“Como é que você nunca vai atrás das coisas como eu, Luther?”, pergunta o músico e compositor Waylon Jennings no filme biográfico sobre Johnny Cash de 2005, Johnny e June [Walk the Line].
“Bem, Waylon”, responde o guitarrista Luther Perkins, “seja lá o que você estiver procurando, eu já encontrei”.
Em um ambiente que passa continuamente por transformações, as empresas têm que buscar novas maneiras de avaliar, aumentar e monitorar a eficiência e eficácia de suas verbas de marketing. Mas assim como o lendário e lacônico guitarrista de Cash, talvez a área de procurement já tenha encontrado o que o marketing ainda está procurando.
Os profissionais de marketing vivem uma época turbulenta. A revolução digital está transformando o consumo de mídias. Pessoas com menos de 35 anos assistem à mesma quantidade de conteúdo em vídeo do que seus pais, mas menos da metade é via televisão ao vivo. Nos Estados Unidos, mais de um terço de todo o conteúdo em vídeo é hoje assistido online, uma grande parte em dispositivos móveis. A geração Y [os nascidos entre 1984 e 2000] passa 15 horas por semana em seus smartphones e 89% consultam seu e-mail de trabalho fora do expediente. Os millennials, como também são chamados, tendem a confiar mais nas opiniões de seus amigos e contatos de redes sociais do que nas dos profissionais de mídia.
Para os profissionais de marketing, a proliferação de mídias digitais cria novas e instigantes oportunidades para engajar os consumidores, mas também cria uma complexidade quase desumana. Eles sabem que precisam oferecer uma experiência de marca integrada entre a mídia tradicional e o volátil ecossistema de canais e dispositivos digitais que seus clientes utilizam. Querem utilizar melhor os recursos digitais, como feedback em tempo real das preferências do cliente e a capacidade de personalizar e direcionar mensagens com mais precisão do que nunca. Querem também inovar aproveitando ao máximo as novas abordagens à medida que surgem – sem perderem de vista o valor comprovado das iniciativas de marketing tradicionais e bem estabelecidas.
Para realizar essas ambições, os profissionais de marketing precisam fazer as escolhas certas sobre o que compram, como compram e com quem trabalham. Essas escolhas não são fáceis. Olhos humanos veem menos de metade de todos os anúncios digitais veiculados, por exemplo, e a compra programática através de sistemas de lances automatizados transformou a relação tradicional que havia entre anunciantes e donos de mídias. A complexidade e a rapidez das mudanças tornam o estabelecimento de parcerias com as agências certas ainda mais importante.
Neste contexto, nunca houve tantos grandes anunciantes ingressando no mercado. Em 2015, estima-se que havia cerca de US$ 30 bilhões em verbas de marketing disponíveis para quem fosse capaz de capturá-las – um processo apelidado de mídiapalooza –, pois muitos dos maiores anunciantes do mundo decidiram reavaliar o potencial, adequação e estrutura financeira de suas relações com as agências de publicidade.
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Qual a relevância de procurement neste contexto?
Para enfrentar os desafios de hoje, os profissionais de marketing precisam de novas capacidades. Precisam de habilidades analíticas aguçadas para extrair insights úteis de enormes conjuntos de dados digitais. Precisam avaliar o potencial de novos canais e novos provedores de serviços. E precisam de novas maneiras de medir com eficiência e eficácia como aplicam suas verbas, que agora terão de ser estendidas para muitas outras categorias.
Diante dessa situação, o marketing precisa hoje justamente das capacidades analíticas e decisórias robustas e baseadas em fatos que uma área de procurement de alta performance é capaz de oferecer. E como, em muitas empresas, marketing é a maior categoria de gastos indiretos, especialistas em procurement devem aproveitar a oportunidade de ajudar seus colegas de marketing a encontrar novas fontes de valor.
Entretanto, esse tipo de parceria mutuamente benéfica não está surgindo em um grande número de empresas – a relação entre marketing e procurement costuma ser fria ou mesmo ostensivamente antagônica. No ano passado, uma grande empresa global de bens de consumo chegou a anunciar que estava fechando por completo a função de marketing-procurement.
