Em meio à extraordinária transformação da manufatura na última década com o avanço da Quarta Revolução Industrial setor após setor, alguns fabricantes ainda enfrentam um desafio quase tão antigo quanto a própria manufatura: como alcançar ganhos de produtividade duradouros nas operações com que empregam mão de obra de forma intensiva.
A solução aparentemente óbvia algumas vezes é resumida como trocar mão de obra por capital usando automação. Apesar da disponibilidade de máquinas cada mais sofisticadas a um custo cada vez menor, em muitas situações a alternativa mais atrativa é usar o digital e tecnologias de analytics para apoiar as pessoas em vez de substituí-las.
Mesmo hoje, setores que empregam mão de obra intensamente podem incluir tudo, de brinquedos, vestuário e joias a dispositivos médicos, produtos eletrônicos, produtos elétricos e componentes automotivos. Esses setores são uma força crítica nas economias emergentes, fornecendo empregos que reduzem a pobreza e fortalecem a estabilidade social.
Nos setores em que a mão de obra é instrumental na criação de valor, gerenciar uma força de trabalho torna-se questão de prioridade estratégica. As empresas que têm uma performance melhor na contratação, retenção e, de forma ainda mais crucial, no engajamento de seus funcionários podem gerar uma vantagem substancial sobre seus concorrentes. Para isso, as empresas precisam superar um conjunto de desafios, alguns dos quais se tornaram ainda mais complexos com a COVID-19. Garantir que os funcionários se sintam seguros precisa, é claro, ser a maior prioridade. Porém, propiciar um ambiente de proteção pode não ser suficiente para persuadir todos os funcionários a irem às fábricas, especialmente aqueles que têm a responsabilidade de cuidar dos filhos e da família e que possam ter sido desproporcionalmente afetados pela pandemia.
Ao mesmo tempo, picos de demanda apenas aumentaram a concorrência nos setores onde o agrupamento de operações facilita para as pessoas mudarem de empregador. Mesmo quando um empregador pode encontrar e manter os funcionários, mudar as exigências de habilidades costuma criar uma incompatibilidade entre o que a empresa precisa e o que sua força de trabalho pode oferecer.
Entretanto, poucas empresas encontraram uma solução promissora. Novas ferramentas digitais e de analytics, aplicadas de forma cuidadosa, podem permitir que as plantas em indústrias que empregam mão de obra de forma intensiva se tornem referência em desempenho mesmo quando elas continuam a empregar um grande número de pessoas.
Desafios comuns para indústrias que empregam mão de obra de forma intensiva
Três antigos problemas se tornaram especialmente críticos para empresas que empregam mão de obra de forma intensiva: impossibilidade de prever quantos funcionários irão ao trabalho no dia a dia, turnover acima da média e incompatibilidade de habilidades.
Quem virá trabalhar hoje?
Uma grande questão diante de muitos fabricantes de setores que empregam mão de obra de forma intensiva é quantos de seus funcionários irão trabalhar por dia. Nessas indústrias e nas comunidades nas quais elas estão localizadas, os funcionários costumam enfrentar obstáculos que vão do acesso limitado de suas famílias a atendimento de emergência a transporte confiável. O comparecimento imprevisível limita a capacidade dos gerentes de planejar e executar cronogramas de produção, reduzindo assim a produtividade, os níveis de serviço e a rentabilidade nas fábricas.
Esses problemas foram evidentes por algum tempo. Em 2017, por exemplo, o McKinsey Global Institute identificou que as mulheres representam 39% da força de trabalho de manufatura do México e 47% da China. Os ganhos das mulheres representam uma parte crucial da renda dos lares, mas as opções de escolas podem ser limitadas ou inviáveis, o que as impede de irem ao trabalho quando seus filhos estão doentes ou quando surgem outros problemas familiares.
Por quanto tempo os funcionários ficarão na minha empresa?
O alto turnover, normalmente atribuível ao “efeito cluster”, é outro fato da vida em manufatura com intenso uso de mão de obra. As muitas zonas industriais especiais (ou similares) em todo o mundo tendem a atrair empresas nas mesmas indústrias e em indústrias relacionadas e no restante da cadeia de valor. Os benefícios dessa massa crítica são bem conhecidos: armazenamento e logística tornam-se mais eficientes, a inovação tende a acelerar e essas zonas começam a atrair mais talentos. Mas, pelo menos para algumas empresas, também existe uma compensação: a proximidade facilita para que funcionários muito procurados troquem de trabalho.
