Já houve um tempo em que os clientes eram mais exigentes com as empresas que os atendiam? As tecnologias da Indústria 4.0—muitas inimagináveis há apenas uma década—já possibilitaram inovações genuínas de custo, conveniência e customização, criando valor extraordinário para os clientes pela criação de critérios de performance mais rígidos para os produtores.
Há também a volatilidade que nunca desaparece totalmente, retornando em crises que podem comprometer tudo, do relacionamento com fornecedores a modelos inteiros de negócio – todos predominantes no cenário atual à medida que a COVID-19 cria ampla disrupção. Essa volatilidade complica os esforços dos líderes para fazer mudanças duradouras em suas organizações – esforços que historicamente exigiram anos de esforço sustentável para criar raízes.
Entretanto, instituições que vão desde fabricantes aeroespaciais a autoridades fiscais persistiram, focando seus esforços na gestão lean e em metodologias ágeis. Ambas as metodologias provaram seu valor como sistemas integrados para ajudar a melhorar a performance.
O erro que vemos muitos líderes e organizações cometerem é acreditar que eles precisam escolher entre as duas. Isso não é verdade. Além de ser uma escolha desnecessária, as duas metodologias se complementam de forma que aumentam o impacto que elas geram, normalmente implementando tecnologias da Indústria 4.0 para acelerar a transformação. Com essa abordagem de reunir o melhor de ambas, as empresas de melhor performance combinam ferramentas, formas de trabalhar e elementos organizacionais de cada metodologia para elaborar uma solução customizada que atenda às necessidades exclusivas da empresa mais completa e rapidamente do que nunca.
Legado lean, momento do ágil
A gestão lean ajudou organizações a criar valor por mais de 70 anos. Criada nos anos 1940 com origem no Sistema de Produção Toyota, a gestão lean expandiu de manufatura para serviços e chegou a todos os departamentos e funções nas empresas, governos e instituições não governamentais do mundo. As organizações lean buscam identificar e eliminar atividades não valorizadas pelo cliente ou usuário final. Essa análise sistemática de processos e fluxos de valor para reduzir desperdício, variabilidade e inflexibilidade impulsiona a performance em controle de custos, qualidade de produtos, satisfação do cliente e engajamento dos funcionários – normalmente de forma simultânea. Adicionalmente, essas organizações aplicam uma mentalidade de melhoria contínua e processos flexíveis de trabalho na qual todos os funcionários contribuem com novas ideias e sugestões, para que a organização melhore ao longo do tempo. Livres de tarefas que não agregam valor, as pessoas focam mais no que importa para os clientes.
As metodologias ágeis são mais recentes, com origem no desenvolvimento de software nos anos 1990, acelerada após o lançamento do Manifesto Ágil em 2001. Na última década, essas metodologias se expandiram rapidamente para outras indústrias, como as de telecomunicações e bancária – e, mais recentemente, indústrias pesadas como mineração e óleo e gás.
Em vez do processo tradicional de desenvolver um novo produto ou serviço – que era altamente sequencial e demorado – as metodologias ágeis são muito mais rápidas e flexíveis. Os modelos ágeis requerem um desenvolvimento frequente que tem o objetivo de levar o protótipo inicial de um produto ou serviço às mãos do cliente o mais rapidamente possível. As equipes capturam feedback e repetem através de ciclos rápidos, refinando o produto ou serviço ao longo do tempo. As abordagens ágeis desde então se expandiram para além do âmbito do desenvolvimento de produtos e as empresas estão cada vez mais se organizando para a agilidade em todas as suas atividades.
Melhor juntos
Uma interpretação comum e equivocada é que a gestão lean e as metodologias ágeis são mutuamente exclusivas, com base em princípios e abordagens fundamentalmente diferentes e aplicáveis a uma variedade de atividades. Segundo essa interpretação, a gestão lean funciona para rotinas e operações recorrentes, enquanto a metodologia ágil se aplica apenas a projetos ou tarefas criativas. Portanto, organizações, departamentos ou funções precisam escolher uma delas e concentrar-se exclusivamente nessa opção.