O que está dando errado? Como em qualquer relação problemática, grande parte da dificuldade resulta de mal-entendidos recíprocos. Os profissionais de marketing nem sempre reconhecem como seus colegas da área de procurement poderiam atendê-los melhor, de modo que tendem a relegar suas contribuições para as fases finais de negociação e contratação do processo de compra, quando há menos oportunidades de agregar valor. Procurement, por sua vez, nem sempre comunica suas capacidades com clareza e, com isso, é percebido mais como um obstáculo do que como um facilitador. Às vezes, a falta de uma linguagem comum torna difícil que marketing e procurement compreendam os objetivos e propósitos uns dos outros (veja box, “Cantando a mesma canção”). Além disso, nenhuma das duas funções descobriu ainda o processo ideal que lhes permitiria trabalhar juntas de forma eficaz e tirar o máximo proveito dos pontos fortes de cada uma.
A Hora de um novo começo
As empresas precisam reavaliar o papel do procurement em marketing. Decisões estratégicas críticas, como a seleção de agências parceiras e o planejamento de campanhas, devem permanecer, inquestionavelmente, nas mãos da função de marketing. Os profissionais de marketing conhecem as preferências de seus clientes e, com as informações corretas, podem identificar os melhores parceiros para ajudá-los a atrair os consumidores-alvo. Porém, assim como o som inconfundível de Johnny Cash dependia da perícia de Luther Perkins na guitarra, os profissionais de marketing precisam ter o apoio certo por perto.
A criação desse apoio deve começar com um claro entendimento sobre as formas que uma função de procurement de alta performance tem para ajudar a solucionar as principais necessidades de marketing. Identificamos seis áreas principais que abrangem desde uma capacidade comprovada de compras – que os profissionais de marketing já têm – a outras que exigem as habilidades avançadas de uma função de procurement madura e de alta performance:
- Gerenciar os fornecedores. Os profissionais de marketing precisam verificar se os fornecedores (agências, em muitos casos) são financeiramente viáveis. Precisam negociar preços competitivos e contratos robustos para garantir que os fornecedores entreguem o que prometeram e sejam pagos no prazo certo. Essas atividades são o que a função de procurement realiza todos os dias em todas as categorias.
- Monitorar a eficiência. Os profissionais de marketing precisam entender o funcionamento de suas agências. Os profissionais de procurement, por sua vez, sabem como acompanhar e monitorar a eficiência tanto das agências envolvidas, como das mídias que elas contratam. Também sabem conduzir revisões de fornecedores. Auditar a relação GRP/TRP [pontos de audiência bruta/pontos de audiência-target] e exigir que as agências assumam responsabilidade pelos resultados precisa ser uma segunda natureza para eles.
- Fazer o papel de mau. Quando o desempenho de uma agência deixa a desejar, a função de procurement pode conduzir as conversas desagradáveis necessárias para corrigir a situação, permitindo que as equipes de marketing mantenham um relacionamento próximo e produtivo com ela.
- Encontrar as capacidades certas. Os profissionais de marketing precisam de uma agência capaz de atender às suas necessidades atuais e futuras – e de oferecer-lhes o melhor do mercado, atendendo a necessidades que eles sequer sabiam que tinham. Por exemplo, a agência é capaz de monitorar se e onde anúncios digitais são visualizáveis? Qual é a amplitude de suas capacidades de compra programática? A função de procurement pode fazer uma busca intensa no setor em busca de novas competências e desenvolver processos para testar a capacidade de parceiros as encontrarem.
- Criar mais valor. Os esforços de marketing devem enfocar tanto a qualidade (capacidades e adequação) quanto os custos a fim de oferecerem o máximo valor. Usando dados sobre o retorno de marketing sobre o investimento (MROI), a função de procurement pode fazer tudo isso criando balanced scorecards que, por exemplo, monitorem a eficiência da compra de anúncios e a eficácia das veiculações resultantes.
- Agir rapidamente. O marketing está mudando rapidamente e a revolução digital é um dos fatores-chave dessa mudança. As equipes de marketing precisam reagir à altura. Trabalhar de perto com a área de procurement permitirá que formulem regras práticas para reagirem de maneira ágil e flexível, e continuem mantendo os riscos sob controle.
Estamos todos no mesmo barco
Para capturar esse valor – e, em especial, as oportunidades mais avançadas da segunda metade da lista acima –, marketing e procurement precisam estabelecer uma relação de trabalho mais estreita ao longo de todo o processo de compra. Para mostrar como essa relação pode funcionar, consideremos o exemplo de uma grande empresa global de bens de consumo que realizou recentemente uma ampla revisão de seu ecossistema de agências, começando pelas atividades de compra de mídias. O resultado foi que a empresa não só encontrou a agência mais capaz e mais adaptada à sua cultura, como também economizou em gastos de mídia e honorários. Ela reinvestiu metade do que economizou em mídias adicionais, o que ajudou a impulsionar seu crescimento, e o restante transformou-se diretamente em lucro.
