Há forças globais que vêm gerando a necessidade de as empresas promoverem uma evolução rápida de seus processos de gestão e modelos de negócios; no entanto, o ritmo das mudanças nas áreas corporativas, também chamadas de gerais e administrativas (G&A) – como as áreas de RH, TI, procurement, jurídica e financeira –, está defasado em relação ao ritmo da organização no sentido mais amplo. Depois de passarem anos focados em reduzir os custos e aumentar a eficiência, os líderes das áreas G&A estão tendo dificuldade para reagir com eficácia às novas demandas – dificuldade que se intensifica quando há problemas de coordenação entre as áreas, que retardam a tomada de decisões e obstruem a mobilização de recursos para os problemas mais urgentes que a empresa está enfrentando.
Em reação a essas pressões, um novo modelo operacional é necessário para as áreas G&A – um modelo que as ajude a reagir rapidamente a circunstâncias em rápida mudança e a explorar a promessa do digital, do analytics e das novas formas de trabalho.
Algumas organizações já iniciaram essas mudanças em áreas como a financeira, mas poucas se deram conta do potencial de uma adoção plena de formas ágeis de trabalhar em todas as suas áreas G&A.
Como é a metodologia ágil para as áreas G&A?
Para ganhar rapidez e flexibilidade, as áreas G&A devem fazer mudanças que eliminem os silos que tradicionalmente se formam entre os diferentes departamentos. A adoção de métodos ágeis pode destravar essas mudanças e melhorar a coordenação entre os departamentos, a centralidade do cliente e a tomada de decisões estratégicas. Os modelos operacionais ágeis também permitem que os líderes das áreas G&A realinhem os funcionários mais eficientemente em direção às maiores oportunidades de criação e proteção de valor em toda a empresa.
A metodologia ágil oferece uma variedade de abordagens que podem ser aplicadas aos diferentes perfis do trabalho realizado em todas as áreas corporativas. Trabalhos repetitivos e com resultados, medidas de desempenho e processos de ponta a ponta claros e bem definidos – como no caso de order-to-cash ou procure-to-pay – podem se beneficiar da criação de equipes autogeridas. Para trabalhos mais complexos, os líderes das áreas G&A podem aumentar a agilidade de sua organização adotando princípios de organização ágeis, como equipes multifuncionais e pools flow-to-work. Nesse modelo, os funcionários que atuam em silos organizacionais (como os generalistas de RH que atendem a uma única unidade de negócios) passam a fazer parte de um pool de funcionários comum que fornece recursos dinamicamente para atender às prioridades emergentes à medida que surgem em toda a empresa.
Os pools flow-to-work não reduzem a importância das funções estratégicas de parceria de negócios que permanecem dedicadas à área de negócios a que atendem – nem das funções focadas em dar o tipo de atendimento de rotina geralmente associado às áreas G&A (como geração de relatórios financeiros, administração das contratações ou compra de bens e serviços). Essas funções continuam sendo componentes críticos das áreas G&A ao oferecerem um serviço completo para a resolução de problemas, juntamente com atendimento estratégico a líderes de negócios (no caso de parceiros de negócios) ou atendimento cotidiano por meio de processos estáveis e altamente digitalizados, muitas vezes executados por pequenas equipes autogeridas que constituem a espinha dorsal da área G&A.
Conforme ilustrado no quadro, os funcionários organizados nesses pools ágeis e alinhados por áreas podem ser designados para solicitações de pequenos trabalhos que podem ser tratadas por uma única pessoa (talvez criando um novo tipo de relatório gerencial) ou para equipes multifuncionais, a fim de trabalharem em projetos prioritários mais complexos, que exijam uma gama diversificada de capacidades. Essa alocação de recursos deve ser revista regularmente para garantir que esteja sendo feito um progresso efetivo em direção aos resultados do projeto à medida que as prioridades da organização evoluam.
Ao usar esse modelo, as organizações podem se concentrar melhor nas maiores prioridades e liberar parte da capacidade parada que, de outra forma, pode ser perdida quando os recursos são alinhados a uma única parte da empresa.