A região de um cluster pode adicionar outras complicações. Em alguns países, como o México, as zonas industriais estão localizadas próximas de mercados externos adjacentes, mas distantes dos centros de consumo do país de origem. Nessas circunstâncias, os funcionários podem estar mais propensos a ver seus trabalhos como temporários, uma forma de economizar antes de talvez voltar para casa.
Meus funcionários terão as habilidades certas?
Para os fabricantes de todo o mundo, contratar funcionários com as habilidades certas é um desafio, que é acentuado em mercados emergentes, onde a maioria dos funcionários não tem escolaridade além do ensino fundamental. Esse problema obriga os fabricantes a dedicar recursos significativos para integrar e treinar, quando eles chegam a encontrar candidatos suficientes para preencher as vagas.
Os altos níveis de turnover também tornam os investimentos em treinamento caros. Mesmo quando têm um custo menor que em mercados maduros, as despesas se somam. Além disso, os gestores podem ficar relutantes em dedicar recursos para treinamento quando um concorrente pode se beneficiar deles.
Um exemplo é uma empresa de dispositivos médicos que observou que, embora os funcionários com conhecimento prévio pudessem ser treinados em apenas três dias, um novo funcionário sem experiência exigiria até quatro semanas. Essa disparidade pode incentivar os empregadores a confiar em fontes caras de mão de obra terceirizada ou temporária (especialmente em períodos de pico), prejudicando algumas das vantagens financeiras de operar em certa localidade.
A solução de analytics para produtividade
Apesar do progresso em canalizar as grandes quantidades de dados que a manufatura agora gera, apenas alguns fabricantes tiveram sucesso completo no uso desses dados para fundamentar seus processos de tomada de decisão. Em setores com emprego intenso de mão de obra, os benefícios se tornaram convincentes, o que confere a alguns players a oportunidade de dar um salto em relação a seus pares.
Uma analogia pronta envolve mobilidade compartilhada: os gigantes de hoje mudaram a logística de passageiros, a navegação no trânsito e a cobrança por algoritmos em computador central, para que os motoristas possam se concentrar na direção. Os motoristas recebem virtualmente todas as instruções e o feedback em seu celular, sem intervenção humana, reduzindo substancialmente os custos de treinamento e melhorando a qualidade e a confiabilidade do serviço.
Obtendo os dados certos
Os fabricantes tinham uma oportunidade que as empresas de transporte por aplicativo não tinham: a obtenção de dados normalmente vem de maquinário de produção. Nas indústrias que empregam mão de obra de forma intensiva, o importante é implementar mecanismos que mensurem o resultado e a produção da forma mais granular. As empresas usam diferentes ferramentas e software, como exemplificado de forma general no Quadro 1.
Na transformação de excelência digital em manufatura de um fabricante de desenho original na América do Norte, um sistema eletrônico de medida de movimento calculou atividades sem valor agregado e as taxas para diferentes tarefas. Usando sensores de movimento e geolocalização para entender as posições dos funcionários na planta, os gerentes puderam facilmente gerar diagramas de espaguete mostrando desperdício de movimentos, podendo assim identificar onde não havia valor agregado. Da mesma forma, um fabricante de eletrônicos na Ásia identificou um potencial aumento de produtividade de 25 a 35% simplesmente eliminando a diferença entre cargas de trabalho desiguais entre a mão direita e a esquerda dos funcionários.
Cronograma dinâmico
Os planejadores e programadores podem passar incontáveis horas construindo os melhores planos de produção, mas quando a contagem de funcionários varia em cada turno, esses planos precisam ser reajustados em tempo real. Os algoritmos de advanced analytics podem otimizar o grupo de funcionários disponíveis, maximizando a produtividade e os níveis de serviço e acomodando variáveis como habilidades individuais, equipamentos disponíveis, metas de produção e datas de remessa, tudo com orientação mínima dos supervisores.
A programação dinâmica baseia a produção e as escalas de funcionários no comparecimento diário, minimizando o impacto da variabilidade. Após identificar o número real de funcionários em cada turno, o sistema otimiza o pessoal em chão de fábrica para melhorar a utilização e a produtividade usando suas habilidades e capacidades individuais para designá-los para estações de trabalho específicas do processo de produção. Essa alocação maximiza a rentabilidade das plantas e impulsiona a qualidade de sua produção.
Em um fabricante de eletrônicos na fronteira dos EUA com o México, por exemplo, o turnover anual era de mais de 100% e o comparecimento diário flutuava 15% não importava quanto esforço a liderança da planta fazia para melhorá-lo. Essa imprevisibilidade tinha múltiplos efeitos na produção. Por exemplo, os supervisores passavam de uma a duas horas por turno apenas alocando funcionários em suas estações, pois eles tinham que considerar se os operadores disponíveis tinham o treinamento correto para as estações e que produtos tinham prioridade.
