Como as decisões sobre o desenho das organizações de supply chain afetam o desempenho geral de um negócio? Recentemente, analisamos as organizações de supply chain de mais de 50 empresas em uma ampla gama de indústrias na Europa, Ásia e Américas (ver barra lateral “Nota sobre a metodologia”). Indagamos acerca das prioridades estratégicas, estruturas organizacionais, práticas de gestão e cultura de trabalho de supply chains globais no intuito de entender quais escolhas estão correlacionadas com o desempenho do EBITDA das empresas. Os resultados podem ser surpreendentes – e revelam os elementos que compõem as organizações de supply chain bem-sucedidas.
O desenho organizacional ideal é um debate recorrente. Executivos de supply chain geralmente pensam em mudanças organizacionais em uma de três situações: quando a estrutura do negócio muda devido, por exemplo, a fusões ou aquisições; quando as mudanças nas operações as exigem, como na digitalização de processos ou na reconfiguração da rede de suprimentos; ou quando os líderes veem sinais de ineficácia, tais como novos produtos que levam muito tempo para escalonar depois de lançados ou decisões tomadas em fóruns multifuncionais, cuja execução fracassa na prática.
O redesenho de organizações de supply chain tipicamente começa com um benchmark das escolhas organizacionais de pares, seguido de uma tentativa de replicar o que aparentemente funcionou bem. Mas as escolhas de desenho não fazem milagres. Nossa pesquisa identificou uma correlação entre os arquétipos de organizações de supply chain e o desempenho do resultado financeiro das empresas. Seja organizado por região, unidade de negócio ou predominantemente centralizado; seja integrando processos de planejamento por meio de sourcing ou fabricando e entregando – ou ainda integrando partes desses procedimentos – o desenho organizacional não afetou a probabilidade de uma empresa alcançar um melhor desempenho de EBITDA em relação a seus pares em nenhum setor.
Em vez disso, nossa pesquisa identificou um conjunto de outros mecanismos organizacionais que funcionam de forma combinada com a estrutura para determinar o sucesso. Isso inclui a qualidade da coordenação, harmonização e clareza dos direitos de decisão de ponta a ponta, um sistema de desempenho multifuncional e apoio profissional ao funcionários por meio de coesão social, mobilidade e capacitação.
As escolhas de desenho não fazem milagres
O desenho organizacional vai além de definir cargos e subordinações. O desenho organizacional da função de supply chain interage com seus ativos, tecnologia, processos e pessoas para fazer a estratégia acontecer. Se as peças do sistema não estiverem alinhadas, a execução pode se tornar praticamente impossível.
Tomemos o exemplo de um fabricante de bens de consumo, cuja organização de supply chain é fundamentalmente descentralizada. As funções de planejamento e entrega em cada unidade de negócio baseada em produtos evoluíram por meio de aquisições que nunca foram realmente integradas. Apesar disso, a função de supply chain resistiu, com níveis de serviço competitivos e margens decentes. No entanto, em um esforço para melhorar a eficiência de custo geral da organização, a empresa lançou um programa para centralizar o supply chain, seguindo as tendências da indústria de criar uma função corporativa que fosse transversal às unidades de negócio.
No entanto, os outros elementos da organização não estavam bem preparados para a mudança. Os processos não havia sido totalmente otimizados e a infraestrutura de TI não estava uniformizada entre as unidades de negócio. A cultura da empresa, inclinada à execução e serviço rápido, resistiu à mudança e os funcionários ficaram desmotivados quando os processos de planejamento se tornaram burocráticos demais. Como resultado, o negócio começou a sofrer.
Então, a empresa deu um passo atrás e avaliou novamente a situação e decidiu relançar um programa de transformação total, desenhando um novo projeto para o supply chain como um todo, ao mesmo tempo em que protegia a independência de execução das unidades de negócio.
Um certo grau de centralização tornou-se uma prática aceitável no desenho da organização de supply chain. Em todos os setores, a maioria das empresas centraliza ao menos a função de supply chain estratégico, de forma que a responsabilidade e a melhoria de processos selecionados são orquestradas entre as regiões, enquanto as unidades locais mantêm o controle da execução (Quadro 1). A centralização normalmente funciona bem nas funções que melhoram, padronizam ou gerenciam recursos restritos entre as unidades, por exemplo, supervisão de compliance e desenho de processos de supply chain, gestão de dados-chave de subfunções ou unidades de analytics autônomas que conduzem projetos para o supply chain de ponta a ponta.