Como as organizações podem levar a metodologia ágil às áreas G&A
A implementação bem-sucedida de um modelo de pools flow-to-work ágeis nas áreas G&A requer intervenções em quatro dimensões do trabalho: escopo, estrutura, processos e pessoas. O escopo do trabalho realizado pelas equipes ágeis precisa ser claro, pois nem todas as tarefas são adequadas para esse modelo; em geral, é necessário redefinir as maneiras de identificar, priorizar, atribuir e executar o trabalho; e o modo pelo qual as pessoas trabalharão no novo modelo pode exigir que elas adotem habilidades novas e mentalidades diferentes. O objetivo último é garantir que os funcionários certos, com as habilidades certas, sejam designados para os problemas de negócios mais urgentes.
Os aspectos mais relevantes do desenho ágil nas áreas G&A podem ser resumidos da maneira a seguir.
Definição do tipo de trabalho realizado pelas equipes ágeis das áreas G&A. As áreas G&A desempenham uma ampla gama de tarefas, desde a geração de relatórios financeiros e o atendimento de consultas de TI até a contratação e integração de funcionários. Algumas tarefas, como o processamento e pagamento de faturas de fornecedores, são mais bem feitas quando se segue um processo padrão; outras tarefas são atividades de governança e controle que requerem expertise específica, mas pouca coordenação com outras pessoas. Restam, então, algumas tarefas – particularmente projetos grandes e complexos ou solicitações inéditas, como contratar alguém para uma função nova que ainda não tem descrição – que exigem intensa coordenação entre muitos tipos de funcionários com diferentes capacidades e expertise. É nessa terceira categoria, a qual envolve trabalho em grande parte ad hoc, que os modelos ágeis se destacam.
Priorização dos problemas certos. Adaptar os mecanismos de identificação e priorização de problemas às cadências normais dos negócios é um fator crítico para compatibilizar os funcionários das áreas G&A com os trabalhos mais importantes. Uma empresa europeia de telecomunicações atingiu esse objetivo por meio de um processo de análise trimestral de negócios (QBR, na sigla em inglês de “quarterly business review”), no qual líderes de negócios seniores e executivos das áreas G&A se reuniam para discutir o progresso em relação aos planos de negócios, identificar ameaças e oportunidades e gerar uma lista de possíveis intervenções por meio de potenciais projetos de negócios. Esses projetos eram, então, classificados mediante um mecanismo de pontuação formal que abrangia requisitos de recursos, criticidade de negócios e impacto potencial e eram compatibilizados com a capacidade disponível de funcionários para executá-los. Por fim, indicadores-chave de desempenho eram estabelecidos e analisados nos ciclos subsequentes de QBR para garantir que cada projeto permanecesse no caminho certo.
Compatibilização da capacidade e das habilidades dos funcionários das áreas G&A para priorizar as demandas de negócios. Em muitas empresas, os gerentes têm apenas um entendimento limitado de quais habilidades seus funcionários têm e em que medida as têm. Uma solução é criar uma nova função de alocação de funcionários, responsável por identificar os perfis de habilidades necessários para as iniciativas priorizadas e depois designar os talentos mais compatíveis do pool ágil para os projetos com base na capacidade. No caso de não estarem disponíveis funcionários com as habilidades adequadas, a iniciativa seria transferida para uma lista de espera de projetos. Essa abordagem ajuda a equilibrar a oferta e a demanda, de modo que os recursos remanescentes possam cuidar de tarefas menores por ordem de prioridade.
Promoção do desenvolvimento de habilidades e da capacitação permanente. Os funcionários que atuam em pools ágeis costumam buscar uma trajetória de carreira dinâmica, que enfatize o crescimento contínuo e o desenvolvimento de habilidades. As organizações vêm abordando essa questão por meio da definição de um conjunto abrangente de competências e níveis de habilidade, o que permite que os funcionários identifiquem quais capacidades a organização valoriza e o que é necessário para comprovar que as dominam. O progresso na carreira é vinculado não ao avanço dentro de uma hierarquia, mas, sim, à demonstração de excelência em um conjunto específico de capacidades. Esse tipo de progresso é especialmente crítico para organizações planas, com poucos níveis hierárquicos, pois permite o crescimento na carreira mediante o aprofundamento das capacidades existentes e a abertura dos horizontes para adquirir novas capacidades.
