Os abalos secundários da pandemia de COVID-19 continuam sacudindo a economia global. Após os fechamentos de 2020 e as dificuldades enfrentadas pelas cadeias de suprimento em 2021, outra onda de disrupções está se abatendo agora sobre empresas do mundo todo: o aumento dos preços dos insumos.
Onde quer que você olhe, os preços de materiais, produtos e serviços essenciais estão subindo a taxas não observadas há uma década ou mais. O índice da Bolsa de Metais de Londres que reúne seis dos principais metais industriais dobrou desde o meio da pandemia, atingindo um pico registrado pela última vez em 2011. Na Europa, o preço spot do gás natural terminou 2021 mais de 12 vezes acima de seu nível pré-pandemia. No período que antecedeu os feriados de fim de ano, as taxas de frete de contêineres marítimos estavam sete vezes maiores do que em 2019.
Os consumidores já estão sentindo o impacto dessa elevação dos preços. O índice de preços ao consumidor dos EUA subiu 7,5% entre janeiro de 2021 e janeiro de 2022. Na Alemanha e no Reino Unido, essas cifras foram 4,9% e 5,4%, respectivamente. Isso sem mencionar a pressão por aumentos salariais. Os custos trabalhistas do setor privado dos Estados Unidos aumentaram 4,4% no ano passado. No setor de lazer e hospitalidade, onde a escassez de pessoal tem sido particularmente aguda, os custos trabalhistas subiram 8%. Bancos centrais de todo o mundo estão colocando em ação planos para manter a inflação potencial sob controle. Em dezembro, por exemplo, o Federal Reserve, banco central dos EUA, disse que encerraria sua política de compras de títulos e elevaria as taxas de juros em até três vezes durante 2022.
Não é de admirar que os preços também tenham ganhado importância na pauta da alta administração. Em outubro de 2021, uma pesquisa regular da McKinsey com líderes empresariais seniores mostrou que a inflação havia se juntado à disrupção das cadeias de suprimentos como um dos maiores riscos percebidos ao crescimento, superando a COVID-19 pela primeira vez desde o início da pandemia (Quadro 1).
Quais são as causas?
Por que os preços estão disparando? Assim como para a maioria das coisas importantes, não há uma resposta simples. A recuperação da demanda é um fator óbvio. Após meses de atividade suprimida durante a pandemia, empresas e consumidores vêm correndo atrás do tempo perdido no ano passado. A restrição da oferta é outro. Muitos setores agiram rapidamente para reduzir a produção e cancelar pedidos a fornecedores logo no início da crise. A produção de automóveis na Europa caiu mais de 23% em 2020, por exemplo. No entanto, essa ação deixou as empresas sem produtos acabados e componentes críticos no começo da recuperação. Nos primeiros nove meses de 2021, as vendas de automóveis na Europa se recuperaram, tendo crescido 8%, mas a produção aumentou apenas 3,1%.
Outros analistas receiam que haja simplesmente dinheiro demais perseguindo bens e serviços de menos. As medidas de apoio do governo levaram a oferta de moeda das principais economias a uma máxima histórica. Nos Estados Unidos, por exemplo, a medida M2 da oferta de moeda subiu mais de 27% no ano até fevereiro de 2021 – um aumento recorde.
E há também os “acontecimentos”. Em março do ano passado, o navio de contêineres Ever Given, de 400 metros, ficou encravado entre as margens do Canal de Suez, bloqueando uma das principais rotas de navegação do mundo por seis dias e agravando as muitas dificuldades já enfrentadas pelo setor marítimo. Na Europa, neste inverno, o preço da energia bateu recordes, impulsionado pela tensão geopolítica e pelo desvio de cargas de gás natural liquefeito para clientes da Ásia e da América Latina.
A interação de fatores macro e micro está afetando diferentes categorias de bens e serviços de diferentes maneiras. Isso significa que o quadro do aumento dos preços nos diversos setores e economias é extremamente variegado. No setor agrícola, o preço do milho e o do trigo aumentaram 44,1% e 31,3%, respectivamente, no ano passado. O preço da carne e o dos laticínios subiram bem mais lentamente – 12,7% e 16,9%, respectivamente –, enquanto o do arroz caiu 4%.
A geografia também tem sua importância, sobretudo no que diz respeito a produtos cujo transporte entre regiões é caro ou difícil. Enquanto os setores europeus que são grandes consumidores de energia se debatem com custos sem precedentes, o preço do gás natural nos Estados Unidos continua no mesmo nível em que esteve na última década, por exemplo.