A execução operacional centralizada está perdendo a popularidade. Os centros de serviços compartilhados ajudaram as organizações a melhorar a eficiência por meio do aumento das alçadas de controle e do aprofundamento de grupos de talento especializado, principalmente em funções como gestão de dados-chave, logística, operações comerciais e analytics de estoque. Tal centralização em estruturas globais ou regionais tem o benefício de economias de escala e de habilidades, mas para fazer com que elas funcionem é necessária uma integração operacional entre as pessoas e os processos dos negócios específicos (locais). Isto, por sua vez, requer processos harmonizados e consistência estrutural entre as unidades de negócio. Caso contrário, as estruturas de operação centralizadas precisam lidar com a variabilidade dos diferentes negócios e mercados geográficos da empresa, o que dificulta a colaboração e prejudica a capacidade de resposta.
Algumas empresas nunca chegaram a desenhar uma organização de supply chain consistente. Uma única função pode ter que reportar-se a várias funções controladoras e a diferentes pontos de contato nessas funções, em todas as regiões e unidades de negócio. Dessa forma, é provável que os processos sejam executados de diferentes maneiras, gerando confusão e lentidão na resposta a questões urgentes. Um exemplo é o planejamento de demanda. Em cerca de uma a cada três empresas, o planejamento de demanda não é sistematicamente organizado, reportando-se a líderes de supply chain em algumas regiões e a líderes de vendas ou de unidades de negócio em outras. O mesmo ocorre em cerca de uma a cada dez empresas no que se refere à gestão de pedidos e logística. Em empresas globais com negócios inter-regionais, essa complexidade interna dificulta enormemente a tão necessária execução transversal entre os negócios.
Seis alavancas de sucesso que todas as organizações podem implementar
Nossa pesquisa revelou seis fatores organizacionais correlacionados ao EBITDA que as empresas de alto desempenho utilizam para eliminar os silos e melhorar o desempenho multifuncional do supply chain (Quadros 2 e 3).
Papéis integradores para alavancar a coordenação de ponta a ponta
Supply chains de alto desempenho investem em papéis formais para coordenar o planejamento da cadeia de valor de ponta a ponta, incluindo todas as unidades de negócio, funções e localidades. Um quinto das organizações relataram que têm conflitos crônicos com silos e dificuldade na execução transversal entre os negócios. Mesmo as empresas nas quais o supply chain engloba todo o sistema de planejamento, sourcing, fabricação e entrega, a questão da coordenação somente através da estrutura de subordinação não foi resolvida. Elas ainda podem ser prejudicadas por uma série de fatores, tais como incentivos conflitantes, lacunas de capacidades e o próprio esforço necessário para extrair dados de diferentes sistemas.
Empresas líderes estão superando esses obstáculos com três papéis específicos. Um deles é o responsável pelos processos do negócio, que lida com análises contínuas e melhoria de desempenho, além de orquestrar as interfaces de processos comuns. Um exemplo é o líder de planejamento integrado de negócios, um papel cuja responsabilidade é orquestrar o planejamento de médio prazo entre as funções, regiões e unidades de negócios. Nas empresas onde existe, esse papel opera principalmente nos níveis global, regional ou da unidade de negócio, onde a reconciliação do rollup da demanda e da oferta ocorre dentro da rede de suprimentos. Este papel destaca a importância da harmonização e da padronização na preparação, orquestração e gestão de desempenho dos processos, uma vez que promove as condições para que o supply chain atenda os pedidos dos clientes no futuro. Em 65% das empresas nas quais este papel existe atualmente, o sucesso na coordenação do planejamento ponta a ponta está vinculado à existência de outros cinco mecanismos organizacionais discutidos a seguir.
O segundo tipo de papel é o de gerentes de fluxo de valor de ponta a ponta, encontrado em empresas que se organizam em verticais funcionais altamente especializadas e que promovem a gestão de processo eficiente. O alto grau de especialização dos planejadores e o domínio das tarefas funcionais existem em detrimento da responsabilização pelo processo de ponta a ponta. Os gerentes de fluxo de valor, por sua vez, são responsáveis por criar pontes de colaboração e execução de trade-offs.
Em uma empresa farmacêutica, por exemplo, esse papel foi instituído com o objetivo de criar pontes entre as “ilhas” de excelência funcional dos diferentes grupos de produtos para realizar o planejamento de demanda, de oferta e de produção. O novo papel – responsável pelos indicadores-chave de desempenho (KPIs) e metas (dias de estoque, cumprimento de lead times, níveis de serviço “on-time-in full”) de ponta a ponta –, combina a gestão de equipes multifuncionais em todos os fluxos de valor. Os gerentes de fluxos de valor configuram pontos de desacoplamento em cada grupo de produtos ao longo do supply chain multiescalonado, proporcionando orientação e consistência na tomada de decisão em todos os processos de planejamento e conectando-se com a organização comercial. Eles também gerenciam exceções por meio da criação e análise de cenários a fim de viabilizar a tomada de decisão ideal nos diferentes processos que ocorrem em determinado fluxo de valor.
