Considerando todo o esforço que as empresas dedicam à melhoria do desempenho de suas supply chains, há um número relativamente pequeno delas que conseguiu capturar todo o potencial das tecnologias digitais. Um estudo recente da McKinsey mostrou que a supply chain média possui um nível de digitalização de 43% - o mais baixo dentre as cinco áreas de negócio analisadas. Somente 2% dos executivos pesquisados declarou ter a supply chain como foco de suas estratégias digitais. Será que suas prioridades estão erradas? Talvez. A mesma pesquisa da McKinsey sugere que , na média, empresas que digitalizam agressivamente suas supply chains podem esperar ter um aumento de 3,2% no crescimento de seus rendimentos anuais antes de descontados os impostos – o maior crescimento decorrente da digitalização dentre todas as outras áreas de negócio –, bem como um crescimento de 2,3% na receita anual.1
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Nossa experiência mostra que a maior parte da disparidade entre ganhos potenciais e reais decorrentes da digitalização de supply chain pode ser explicada por lacunas tecnológicas e escolhas dos gestores. Lacunas tecnológicas ocorrem porque os avanços em tecnologias de supply chain se tornaram mais escassos após um boom inicial de inovações. Isso resultou em tecnologias que permitiram às empresas agilizar suas atividades de rotina, expandir suas habilidades em sistemas específicos e ampliar suas práticas analíticas. Mas, apesar de valiosas, essas tecnologias não foram capazes de exercer funções sofisticadas que transformariam a gestão de supply chain. Levou tempo para que as inovações tecnológicas se acumulassem e fossem combinadas para formarem novas ofertas. Hoje, com a disponibilidade de soluções digitais mais apropriadas, as empresas podem fazer melhorias mais expressivas no desempenho de supply chain.
No entanto, para muitas empresas têm sido surpreendentemente difícil capturar essa oportunidade. Um erro comum é desconsiderar as mudanças operacionais necessárias para permitir que a empresa aproveite por completo as tecnologias digitais. Uma grande empresa de seguros de saúde realizou um upgrade no seu sistema de planejamento de recursos (ERP – enterprise-resource-planning), com o objetivo de reverter uma queda nos níveis de serviço de supply chain. Apesar disso, seus níveis de serviço continuaram a cair, até que a empresa retrabalhou alguns de seus processos, como previsão de demanda. Solucionar problemas em operações sem realizar melhorias complementares em tecnologia pode também ser problemático. Em uma grande empresa de bens de consumo, o serviço de supply chain melhorou rapidamente depois de uma série de mudanças operacionais; no entanto, ele logo voltou ao seu nível original porque as tecnologias necessárias para dar suporte às novas operações não tinham sido implementadas.
A abordagem correta para digitalizar supply chains integra tecnologias de ponta apropriadas às operações remodeladas. Muitos gestores estão familiarizados com a abordagem básica de transformação: estabelecer uma visão para a futura supply chain, avaliar o estado atual da supply chain e desenvolver um plano de transformação. Em uma transformação digital, esta abordagem tem algumas características novas. A visão precisará ter uma combinação de melhorias ‘óbvias’ com outras mais especulativas que possam ser buscadas ao longo do tempo. A avaliação precisa considerar se as tecnologias e as operações estão suficientemente integradas e se a empresa possui uma estratégia de talentos e uma estrutura organizacional que favorecerão a inovação e a melhoria contínua. Além disso, o plano de transformação deverá ter prazos estreitos, dada a facilidade com que se pode escalar as mais novas tecnologias digitais. Neste artigo, trazemos a CEOs e executivos seniores mais detalhes sobre cada etapa, com exemplos mostrando como transformações digitais funcionam na prática.
Como as habilidades e as tecnologias de supply chain evoluíram
O baixo nível de digitalização de supply chain está muito relacionado às capacidades tecnológicas que as empresas tiveram à sua disposição nos últimos tempos. Gestão de supply chain foi uma das primeiras funções de negócio a receberem grandes upgrades em tecnologia, com desenvolvedores criando aplicativos para aproveitar os dados gerados por sistemas de ERP. Estes aplicativos enfocavam principalmente melhorias em três áreas: agilização das atividades transacionais, como aquelas envolvendo planejamento de todo o processo; apoio a grandes operações, como gestão de armazenamento; e melhoria das análises que serviam de base para a tomada de decisão.