A empresa mantinha relações duradouras com várias agências de mídia. Mas ela queria consolidar suas compras de mídia e assegurar que estava obtendo os melhores talentos e os melhores preços de acordo com seu orçamento de mídia. Para verificar tudo isso, equipes de marketing e de procurement embarcaram em um processo altamente colaborativo de análise de ofertas competitivas, com duração de cinco meses.
Em preparação para o evento, a área de procurement realizou uma análise detalhada dos gastos de mídia da empresa ao longo do tempo. A equipe examinou mais de 100 mil linhas de dados referentes a gastos com mídias tradicionais e digitais – chegou a desmembrar as compras de anúncios em televisão em nove atributos-chave (por exemplo, rede, programa, duração e horário de veiculação) para criar uma cesta representativa de cerca de 300 futuras compras de mídia, as quais solicitaria às potenciais agências para cotarem. A equipe avaliou as demais compras de mídias tradicionais e digitais em relação aos itens dessa cesta, o que lhe permitiu estimar o custo total de aquisição de mídias a partir das cotações apresentadas pelas agências.
A equipe de procurement trabalhou então lado a lado com o marketing para entender exatamente o que este departamento exigia de suas agências de mídia. Em seguida, analisou o mercado em busca de tendências – e também de capacidades emergentes para fazer face a elas. Com essas informações em mãos, a equipe conjunta marketing/procurement identificou algumas agências com as quais poderiam trabalhar, incluindo um mix de agências antigas e novas. As agências selecionadas foram convidadas a participar de um rigoroso processo seletivo em diversas etapas, que incluiu apresentação de propostas, tarefas escritas e inúmeras demonstrações para a equipe de marketing.
Você realmente entende como os clientes do seu negócio compram?
Enquanto a equipe de marketing avaliava as capacidades e o fit cultural das agências, a de procurement analisava as detalhadas cotações de compras de mídia que elas haviam apresentado e comparava-as com os itens de sua cesta. Esse processo abrangeu também várias etapas e foi oferecida às agências a oportunidade de ajustarem seus preços (caso estivessem muito desalinhados com os de seus concorrentes).
Depois que a equipe de marketing escolheu suas agências preferenciais, as duas funções iniciaram juntas um minucioso processo de negociação. Procurement usou técnicas de clean sheet para comparar o valor que cada agência cobraria para atender a conta da empresa com o custo real das pessoas e recursos necessários para fazê-lo. Dessa forma, incentivou as agências a deixarem claros as premissas de custos subjacentes a suas propostas. O processo de negociação também incluiu a criação de um novo modelo de incentivos que recompensaria as agências que atingissem os objetivos estratégicos da empresa e, ao mesmo tempo, controlasse o custo total.
Ao final do processo, o esforço conjunto proporcionou resultados extraordinários. Profissionais de marketing das várias marcas da empresa concordaram em consolidar suas atividades de planejamento e compra de mídias em uma única agência. Não obstante, os novos acordos reduziram os custos gerais de mídia em mais de 20% e os honorários da agência em mais de 10%.
A análise inicial que a equipe de procurement fez daquelas milhares de compras individuais também continuou a trazer benefícios. A empresa instituiu barreiras de preço para assegurar que a agência estava de fato obtendo os descontos prometidos em todas as categorias de gastos com mídia. E, comparando o custo de diferentes slots de mídia com sua capacidade de atingir metas estratégicas, a empresa também identificou outras possíveis economias modificando o mix de mídias que adquiria. Por exemplo, foi capaz de transferir verbas para canais mais eficientes ou para horários de veiculação mais baratos, mas que ainda atingissem o público certo, com qualidade, alcance e frequência adequados para suas marcas.
À medida que os novos hábitos dos clientes obrigam as empresas a transformar sua abordagem de marketing, elas passam a buscar novas ferramentas para ajudá-las a maximizar o valor de seus esforços. Funções de procurement bem-sucedidas já descobriram muitas dessas ferramentas. O desafio para executivos e CPOs é demonstrar a seus colegas de marketing que a contribuição de sua função é não apenas útil, mas também vital, e criar novos relacionamentos altamente colaborativos e capazes de prestar essa contribuição em um ambiente dinâmico e em rápida evolução.