O terceiro tipo de papel integrador tem foco na execução, com planejadores ponta a ponta dedicados a segmentos específicos do supply chain. Esses papéis, muitas vezes colocalizados e apoiados por um alto grau de automação de processos, operam como um ponto de contato único entre as unidades comerciais e de suprimentos, permitindo a execução de estratégias segmentadas por meio da coordenação do atendimento aos pedidos do início ao fim. Tais papéis substituem os planejadores funcionais tradicionais (que focam na demanda e na oferta separadamente) e podem otimizar as operações, melhorar a visibilidade e a responsividade, e aumentar os níveis de serviço.
Documentação formal de processos críticos e direitos de decisão
As empresas raramente documentam seus processos críticos e direitos de decisão. Em vez disso, elas assumem que os funcionários têm clareza sobre a responsabilização pelos processos de ponta a ponta, mas eles dependem de delegação ad hoc e autogerenciamento para executá-los.
Em muitas indústrias, a introdução de novos produtos e o atendimento de pedidos são processos críticos de criação de valor, que são altamente multifuncionais e sofrem com a desconexão e a falta de alinhamento gerada por silos funcionais. Para complicar ainda mais a questão, partes desses processos são muitas vezes realizadas de diferentes maneiras nas distintas unidades – uma inconsistência que gera confusão, lentidão de resposta e aumento nas taxas de erros.
A harmonização de processos – com padrões rígidos, onde viável, e graus de diferenciação aceitáveis, onde necessário, de acordo com segmentos específicos do supply chain – pode contribuir muito para a criação de um entendimento básico sobre quem faz o que, de modo que a coordenação entre as funções e as unidades se torne mais fácil. A harmonização dos processos também permite uma simplificação organizacional por meio de papéis e cargos padrão, que contribuem para uma maior clareza organizacional. Por fim, a implementação desses mapas de processos nos fluxos de trabalho formais viabilizados por TI pode incorporar uma dinâmica de colaboração aos processos cotidianos, enquanto a digitalização também ajuda a acelerar o processo como um todo.
Alinhamento dos sistemas de desempenho
Nas empresas onde há variedade de estruturas e de responsabilização por processos, a gestão do desempenho também tende a ter características próprias conforme a unidade, região ou localidade. Cada uma pode terminar desenvolvendo métricas próprias isoladamente, embora trabalhem com a mesma finalidade. Isso reforça os silos e os problemas decorrentes.
Para enfrentar essa questão, uma empresa de bens de consumo começou uma revisão do seu sistema de gestão de desempenho e decidiu alinhar as definições dos KPIs em todas as unidades. Embora as metas continuassem sendo diferenciadas de acordo com o mercado, a empresa desenhou um sistema no qual as métricas mais importantes eram de responsabilidade de funções colaboradoras. Por exemplo, inicialmente, a força de vendas era avaliada somente por métricas de receitas, o que estimulava projeções de vendas infladas. E os funcionários do supply chain, por sua vez, eram avaliados com base no estoque e liquidações, o que os levava a reduzir o estoque sempre que possível, resultando em frequentes faltas de estoque e perda de vendas. Com isso, a empresa decidiu introduzir incentivos compartilhados, tais como precisão das previsões, entregas “on-time-in-full” e crescimento das vendas nas funções de vendas e supply chain, de forma que ambas as funções tivessem sua participação no resultado do negócio. Além disso, ela reforçou os incentivos com metas claras e avaliações de desempenho trimestrais, ao mesmo tempo em que os resultados individuais e da equipe foram incluídos nas avaliações de desempenho.
Coesão social
A disponibilidade de talentos é uma alavanca-chave para a localização de papéis em supply chain, porém o talento precisa ser cultivado. Com a colocalização, o vínculo da equipe aumenta o desempenho. Quando não estão colocalizadas, ainda assim as equipes de alto desempenho se reúnem periodicamente, facilitando a conexão e promovendo o apoio mútuo no trabalho. Com a ampliação da capacidade das empresas de recrutar talentos com menores restrições de localização devido aos ambientes de trabalho remoto, faz-se necessário abordar o desafio cada vez maior da coesão social.
Mobilidade na carreira
Outra característica dos supply chains de empresas de alto desempenho é a fluidez de papéis e obrigações. Isto parte do princípio de que a função de RH corporativo gerencia a carreira dos profissionais de supply chain, incluindo rodízio de cargos em diferentes funções e programas de mentorship que lhes permitem desenvolver habilidades de liderança capazes de melhorar o desempenho do supply chain ao longo do tempo. Empresas líderes em supply chain fazem rodízio dos gerentes de supply chain regularmente em diferentes papéis, ocupando posições nas áreas de produção e gestão de vendas, por exemplo. Esses programas de mobilidade também podem promover a coesão social, bem como a compreensão e o respeito pela profissão de gerente de supply chain na organização como um todo.