O que essas tecnologias ainda não forneciam, porém, eram habilidades transformacionais para a gestão de supply chain: combinação e ligação de dados multifuncionais (por exemplo, inventário, remessas e cronogramas) de fontes internas e externas; descoberta da origem de problemas de desempenho via análises concomitantes de sistemas como ERP, gestão de armazenagem, planejamento antecipado e outros; ou precisão de demanda e desempenho por meio de análises avançadas, de forma a permitir maior precisão no planejamento e a antecipação e a prevenção de problemas.
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Hoje, um ecossistema cada vez maior de distribuidores e provedores de serviços de tecnologia oferecem soluções digitais que atendem a essas necessidades de gestão de supply chain. Ferramentas analíticas poderosas e fáceis de usar tornam possível compilar grandes volumes de dados desestruturados, extraindo deles insights bastante úteis. Aplicativos de inteligência artificial podem detectar problemas de desempenho automaticamente, indicando suas causas-raiz, e até mesmo prever reduções e recomendar aos gestores medidas corretivas. Grandes decisões podem ser colocadas em ação mais rapidamente, com sistemas que transmitem ajustes entre funções – por exemplo, do planejamento de vendas e operações (S&OP) para outras áreas – e do nível executivo para gestores de unidades de negócios ou locais específicos.
Em outras palavras, as últimas tecnologias digitais possibilitam às empresas transformar por completo a forma de operação de suas supply chains. No nível corporativo, a transformação digital significa o uso de análises, inteligência artificial, robótica, internet das coisas e outras tecnologias avançadas para coletar e processar informações automaticamente, tanto para dar suporte à tomada de decisão e a outras atividades como para automatizá-las totalmente. Uma transformação digital de supply chain, portanto, diz respeito a criar uma visão de como aplicativos digitais podem melhorar os níveis de serviço, custo, agilidade e inventário, implementando consistentemente mudanças organizacionais e de processos que utilizam estas tecnologias para estimular a excelência operacional.
Um exemplo de uma empresa de produtos industriais de alta tecnologia ilustra bem a possibilidade de transformação. A empresa havia completado um grande esforço – que durou vários anos – para integrar seus processos de supply chain com a implementação de um novo sistema de ERP. Como parte deste esforço, ela estabeleceu fluxos de dados provenientes de fontes dentro da própria organização e de diversos pontos de sua rede de fornecedores. Ainda assim, a empresa sofria para monitorar as atividades de todas as partes de sua supply chain e diagnosticar problemas sistêmicos que afetavam seu desempenho. O problema era que a empresa não havia operacionalizado a ligação entre conjuntos de dados relacionados de forma que pudessem gerar insights importantes: por exemplo, apontar que atrasos no estágio de fabricação de componentes possivelmente retardariam a entrega dos pedidos de alguns clientes.
A empresa escolheu alimentar um mesmo processador com todos os dados coletados, onde os dados de diferentes fontes poderiam ser conectados para mostrar como atividades e decisões em uma parte da supply chain poderiam influenciar operações em outras partes. Algumas semanas depois de implementar o processador de dados, a organização descobriu vários problemas sistêmicos – tais como tempos de processamento e entrega desencontrados e pedidos de compras atrasados, o que impedia que os fornecedores tivessem indicadores confiáveis da demanda futura. Desde sua implementação, o processador de dados permitiu que a empresa reduzisse seu inventário em 20% e melhorasse a produtividade de seus planejadores de 20% a 30%.
A experiência dessa empresa com análises ilustra outra vantagem das tecnologias digitais mais modernas: elas são mais fáceis de serem instaladas e usadas do que as versões anteriores. Ofertas em nuvem, por exemplo, podem ser facilmente testadas por meio de um piloto, para então ser implantadas com rapidez por toda a organização. Muitas novas tecnologias também são simples de serem integradas com sistemas já existentes. Há pacotes de software padrão de S&OP, por exemplo, que podem ser conectados a sistemas ERP utilizando-se interfaces de programação de aplicação padrão (APIs).
Melhorar o desempenho de supply chain não é só uma questão de comprar e instalar novos sistemas ou software. A gestão de supply chain é um projeto colaborativo. A maior parte dos esforços para melhorar o desempenho de supply chain precisa envolver mudanças na forma pela qual funcionários e equipes compartilham informações, consideram problemas e oportunidades, tomam decisões e implementam ações com as quais concordam.
