamentos funcionarem e contadores que não conseguem fazer os números baterem tornam-se profissionais de compras”. Exageros à parte, o legendário líder da GE estava refletindo sobre uma percepção comum – a função de compras não é muito mais do que um mal necessário nas empresas. Não surpreende, portanto, que muitas empresas invistam pouco na capacitação da equipe de compras, deixando o sourcing de fora dos processos de tomada de decisões estratégicas, privilegiando funções como manufatura e vendas, que alavancam as receitas.
Consequentemente, ao longo do tempo, um duplo efeito negativo se estabelece: os talentos mais promissores vão para funções mais “prestigiadas”, muitas vezes exacerbando o descompasso de capacitação quando surgem negociações mais difíceis. Na eventualidade de uma equipe de vendas do fortemente respaldada do fornecedor negociar com uma equipe de compras enfraquecida, o resultado, tal como em uma partida de futebol entre o Brasil e as Ilhas Fiji, será bastante previsível.
Todavia, em várias indústrias a compra de materiais e serviços pode responder por 60% e até 80% do custo total de um produto. Dessa forma, aquelas empresas que não investirem adequadamente no desenvolvimento das competências da sua equipe de compras estarão desperdiçando mais valor do que imaginam. As organizações que adotam as mais avançadas práticas de compras obtêm quase o dobro das margens daquelas empresas com departamentos de compras abaixo da média (20,2% versus 10,9%, respectivamente). Dentre as dimensões que influenciam o sucesso de compras, capacitação e cultura estão 1,5 a 2,2 vezes mais relacionadas com o desempenho financeiro de uma empresa do que outras dimensões que estudamos (Quadro).
Desenvolvemos uma abordagem que enfatiza a velocidade e a escala para desenvolver e institucionalizar capacitações de modo que o desempenho melhore rapidamente e continue se aprimorando no longo prazo. Ao aplicá-la em compras, essa abordagem ajuda a delinear o perfil da função e oferece aos profissionais de compras de alto desempenho mais oportunidades de desenvolvimento de liderança e exposição à alta gerência. Na nossa experiência, as empresas que implementam este programa são capazes de atrair e reter melhores talentos de compras, capturando impacto financeiro com mais rapidez e de forma mais sustentável. Este artigo discute como a abordagem melhorou o desempenho de organizações de compras fazendo com que muitas delas conseguissem realizar seus objetivos.
Identificar e desenvolver capacidades
Para que uma organização possa transformar a função de compras em um ativo estratégico de alto desempenho, ela deve, em primeiro lugar, identificar as capacidades específicas que irão criar mais valor. Embora variem de empresa para empresa, é provável que elas incluirão habilidades técnicas, tais como a capacidade de fazer a engenharia reversa da estrutura de custos de um fornecedor de forma precisa ou, por exemplo, conduzir uma análise de mercado abrangente capaz de gerar insights que resultem em vantagem competitiva. Capacidades de liderança – tais como a habilidade de lidar com diferentes interesses multifuncionais e complexos, gerenciar trade-offs necessários para atender necessidades de concorrência, e identificar alternativas com perspicácia e tato –, também podem ser importantes.
Uma empresa pode identificar quais capacidades têm mais potencial de contribuir para o seu desempenho por meio de uma avaliação bottom-up de suas capacidades técnicas e de liderança, para depois compará-las com benchmarks relevantes. Em uma empresa química líder, por exemplo, esse tipo de avaliação revelou a necessidade de melhorar sua análise should cost (ou seja, o modelo clean sheet), bem como sua liderança multifuncional. Para tanto, a empresa criou um programa de capacitação customizado para desenvolver habilidades específicas. Após um ano, ela já estava reunindo equipes multifuncionais de sourcing e aplicando negociações baseadas em clean sheet para capturar economias que variavam de 10% a 20% em várias categorias.
Além de capacitar os funcionários, uma organização deve incorporar as capacitações aos processos, sistemas e ferramentas. Por exemplo, após concluir a fase inicial de capacitação dos indivíduos, uma empresa líder da indústria de base partiu para o próximo passo. O esforço incluiu a implementação de uma estrutura organizacional aprimorada a fim de enfatizar as prioridades que criavam valor: as atividades transacionais, como processamento de ordens de compra, foram separadas em termos organizacionais das atividades estratégicas, como a gestão de categorias. Foram instituídas ferramentas de coleta de dados e processos claros para apoiar um tipo de gestão de categorias mais voltada à estratégia. Além disso, a empresa trabalhou para assegurar que as pessoas certas estavam alocadas nos cargos certos. Finalmente, foram implementados sistemas de gestão de performance para mensurar e fornecer incentivos a economias derivadas do custo total de propriedade (TCO) e da melhoria contínua.
Alavancar o trabalho e princípios de aprendizado para adultos
Segundo nossa pesquisa, o método tradicional de fornecer treinamento corporativo por meio de sessões de sala de aula pouco frequentes é uma das formas menos eficazes de capacitar as pessoas. Adultos costumam reter novas habilidades com mais sucesso quando o aprendizado ocorre através de intervenções mais curtas e mais frequentes, nas quais o conteúdo é apresentado “na hora certa”. Isso significa que, quando o treinamento está vinculado ao trabalho real e a atividades específicas que a pessoa precisa realizar no seu dia a dia, ela tem a oportunidade de colocá-lo em prática imediatamente, uma vez que as novas habilidades afetam suas responsabilidades cotidianas. Ao longo do tempo, as novas habilidades vão somando-se umas às outras, construindo um conjunto completo de capacidades aprimoradas.