Quando é que isso vai acabar?
No nível macroeconômico, as autoridades estão divididas entre as que acreditam que os preços altos de hoje são transitórios e as que preveem um período inflacionário mais prolongado, acelerado por uma espiral salarial que pode aumentar os custos mesmo para as empresas (muitas vezes do setor de serviços) que até agora escaparam do impacto dos preços mais altos dos bens. Os bancos centrais vêm reagindo ao desafio em ritmos diferentes: alguns estão aumentando a taxa de juros e reduzindo as compras de títulos da era da pandemia, enquanto outros estão mantendo suas políticas.
Ademais, a complexa combinação de fatores que vem levando os preços a subir de maneiras variadas e inesperadas também torna extremamente difícil prever as tendências futuras de materiais, produtos ou serviços específicos. Em algumas categorias, a principal questão dos compradores, hoje, é quando a estabilidade dos preços e a disponibilidade voltarão aos níveis “normais”. Isso é provavelmente válido para o setor de semicondutores, no qual os preços sempre foram altamente cíclicos e o aumento da capacidade de produção requer investimentos multibilionários em novas fábricas.
Em outros, pressões adicionais podem continuar pressionando os preços para cima. Por exemplo, devido ao processo de abandono dos combustíveis fósseis, talvez os preços da energia no novo normal permaneçam mais altos por décadas. Isso também mudará a dinâmica do mercado com relação a uma série de materiais necessários para baterias, motores elétricos e equipamentos de geração de energia renovável.
Por que as ferramentas antigas não são suficientes
Essa incerteza está criando condições extremamente desafiadoras para as organizações e expondo os limites das duas reações convencionais ao aumento dos custos: a precificação e a estratégia de procurement. A precificação não está sendo uma solução porque, mesmo que os contratos permitam e os clientes possam e estejam dispostos a pagar mais, esses aumentos nem sempre cobrem todos os custos adicionais dos insumos. O resultado são margens mais estreitas, volumes de vendas mais baixos ou ambos.
No setor automotivo, por exemplo, os fornecedores com contratos indexados ao custo das matérias-primas de seus produtos estão negociando preços mais altos com as montadoras clientes. Porém, as montadoras talvez não consigam repassar esses custos mais elevados a seus consumidores finais. Por estarem enfrentando custos crescentes em outras áreas, os compradores de carros podem não ter muita escolha a não ser escolher modelos menores, mais simples – e, para as montadoras, menos lucrativos – ou simplesmente adiar a compra.
Os custos altos podem ameaçar a viabilidade de ramos inteiros, pressionados pelo aumento dos custos do atacado, por estratégias de hedge insuficientes ou ineficazes e, em alguns casos, também por pressões regulatórias. E, embora os governos venham intervindo ocasionalmente em socorro de setores considerados críticos, essa opção não é realista para a maioria das empresas.
Por outro lado, os departamentos de procurement podem fazer muito em termos de reagir ao aumento dos preços, mas há limites ao que são capazes de fazer por si sós. As abordagens convencionais de procurement incluem a busca de economias de escala por meio de acordos de compra por volume ou contratos de longo prazo nos quais os fornecedores aceitam margens mais baixas em troca de segurança com relação à demanda. Nas condições atuais, a primeira abordagem tem menos influência sobre os fornecedores que já enfrentam mais demanda do que são capazes de atender. E, caso os altos custos dos insumos sejam transitórios, a segunda abordagem envolve o risco de deixar o comprador em uma posição não competitiva quando os preços caírem. Além disso, a continuidade da escassez de peças e materiais críticos está pressionando as funções de procurement a priorizar a segurança do fornecimento em relação ao custo no curto a médio prazo.
O papel das operações de negócios
Acreditamos que as empresas podem repensar sua reação ao aumento dos custos. Elas devem ir além das alavancas comerciais convencionais e adotar um enfoque mais holístico, que aborde as oportunidades de controlar os custos e reduzir o impacto da volatilidade em todo o espectro de atividades da organização. Essa perspectiva abrangerá mudanças de longo alcance na maneira de os produtos serem desenhados e fabricados, bem como na estrutura da cadeia de valor de ponta a ponta.