O diferencial das tecnologias digitais mais modernas está em sua capacidade de integrar melhores formas de colaboração aos processos de uma empresa e evitar que ela retorne a seus métodos anteriores, menos eficazes. Criar um plano equilibrado de oferta e demanda, por exemplo, exige inputs de diversas funções de negócio. Sem tecnologia digital, estas funções de negócio provavelmente submeteriam informações à equipe de S&OP e deixariam que ela resolvesse os conflitos que surgissem. As plataformas digitais de S&OP de última geração vêm com um processo de planejamento padrão que força todas as funções de negócio a contribuírem com o exercício de planejamento de forma coordenada. Ao se prepararem para transformar suas supply chains com tecnologias digitais, as empresas devem definir as capacidades técnicas e de negócio que desejam e planejar para desenvolvê-las em conjunto.
Como planejar a transformacão digital eficaz de uma supply chain
Uma transformação efetiva depende de um conceito criativo e moderno para a futura supply chain. Isso significa refletir sobre as perspectivas da empresa, considerando as pressões e as tendências que influenciam sua situação competitiva, bem como as mudanças nas expectativas de seus clientes. Em última instância, a visão de supply chain deve estar alinhada com os objetivos estratégicos da empresa. Embora sempre tenha existido a necessidade de tal alinhamento, a novidade é que tanto os objetivos estratégicos como a visão hoje devem levar em consideração as pressões e as oportunidades que as empresas têm em uma economia cada vez mais digital.
Supply Chain 4.0 in consumer goods
Um varejista, por exemplo, pode definir sua visão de supply chain com relação à sua meta de ampliar as experiências dos consumidores em múltiplos canais: “Proporcionaremos aos clientes soluções gratificantes e integradas de sua primeira visita à loja ou ao canal digital até o momento em que receberem exatamente o que pediram e no prazo prometido”. Uma empresa farmacêutica, por outro lado, pode definir sua visão de supply chain como sendo um instrumento para ajudá-la a se adaptar às restrições financeiras dos provedores de serviços de saúde: “Possibilitaremos a nossos clientes economizar recursos ao estabelecer uma supply chain com o menor custo possível do setor e proporcionaremos a eles experiências que tornarão suas operações mais eficientes”.
Depois de ter definido uma visão para sua supply chain, a empresa deve articular esta visão em termos de capacidades técnicas e de negócio. Tais capacidades podem incluir:
- Tomada de decisão mais adequada. Sistemas de inteligência artificial podem dar aos gestores de supply chain recomendações sobre como lidar com situações específicas, tais como mudanças no cronograma e no planejamento de materiais, em resposta a novos pedidos de clientes.
- Automação. Operações automatizadas podem agilizar o trabalho de profissionais de supply chain e permitir que eles se concentrem em tarefas de maior valor. Por exemplo, soluções digitais podem ser configuradas para processar informações em tempo real automaticamente (como gestão de fluxo de trabalho e preparação S&OP automatizada), eliminando assim o esforço manual de coleta, seleção e alimentação de dados.
- Engajamento do consumidor em todo o processo. A tecnologia digital pode melhorar as experiências do consumidor ao dar maior controle aos gestores de supply chain, proporcionando aos clientes uma transparência até então inexistente – por exemplo, sistemas de detecção e monitoração (track-and-trace systems) que enviam informações atualizadas sobre os pedidos durante todo o processo.
- Inovação. Uma supply chain digital pode ajudar uma empresa a fortalecer seu modelo de negócios (por exemplo, ao expandir para novos segmentos de mercado) e colaborar de forma mais eficiente tanto com clientes como com fornecedores (por exemplo, ao basear decisões de S&OP em informações que são automaticamente retiradas dos sistemas ERP de clientes).
- Talento. Supply chains digitais exige talentos que podem ser bem diferentes daqueles necessários para supply chains convencionais. Pelo menos alguns gestores de supply chain terão de ser capazes de traduzir suas necessidades de negócio em aplicações digitais relevantes.
Objetivos de desempenho completam a visão de uma empresa para sua supply chain transformada. Definir objetivos de desempenho exige que a empresa avalie seu desempenho presente para então determinar melhorias possíveis de serem alcançadas. Podem ser definidas metas em termos de agilidade, serviço, capital e medidas de custo (Quadro 1). Uma empresa que tenha por objetivo reduzir a perda de vendas em um percentual específico, por exemplo, precisará ter objetivos correspondentes para o desempenho de sua supply chain—como a melhoria da velocidade e da confiabilidade das remessas a seus clientes.