Desenvolvimento de capacidades
Há tempos que é de conhecimento dos executivos que cerca de 70% dos programas de transformação fracassam e que o principal motivo é que os funcionários não têm as habilidades e capacidades necessárias para apoiar o programa de transformação. Portanto, não surpreende que as empresas de alto desempenho investem tempo e recursos na capacitação interna de seus colaboradores.
Essa necessidade se tornará mais acentuada – de acordo com uma pesquisa do McKinsey Global Institute, mais da metade das tarefas existentes atualmente poderão ser automatizadas até 2055, o que provocará uma transformação dos processos, bem como a necessidade implícita de recapacitar e requalificar os trabalhadores. Mas as organizações estão preparadas? Embora a maioria das organizações declare ter uma academia de capacitação corporativa e que 30% delas já tenham incluído novos cursos de dados e analytics, somente uma das 20 empresas participantes da pesquisa afirmou que acredita que esses cursos desenvolvem efetivamente as habilidades necessárias para concretizar as aspirações estratégicas. O principal motivo disso poderia ser o fato de que somente 6% dessas empresas têm uma perspectiva formal sobre quais dessas habilidades e competências são estrategicamente mais importantes para suas organizações.
Os programas de capacitação mais eficazes que vimos desenvolvem um conjunto integrado de habilidades funcionais, técnicas e de liderança, conectando o aprendizado às iniciativas do negócio e aos perfis de capacidades existentes. Por exemplo, as iniciativas de transformação de supply chain mais frequentemente implementadas envolvem advanced analytics, indo desde a modelagem de redes e analytics de risco até a otimização do planejamento e a tomada de decisões integrada. Todas as habilidades tradicionais de supply chain envolvendo desenho e otimização de rede, planejamento de oferta e demanda e gestão de estoque são necessárias para alavancar o impacto do desempenho operacional de tais iniciativas. Adicionalmente, uma equipe de alto desempenho também será capaz de operar com uma perspectiva estratégica, reconhecer e reduzir o viés em um conjunto de dados, validar os resultados de modelos baseados em dados, gerenciar equipes multifuncionais e motivar os colegas para darem o seu melhor no trabalho.
A título de exemplo, considere o caso de uma empresa industrial norte-americana. As habilidades funcionais coletivas da organização de supply chain apareciam no quartil superior da região e do setor. Contudo, seu desempenho estava aquém do esperado em termos de custo e níveis de serviço. Um diagnóstico qualitativo interno revelou que, por muito tempo, a organização havia sido liderada de forma centralizada com foco na otimização do custo de manufatura. Consequentemente, os funcionários não estavam acostumados a pensar sobre trade-offs de ponta a ponta e havia pouca colaboração entre as funções de supply chain e a parte comercial da empresa.
A liderança sênior reconheceu que era fundamental criar perfis bem elaborados para o supply chain do futuro, no qual identificar os trade-offs certos é o papel essencial do profissional de supply chain. Para tanto, foi necessária uma completa transformação das habilidades e da cultura, com intervenções voltadas à comunicação e ao reforço dos benefícios de uma verdadeira gestão de ponta a ponta em todos os níveis da organização.
Desenvolvendo a sua equipe de supply chain de alto desempenho
Um grande obstáculo enfrentado por muitas organizações que desejam melhorar sua eficácia é saber por onde começar. Realizar um benchmarking da sua organização em relação aos pares da indústria não responde a todas as perguntas, mas muitas organizações o consideram útil como primeiro passo por se tratar de uma avaliação baseada em fatos dos processos, capacidades e estruturas atuais a fim de compará-los com as abordagens adotadas pelas organizações de alto desempenho e verificar seu alinhamento com a estratégia geral da empresa.
Nos pontos em que a avaliação indicar oportunidades de melhoria, é hora de adotar uma mentalidade ágil. As empresas agem dessa forma ao desenhar novas estruturas, papéis e processos para criar uma versão do “produto mínimo viável” da nova organização de supply chain para, então, testar e refinar seus novos modelos operacionais de supply chain de forma iterativa. Essa abordagem ajuda as empresas a identificar as questões levantadas neste artigo – desde a falta de alinhamento dos incentivos até lacunas de capacidade –, e a tomar ações para enfrentá-las à medida que escalonam a transformação do supply chain. Sobretudo, esta abordagem oferece à equipe de supply chain em toda a organização a possibilidade de moldar seus futuros papéis, ajudando a criar um senso de propriedade e responsabilização que pode ser decisivo para o sucesso.