Uma das formas mais eficazes de atuar em relação aos princípios de aprendizagem de adultos e escalonar as capacidades rapidamente é a abordagem conhecida como “train the trainer” (formação de treinadores). Nessa técnica, um pequeno número de agentes altamente qualificados e motivados passam por um programa estruturado, teórico e prático, que abrange capacitações técnicas e de liderança. Ao participar do programa, os agentes reconhecem que deverão transferir aos colegas suas capacidades recém adquiridas, atuando como mentores para um grupo de funcionários de compras que estejam passando por um processo real de sourcing de categorias. Esses funcionários, por sua vez, após receberem treinamento, serão convertidos em mentores e coaches. Tal abordagem, que combina coaching e treinamento prático (on-the-job), cria um mecanismo organizacional de talentos capaz de escalonar as novas capacidades de forma rápida e dinâmica.
A empresa química global mencionada anteriormente seguiu essa abordagem no seu programa de transformação de compras. Os líderes de compras da empresa identificaram um conjunto de pessoas que seriam os treinadores, os quais estavam 100% dedicados a alavancar a transformação na organização. A cada semana, os treinadores recebiam sete horas de treinamento técnico e de liderança e, paralelamente, cada um deles liderava de maneira conjunta uma equipe multifuncional de sourcing de categorias. Durante 16 semanas, os treinadores lideraram suas equipes ao longo de todo o processo de sourcing, ao mesmo tempo em que recebiam coaching, mentoring e treinamento contínuos de seus respectivos líderes. Ao final desse período, os treinadores foram unânimes em declarar que a experiência representava o momento mais transformador de suas carreiras, tanto em termos profissionais como pessoais, e que a oportunidade lhes havia ajudado a melhorar suas próprias habilidades e mentalidades, além de influenciar as atitudes e capacidades de seus colegas. Os treinadores continuaram capacitando outros profissionais de forma independente e se tornaram líderes altamente respeitados dentro da organização. Muitos tiveram suas realizações reconhecidas pelos diretores da empresa.
Ganhar escala e institucionalizar
Após a primeira fase de capacitação individual e institucional, a empresa deve concentrar-se em ganhar escala a nova forma de fazer negócios em toda a organização, de modo que ela se torne sustentável ao longo do tempo. Por exemplo, na empresa da indústria de base mencionada anteriormente, o ganho de escala foi realizado ao estabelecer, em primeiro lugar, uma meta rigorosa de reduções de custos de 7% em toda a base de gastos de terceiros, juntamente com a criação de um plano de ação claro para alcançar tal nível de economia em um prazo de dois anos. O plano envolveu uma sequência de esforços de sourcing de categorias com equipes designadas e um centro de excelência com os principais treinadores e líderes para fornecer às equipes de categorias as capacitações e o conhecimento necessários. Um mecanismo robusto reportava os resultados para toda a organização no intuito de gerar motivação e credibilidade nas reduções de custos. Dois anos mais tarde, a organização está no caminho certo para alcançar o que muitos acreditavam ser uma meta quase impossível.
A última peça importante de um esforço de capacitação está relacionada à questão da cultura: criar um ambiente no qual os profissionais de compras se sintam orgulhosos de criar valor para a empresa e terem a confiança necessária para assumir a liderança na hora de identificar e entregar novas fontes de valor. Essa mudança cultural é a pedra fundamental de uma transformação sustentável na organização de compras. E as empresas podem incentivar essa mudança ao criarem modelos de cargos seniores com alta visibilidade, cujas ações sejam representativas da nova cultura. Empresas com essas características podem fazê-lo de distintas formas, por exemplo, instituindo conselhos de compras conjuntos com a responsabilidade pela colaboração multifuncional, fazendo uso de fóruns adequados para divulgar casos de sucesso em toda a organização a fim de gerar entusiasmo. Igualmente importante será manter a mensuração cuidadosa dos comportamentos e mentalidades dos funcionários (usando pesquisas e focus groups, por exemplo) e fazer as devidas intervenções direcionadas para abordar os desafios.
Por exemplo, em uma empresa química global predominava uma mentalidade de “vítima” na função de compras. Os profissionais da área se sentiam desnorteados e desmotivados pelo ambiente no qual as principais decisões de sourcing eram quase sempre tomadas sem o seu envolvimento. Para mudar essa atitude, a empresa assegurou o envolvimento da liderança sênior no redesenho da organização de compras, com o desenvolvimento e a institucionalização de um processo formal de sourcing e a implementação de novas bases de dados e ferramentas. Os executivos passaram a participar das reuniões semanais e encontros periódicos com os stakeholders para tratar as questões à medida que surgiam. A empresa também fez um esforço significativo para comunicar exemplos bem-sucedidos do projeto a toda a organização. Dezoito meses após o lançamento, a transformação de compras estava no rumo certo para superar metas de economias agressivas em várias categorias. A transformação foi reconhecida como um dos esforços mais significativos que a empresa jamais implementou, não apenas pelo impacto nos resultados, mas também porque o projeto mudou radicalmente a forma como a organização funcionava.
Empresas que investiram no desenvolvimento de capacidades de compras de nível internacional desfrutam de margens quase duas vezes maiores do que aquelas que não o fizeram. Ao identificar as capacidades que permitirão aumentar o valor, desenvolvendo-as em situações reais de trabalho, aplicando os princípios de aprendizagem de adultos para, então, institucionalizá-las, uma empresa poderá criar melhorias sustentáveis no seu desempenho que se refletirão nos resultados.