As operações de negócios sofrem mais com o aumento dos custos porque é nelas que o dinheiro é gasto: em mão de obra, energia, materiais e serviços logísticos, por exemplo. Contudo, as operações também oferecem a oportunidade de mudar a exposição da empresa a esses custos. E decisões inteligentes sobre o modo pelo qual as cadeias de valor são desenhadas, construídas e administradas podem ter um impacto transformador na base de custos da organização.
Poucas das alavancas que apresentamos abaixo são novas, mas nossas conversas com executivos indicam que elas são bastante subutilizadas atualmente, por dois motivos principais. O primeiro é que fazê-las funcionar requer uma ação coordenada em toda a organização. Em segundo lugar, algumas das reações mais eficazes ao aumento e à volatilidade dos preços exigem mudanças estruturais nas cadeias de suprimentos, na pegada de produção e até no modelo de negócios como um todo, sendo que, na maioria das empresas, todos esses itens extrapolam as atribuições dos líderes operacionais. Como já discutimos antes, é por isso que as operações de negócios precisam estar no topo da pauta dos CEOs.
Manual de resiliência em termos de custos para as operações de negócios
Lidar com o impacto do aumento dos custos nas operações de negócios requer um portfólio de soluções. Para ajudar no desenho e na implementação dessa iniciativa, pode ser útil pensar em três “blocos” principais de atividade nos horizontes de curto, médio e longo prazo (Quadro 2).
Ações de curto prazo (próximo mês ou próximos dois meses)
O primeiro passo para qualquer organização é garantir que ela tenha um entendimento abrangente dos custos subjacentes reais dos produtos e serviços que compra. Uma grande empresa automotiva, por exemplo, criou um painel que acompanha a evolução dos preços das principais matérias-primas e de outros insumos da sua cadeia de suprimento. Utilizando dados de estudos de cleansheets e desmontagens de produtos, ela cria uma visão granular, componente por componente, do provável impacto do aumento dos preços nos custos reais dos fornecedores.
Os dados desses painéis ajudam as empresas a fazer negociações baseadas em fatos com seus fornecedores, protegendo-as de aumentos excessivos dos preços e garantindo que o impacto do aumento dos preços seja dividido de maneira justa entre os participantes da cadeia de suprimento. Os líderes também podem usar essas informações para embasar as decisões de precificação e a estratégia de procurement, garantir o fornecimento de itens críticos no curto prazo e identificar oportunidades de reduzir rapidamente os custos por meio de mudanças rápidas no desenho ou na especificação dos produtos.
Ações de médio prazo (próximos seis a 12 meses)
As empresas também podem dobrar a aposta nas iniciativas voltadas a manter os custos internos sob controle. Melhorar a eficiência, a qualidade e a produtividade nas operações de negócios permite às empresas gerar mais valor com os mesmos insumos de mão de obra, materiais e energia. Isso pode ser feito por meio de uma combinação de abordagens “analógicas”, como a metodologia lean, e digitais, como as tecnologias da Quarta Revolução Industrial.
As empresas da Rede Global de Faróis (Global Lighthouse Network) do Fórum Econômico Mundial continuam mostrando como as novas tecnologias são capazes de causar mudanças radicais nas operações de manufatura e das cadeias de suprimentos. Um fabricante de baterias e componentes para veículos elétricos, por exemplo, redesenhou todo o seu sistema de produção para tirar proveito dos avanços em IA e advanced analytics. Isso o ajudou a aumentar a produtividade dos funcionários em 75%, ao mesmo tempo que reduziu em 80% a ocorrência de defeitos de fabricação. Uma grande empresa de alta tecnologia mais do que quadruplicou a produtividade dos funcionários usando “luzes apagadas”, manufatura totalmente automatizada e operações de armazéns em instalações no Sudeste Asiático.
Os pioneiros da Quarta Revolução Industrial aprenderam que as capacidades humanas são fundamentais para o sucesso das novas tecnologias digitais. A título de exemplo, uma empresa global de bens de consumo criou uma academia digital para capacitar gerentes e líderes de equipes de linha de frente de todas as suas operações de negócios. No primeiro ano, a academia treinou mais de 150 pessoas em habilidades digitais, usando uma combinação de visitas de reconhecimento, campos de treinamento imersivos e módulos de aprendizagem eletrônica. Os egressos da academia implementaram cerca de 20 abordagens digitais, de automação e de analytics diferentes em nove unidades da rede de manufatura da empresa, aumentando a produtividade e o rendimento em mais de 20%. O treinamento em habilidades digitais está sendo levado a mais de 3 mil funcionários de toda a organização.