Porém, esse argumento reflete um equívoco fundamental sobre gestão lean e metodologias ágeis. Na realidade, ambos os sistemas têm se mostrado bem-sucedidos em uma variedade de ambientes e compartilham objetivos fundamentais similares: entregar valor com eficiência para o cliente; descobrir melhores formas de trabalhar para aprender e melhorar continuamente; conectar estratégia e metas de maneira transparente para dar às equipes um propósito significativo; e permitir que as pessoas contribuam e atinjam seu pleno potencial (Quadro 1).
Esses objetivos se aplicam a todas as equipes ou atividades em uma organização. Porém, há diferentes formas de atingi-los. A gestão lean e as metodologias ágeis fornecem modelos de equipe, formas de trabalhar e ferramentas que podem ser implementados da forma que fizer mais sentido para a organização (Quadro 2). O fato de os dois sistemas partirem das mesmas crenças fundamentais torna seus elementos altamente complementares. Além disso, a excelência operacional normalmente não pode ser atingida usando gestão lean ou metodologia ágil exclusivamente, mas com uma combinação dos dois sistemas empregando ferramentas associadas.
Conectar talentos e liberar valor
Modelos de equipe são estruturas organizacionais que reúnem pessoas em um modelo operacional para entregar valor. A gestão lean introduz modelos de equipe como células de trabalho, nas quais as equipes trabalham juntas para concluir as etapas que anteriormente aconteciam separadamente e podiam sofrer atrasos. Já as metodologias ágeis dependem de conceitos como equipes multidisciplinares, que seguem a mesma filosofia. Algumas ideias são similares nos dois sistemas, mas com nomes diferentes. Por exemplo, células de relacionamento de gestão lean, um tipo avançado de célula de trabalho para projetos mais longos, têm muitas características em comum com as equipes ágeis que se autogerenciam.
Formas de trabalhar novas e melhores
Formas de trabalhar são abordagens ou processos que as equipes usam para realizar trabalhos ao longo do tempo. A gestão lean inclui práticas integradas de gestão e melhoria contínua, ou kaizen, e as metodologias ágeis adicionam gestão de trabalho em equipe “scrum” e programação extrema, enfatizando ciclos curtos de desenvolvimento e releases frequentes. Não é surpreendente que algumas formas de trabalhar, como ferramentas de gestão visual, apareçam tanto em gestão lean quanto em metodologias ágeis.
Normalmente, quando alguém diz que “gestão lean é para rotina e operações recorrentes” está realmente falando sobre algo como célula de trabalho lean aplicando uma metodologia de melhoria contínua. De forma semelhante, uma afirmação como “metodologias ágeis são para desenvolvimento criativo de produtos” normalmente associa ágil com um squad multidisciplinar aplicando scrum, o que requer um alto nível de comunicação para uma equipe para atingir uma meta comum. Essas afirmações interpretam erroneamente os dois sistemas.
Os modelos de equipe, formas de trabalhar e ferramentas corretos a utilizar dependerão na natureza da atividade sendo realizada (Quadro 3). Embora a gestão lean tenha sido criada de fato para processos altamente recorrentes e previsíveis, ao longo do tempo ela se desdobrou em coreografias de especialistas, que coordenam interações complexas para que interdependências sejam resolvidas antes que se tornem obstáculos, e células de relacionamento, nas quais os processos estão centralizados em um único ponto de contato com o cliente. As metodologias ágeis têm sua origem em ambientes criativos e voltados para os clientes, mas conceitos como equipes ágeis multidisciplinares e autogerenciadas agora também estão sendo usados em back-offices ou call centers. A melhor seleção de modelos de equipe, formas de trabalhar e ferramentas pode ser uma combinação de gestão lean e metodologias ágeis.
O valor de duas
Um número crescente de empresas está obtendo melhores resultados usando um modelo de melhores práticas do que obteria aplicando sistemas ágeis ou de gestão lean isoladamente. Considere os dois estudos de caso descritos a seguir.
Instituição financeira melhora substancialmente o atendimento ao cliente
Um provedor de serviços financeiros estava enfrentando dificuldades com o atendimento ao cliente. Sua central de atendimento estava levando muito tempo para resolver as solicitações – até 8 semanas em alguns casos – em parte porque as equipes de especialistas estavam sobrecarregadas pelo alto volume de solicitações. Para agravar o cenário, a instituição não havia designado um responsável pela jornada de atendimento ao cliente. Em vez disso, ela operava com uma estrutura tradicional, na qual as solicitações eram passadas de uma função para a outra. Cada função operava independentemente, acompanhando métricas de performance apenas de sua parte no processo. Ninguém acompanhava a experiência como um todo da perspectiva do cliente.