Há implicações estruturais na manutenção de um bom equilíbrio entre designar funcionários rapidamente para projetos específicos e oferecer a eles uma base fixa para o desenvolvimento contínuo na carreira. Embora as organizações que submetam os conceitos de pool flow-to-work a um programa piloto possam inicialmente optar por manter as coisas simples, formando um único pool de funcionários, a criação de vários pools de recursos em torno de conjuntos de habilidades comuns gera oportunidades de criar conexões com colegas com afinidades, além de oportunidades de mentoria e coaching para ajudar no desenvolvimento de habilidades.
As lições das transformações bem-sucedidas de áreas G&A com o uso de modelos ágeis
As experiências de empresas que implantaram modelos ágeis com sucesso nas áreas G&A destacam várias lições importantes:
Alinhamento e convicção. É crucial que a equipe executiva, inclusive o CEO, esteja totalmente alinhada e adote essa mudança. Frequentemente, a definição das estruturas, dos processos e dos programas de gestão de mudanças é feita em silos. Em contraste, o flow-to-work ágil nas áreas G&A requer flexibilidade em termos da alocação de recursos – e da abertura de cada área para a pauta da organização como um todo. Dessa forma, os recursos podem fluir para as necessidades mais prioritárias. Assim, o CEO pode desempenhar um papel crucial em dar destaque à metodologia ágil como uma prioridade – mesmo que a transformação comece pequena, a partir de uma única área ou unidade.
Gestão da cultura e das mudanças. Criar uma estrutura de ponta nunca será suficiente se as pessoas dessa estrutura não a apoiarem incorporando os valores e princípios da metodologia ágil. Se no topo houver um diretor que não seja um líder servidor e que imponha decisões tomadas de maneira hierárquica ou que defenda a não prestação de contas dentro das equipes, isso provavelmente constituirá um risco para o sucesso da transformação. Nas transformações bem-sucedidas, as decisões, ao contrário, envolvem toda a organização, com input de todos os níveis. Assim, o conjunto certo de pessoas em cada nível pode ajudar a contestar o status quo e a absorver novas mentalidades.
Estrutura, processos e pessoas. Um equívoco comum é que o simples lançamento de um novo modelo é suficiente para obter os benefícios da agilidade. Isso raramente acontece, pois os benefícios costumam ser alcançados somente com uma execução adequada, que envolva múltiplos níveis hierárquicos. Portanto, os líderes devem refletir sobre as seguintes questões:
- Primeiramente, asseguramos uma prestação de contas clara com relação aos processos de alocação de recursos em todas as áreas? Os processos de priorização de projetos estão em andamento para gerir situações nas quais não haja recursos disponíveis?
- Em segundo lugar, temos a governança ágil certa em funcionamento?
- Em terceiro – e o mais importante –, estabelecemos objetivos estratégicos claros?
Adaptação e evolução. É importante ser ambicioso nas mudanças e ágil na adaptação. Por exemplo, a pandemia de COVID-19 mostrou que as empresas não precisam que todos os funcionários estejam em um único local e que os esquemas de trabalho remoto são viáveis. A título de exemplo, uma empresa de infraestrutura energética obteve um enorme sucesso em sua transição totalmente remota para um modelo flow-to-work ágil.
Comunicação e embaixadores. Por fim, é importante garantir uma comunicação adequada de todo o processo, do lançamento ao progresso, passando pelas mudanças que estejam ocorrendo. Embora uma liderança top-down seja vital, também é importante envolver o nível hierárquico abaixo da diretoria e um grupo de “embaixadores das mudanças”, que pode reduzir o ceticismo das pessoas a respeito das mudanças e suavizar a transição para o novo modelo.
Enquanto muitas organizações estão começando a fazer experimentos com a metodologia ágil, outras elaboraram um conjunto de pré-requisitos aos quais acham que precisam atender. Contudo, as áreas G&A não precisam esperar o resto da organização para iniciarem sua jornada ágil. Mesmo organizações pequenas podem realizar experimentos com a metodologia ágil de forma lucrativa, bastando algumas diretrizes simples que ajudam a aumentar a probabilidade de uma implementação bem-sucedida.