Como avaliar a supply chain
A visão para a supply chain dá à empresa pontos de referência para a segunda etapa do planejamento da transformação: uma avaliação completa das capacidades técnicas e de negócio da supply chain. Para simplificar esta avaliação, as empresas podem colocar as seguintes questões para descobrir quais as lacunas de habilidade em cinco categorias transversais:
- Dados. Coletamos e geramos todos os dados de que precisamos para implementar nossa visão? Esses dados são armazenados de forma a torná-los acessíveis e fáceis de usar?
- Análises. Temos as capacidades analíticas necessárias para extrair insights úteis dos dados que coletamos?
- Hardware e software. Nossos sistemas de hardware e software permitem a execução das análises e dos processos que a empresa necessita?
- Talento. Atraímos, desenvolvemos e retemos os talentos ‘nativos digitais’ necessários para operar e transformar nossa supply chain? Nossa cultura e nosso modelo organizacional estimulam a experimentação, a inovação e a melhoria contínua?
- Processos. Temos os processos corretos nas diferentes sub-funções de supply chain? Esses processos são claramente definidos e bem compreendidos por todos os envolvidos?
Os métodos tradicionais de condução de avaliações de supply chain baseiam-se fortemente em entrevistas e pesquisas com funcionários e parceiros de negócios, além de análises manuais de dados. Com as tecnologias digitais, as empresas podem realizar avaliações mais aprofundadas e que geram mais insights. Aplicativos de análises padronizados podem ser usados para compreender grandes conjuntos de dados transacionais detalhados e extrair insights que são mais confiáveis do que aqueles baseados em amostras de dados. Por exemplo, uma empresa pode estudar dados sobre pedidos referentes a vários anos para entender as tendências que afetam os níveis de serviços, e isso só levaria algumas horas. Estes esforços analíticos iniciais também podem trazer benefícios que vão além da fase de avaliação. As empresas podem deixar instalados os aplicativos utilizados para suas avaliações e continuar a empregá-los como ferramentas de diagnóstico fáceis de usar para monitorar continuamente o desempenho.
Como criar um plano de transformação
A última etapa do planejamento da transformação de uma supply chain diz respeito ao desenvolvimento de um plano que abranja vários anos à frente. Isso significa identificar as melhorias operacionais e as soluções digitais a serem desenvolvidas a partir das capacidades existentes da empresa para concretizar as habilidades descritas na visão. Análises da causa-raiz são essenciais para identificar mudanças em potencial, uma vez que elas expõem os problemas que estão por trás das quedas no desempenho.
Depois de ter sido estabelecida uma lista de possíveis mudanças, a empresa deverá priorizá-las. O método tradicional de priorização, que pesa o valor esperado resultante da mudança versus a facilidade de implementação, ainda é eficaz. No entanto, também é preciso atualizá-lo para levar em consideração as complexidades das transformações digitais. O valor continua sendo relativamente fácil de quantificar em termos de agilidade, serviço, custo e capital, mas é mais difícil avaliar a facilidade de implementar mudanças, em parte porque a tecnologia está sempre sendo aperfeiçoada. Assim, o que não é prático hoje pode se tornar prático em um ano. A maior parte das empresas pode se beneficiar de executar mudanças da categoria ‘sem arrependimentos’, que trazem grande valor e poucas barreiras à sua implementação, enquanto se preparam para realizar outras mudanças que trazem um maior grau de incertezas (Quadro 2).
Depois que a empresa já priorizou suas mudanças em potencial, ela pode organizá-las em um plano de implementação para os próximos anos. Com o avanço dos projetos do segmento ‘sem arrependimentos’, a empresa pode passar a fazer mudanças em outras áreas, como de talento e processos, o que a deixará preparada para os futuros esforços de transformação digital (ver barra lateral, “Como a transformação digital de uma supply chain se desenvolveu”).
Os avanços em tecnologia digital permitem que as empresas melhorem rapidamente o desempenho de suas supply chains a um custo relativamente baixo. A atratividade destas tecnologias levou algumas empresas a desenvolverem projetos de implementação de forma apressada, gerando resultados desapontadores. Nossa experiência mostra que as empresas obtêm benefícios maiores quando desenvolvem uma visão abrangente para o futuro de suas supply chains, realizam uma avaliação disciplinada do desempenho existente e estabelecem um plano de transformação de longo prazo. Elas também devem reconhecer que as transformações de supply chain devem ser estendidas tanto à tecnologia como às operações. Empresas que empregam tais abordagens às transformações de supply chains têm mais chance de capturar todo o valor que a tecnologia digital oferece.