Além da alocação de funcionários, a entrega dentro do prazo era baixa, pois os supervisores de produção, com uma visão apenas limitada da demanda, orientavam a priorização da produção. Além disso, a absorção de custos estava abaixo de 60%, pois o resultado da alocação de funcionários às estações variava conforme as capacidades dos supervisores e acompanhar os mais de 4.000 operadores da planta era extremamente complexo.
Como resultado desses problemas, a planta implementou um sistema dinâmico de programação de escalas (Quadro 2). Quando os operadores registravam sua entrada, um algoritmo os direcionava para uma estação considerando suas habilidades e experiência e as demandas mais urgentes do turno, em linha com as metas mensais de produção. Essa etapa eliminou a perda de produtividade de uma a duas horas (no mínimo, 12%) a partir da redefinição de estações e aumentou a entrega dentro do prazo para 90% (partindo de 50%). A absorção de custos de mão de obra aumentou para um patamar saudável de 80%. Além disso, a ferramenta pôde ser implementada em tempo real, de forma que, sempre que os funcionários estavam disponíveis, o sistema recalculava suas atribuições e sugeria a próxima. Essa otimização deu aos gerentes a flexibilidade que eles precisavam para mobilizar os funcionários para as estações que exigiam habilidades específicas ou pessoal adicional imediatamente disponível para atender a demanda.
Diminuindo a falta de habilidades
Para os gerentes reticentes quanto a treinar os funcionários e depois perdê-los para concorrentes, o analytics oferece três respostas que juntas impulsionam a qualificação dos funcionários e também sua retenção.
Uma forma de aumentar os retornos sobre investimento em treinamento é ajudar os funcionários a aprender mais rapidamente para que eles possam dedicar mais seu tempo a atividades de valor agregado. As ferramentas digitais desempenham um papel crítico na facilitação da capacitação na prática. Por exemplo, em um fabricante os funcionários que iniciavam seu turno precisavam esperar uma ou duas horas até que o supervisor da planta estivesse disponível para orientá-los e treiná-los na estação. Colocar telas digitais em todas as estações facilitou para os novos funcionários pelo menos nas estações de menor complexidade, onde eles podiam assistir treinamentos multimídia antes de iniciar a produção. Apenas essa etapa ajudou a reduzir o tempo médio de treinamento em cerca de 70%.
Uma opção mais avançada ajuda a complementar as habilidades necessárias dos funcionários eliminando déficits por meio de inteligência artificial. Em vez de pedir que os funcionários façam treinamentos longos, algumas empresas adotaram tecnologias assistidas por Internet das Coisas avançada a fim de orientar os operadores em processos de produção complexos. Acompanhando a produção, qualidade e velocidade da produção, os gerentes podem identificar lacunas de habilidades específicas e direcionar os operadores a máquinas onde eles possam realizar treinamento prático por meio de telas multimídia.
A alavanca final é aumentar a retenção, em parte construindo melhores planos de carreira. Muitas plantas têm várias centenas ou até milhares de funcionários por turno e apenas alguns líderes, cujas qualificações podem ter deficiências. Ferramentas de monitoramento de produtividade, como as mostradas no Quadro 1, facilitam atribuir performance a indivíduos específicos. Com essa informação, programas de retenção com base na performance podem ser implementados para funcionários efetivos, aumentando a retenção daqueles com melhor performance. Várias empresas na fronteira do México com os EUA mais que dobraram as taxas médias de retenção seguindo essa abordagem.
A fluidez das operações pode parecer uma oportunidade atrativa, mas o impacto econômico também é substancial. Em um mercado no qual custo, qualidade e níveis de serviço estão se tornando mais competitivos, as soluções de digital e analytics podem aumentar a produção da manufatura pelo mesmo custo de mão de obra direta e indireta e aumentar o EBITDA. No caso de um fabricante, um aumento de 5% na produção gerou 45% de aumento de EBITDA (Quadro 3).
Mesmo antes da COVID-19, os empregadores que faziam intenso uso de mão de obra podiam extrair grandes benefícios de tratar de pontos sensíveis e desafios recorrentes. O novo normal oferece ainda mais oportunidades, pois o aumento da concorrência e os novos perfis de demanda elevam os desafios e modelam um novo cenário no supply chain. Esse diferenciador pode se mostrar como o fator crítico determinante da vantagem competitiva nos próximos anos.