A empresa usava uma combinação de gestão lean e ferramentas ágeis para melhorar. Das ferramentas de gestão lean, a empresa usava um mapeamento de fluxo de valor e design thinking para repensar completamente e reestruturar a experiência do cliente para uma dada transação ou processo. Ela também reformulou os indicadores de performance para refletirem melhor metas específicas – por exemplo, a velocidade com que um cliente consegue ter um problema solucionado. Das metodologias ágeis, a empresas criaram equipes autogerenciadas e multidisciplinares para melhorar a colaboração e promover a responsabilização. A nova equipe autogerenciada permitiu que os funcionários atendessem todas as solicitações de clientes, de ponta a ponta. A gerência também criou um único ponto de contato para cada processo, a fim de reduzir o número de transferências internas e melhorar o engajamento dos clientes.
Coletivamente, essa abordagem gerou uma redução de 90% no tempo médio necessário para resolver um problema do cliente. Como resultado, as pontuações de satisfação do cliente aumentaram em 30%, assim como o engajamento dos funcionários. A reorganização significa que as equipes não serão mais impedidas pela burocracia, mas poderão ver como suas contribuições individuais têm um resultado direto na experiência do cliente – e, portanto, na performance geral da empresa.
Uma mineradora cria um novo sistema operacional
Em um segundo exemplo, uma mineradora global estava implementando ferramentas de gestão lean entre as unidades de linha de frente por mais de uma década com sucesso significativo. As operações de linha de frente em uma mina tinham vários atributos – operações físicas, fluxo de trabalho constante, especificações previsíveis de clientes e processos repetíveis – que as tornavam ideais para abordagens lean como seis sigma.
No entanto, compromisso e progresso estavam estagnados nos últimos anos. Para estimular os ganhos, a empresa passou a aplicar algumas ferramentas ágeis, formas de trabalhar e modelos de equipe. Mesmo em uma indústria de processos como a de mineração, muitas atividades requerem colaboração multidisciplinar e operação em ambientes variáveis, do desenvolvimento de novas estratégias e melhoria nos processos de engenharia à implementação de tecnologias inovadoras. Modelos de equipes ágeis como squads multidisciplinares são ideais para esse tipo de trabalho e atingiram resultados expressivos: squads dedicados de melhorias aumentaram a velocidade de engenharia em 200% e um squad multidisciplinar de transformação de “combustível e energia” identificou e gerou $10 milhões de valor em meses.
Mais amplamente, a empresa identificou que a transformação ágil poderia ser o marco para melhorar e revigorar o programa existente de gestão lean entre as unidades de linha de frente. A empresa selecionou algumas ferramentas específicas entre as ferramentas ágeis e as integrou nas operações diárias e de gestão lean.
A empresa estabeleceu ciclos de sprint de 4 semanas - um período que se alinhava com o rodízio de funcionários na linha de frente. No início de cada sprint, as equipes se reuniam para revisar o plano para as 4 semanas seguintes e identificar os principais eventos, como projetos-chave, visitas de líderes ou integração de novos funcionários, juntamente com um ou dois temas em que eles desejassem concentrar atividades de melhoria. De forma similar, ao final de cada sprint, as equipes realizavam uma sessão retrospectiva para analisar sua performance em relação aos objetivos do sprint e identificar como elas poderiam trabalhar juntas mais eficazmente no futuro.
Essa mudança relativamente simples – combinada com um foco renovado em reuniões diárias rápidas e gestão visual – levou a um aumento significativo no engajamento entre os funcionários, com mais de 90% das equipes de linha de frente assumindo responsabilidade pelas iniciativas e aproximadamente 130 melhorias adicionais entregues nos primeiros 3 meses.
Como mostram esses exemplos, a gestão lean e os métodos ágeis são sistemas eficazes e as empresas não precisam escolher entre eles. Preferivelmente, as empresas podem aplicar essa abordagem combinada, escolher as ferramentas e aplicações mais relevantes para as suas necessidades e gerar melhorias ainda maiores para toda a organização.