As empresas também podem tomar medidas coordenadas para proteger ainda mais a cadeia de valor mais ampla da volatilidade. No que tange aos insumos críticos, o sourcing de múltiplos fornecedores de diferentes regiões pode aumentar a resiliência das cadeias de suprimentos e a estabilidade dos preços. Redesenhar ou reformular produtos para reduzir a dependência de insumos escassos ou caros também ajuda. No setor de alimentos e bebidas, algumas empresas adaptaram suas receitas e seus sistemas de produção para poderem alternar entre diferentes combinações de ingredientes de acordo com seu preço relativo e sua disponibilidade.
Ações de prazo mais longo (próximos dois a três anos)
No longo prazo, as empresas talvez queiram buscar mudanças estruturais tanto em sua cadeia de valor quanto em seu modelo de negócios. Esse processo parte de uma reavaliação das decisões entre fazer ou comprar e entre comprar perto ou no exterior. O rápido aumento dos salários em algumas regiões historicamente de baixo custo já está levando a uma mudança do sourcing global para regiões emergentes mais novas. Algumas empresas vêm buscando reduzir o número de intermediários em suas cadeias de suprimentos, contornando distribuidores e fornecedores intermediários para comprar diretamente dos produtores originais de materiais ou componentes. Outras deixaram em suspenso planos de terceirizar partes adicionais de suas operações logísticas, preferindo se manter fiéis à estabilidade de preços e serviços oferecida por suas operações internas.
Além de mudar a estrutura de sua cadeia de valor, as empresas talvez queiram reavaliar sua posição dentro dela. Em alguns setores, isso pode envolver um retorno à integração vertical, à medida que fique mais difícil garantir um fornecimento confiável de insumos críticos. Há alguns anos, as empresas de alimentos e bebidas vêm fazendo investimentos estratégicos em produtores de ingredientes, por exemplo. Agora, as montadoras estão adotando a mesma abordagem, com investimentos em produtores primários de lítio e outros insumos essenciais para veículos elétricos. Dentro de seus planos de transição para emissão zero, fabricantes europeus de caminhões e equipamentos de construção estão fechando acordos de longo prazo com produtores de “aço verde”, fabricado usando hidrogênio de fontes renováveis em vez de combustíveis fósseis.
Navegar em meio à tempestade de preços
Coordenar essas iniciativas de curto, médio e longo prazo pode ser o maior desafio da reação de uma organização ao aumento ou à volatilidade dos custos. E, como as decisões tomadas em uma parte da cadeia de valor podem ter efeitos que se propagam por toda a empresa, uma gestão eficaz dos custos requer uma perspectiva verdadeiramente multifuncional.
Uma maneira de fazer isso é por meio do estabelecimento de uma “torre de controle dos custos das operações de negócios”. Essa torre de controle atua como um repositório central de dados de custos e expertise em análise e escreve o manual de estratégias de mitigação da organização.
A torre de controle também pode atuar como catalisadora da colaboração entre as funções. Ela deve ser composta por representantes seniores das funções comercial, financeira, de procurement, de manufatura e de cadeias de suprimentos, que trabalharão em conjunto para identificar, quantificar, priorizar e implementar as alavancas mais promissoras.
Ganhar de uma maneira ou de outra
Se a inflação persistir até o médio prazo, as empresas que adaptarem suas operações de negócios de forma rápida e decidida para reduzir sua exposição aos custos crescentes estarão na melhor posição possível para manter as margens e o crescimento.
Mas, e se a maior parte dos atuais aumentos acentuados de preços se mostrar transitória? Aqui está o verdadeiro poder da abordagem focada nas operações. Quase sem exceção, as alavancas que ajudam uma organização a reagir ao aumento dos custos também a equipam com as ferramentas e capacidades necessárias para prosperar quando os preços caírem. Os modelos de custos precisos, por exemplo, proporcionam às equipes de procurement as ferramentas necessárias para garantir que a organização obtenha sua justa parcela de economia junto aos fornecedores quando os custos de seus insumos caírem. E as operações digitais avançadas oferecem uma plataforma para a melhoria contínua dos custos, da qualidade e da flexibilidade, independentemente de mudanças no preço e na disponibilidade de mão de obra, energia ou outros insumos.