Nas últimas décadas, as cadeias de valor cresceram em extensão e complexidade à medida que as empresas expandiram em todo o mundo na busca por melhorias de margem. Desde 2000, o valor dos produtos intermediários comercializados globalmente triplicou, para mais de $10 trilhões anualmente. As empresas que tiveram sucesso na implementação do lean, modelo global de manufatura, conquistaram melhorias em indicadores como níveis de estoque, entregas on-time-in-full (OTIF) e lead times mais curtos.
No entanto, essas escolhas de modelo operacional por vezes levaram a consequências indesejadas quando não foram calibradas para a exposição a riscos. Redes de produção complexas foram desenhadas para obter melhorias em eficiência, custos e proximidade dos mercados, mas não necessariamente transparência ou resiliência. Agora, elas estão operando em um mundo onde as rupturas são ocorrências regulares. Estabelecendo uma média entre as indústrias, as empresas agora podem esperar que ocorram rupturas de supply chain com duração de um mês ou mais a cada 3,7 anos e que os eventos mais severos tenham um alto custo financeiro.
O risco que cada indústria enfrenta em sua cadeia de valor reflete seu nível de exposição a diferentes tipos de choques, além das vulnerabilidades de uma empresa em particular ou da cadeia de valor como um todo. Uma nova pesquisa do McKinsey Global Institute explora os esforços de reequilíbrio que muitas empresas realizam em suas cadeias de valor de produção na busca por controlar o risco – não os desafios contínuos do negócio, mas choques mais profundos como crises financeiras, terrorismo, condições climáticas extremas e, claro, pandemias.
Hoje, a tecnologia está desafiando as antigas premissas de que a resiliência pode ser conquistada somente às custas da eficiência. Os últimos avanços oferecem novas soluções para executar cenários, monitorar muitas camadas de redes de fornecedores, acelerar tempos de resposta e até mesmo mudar os economics de produção. Algumas empresas de manufatura sem dúvida utilizarão essas ferramentas e criarão outras estratégias para chegar ao final da pandemia como as organizações mais ágeis e inovadoras.
Com choques se tornando mais frequentes e severos, as cadeias de valor da indústria variam em seu nível de exposição
A pandemia da COVID causou o maior e mais amplo choque de cadeia de valor de que se tem memória recentemente. Mas esta é apenas a mais recente de uma série de rupturas. Em 2011, um grande terremoto e tsunami no Japão fecharam fábricas que produziam componentes eletrônicos para carros, parando linhas de montagem no mundo inteiro. O desastre também afetou duramente o produtor mais avançado de lâminas de silício do mundo, do qual as empresas de semicondutores dependem. Apenas alguns meses depois, enchentes inundaram fábricas na Tailândia que produziam quase um quarto dos hard drives do mundo, deixando os fabricantes de computadores pessoais em grande dificuldade. Em 2017, o furacão Harvey, tempestade de categoria 4, arrasou o Texas e a Louisiana. O furacão causou ruptura em algumas das maiores refinarias de petróleo e instalações petroquímicas dos EUA, causando escassez dos principais plásticos e resinas em uma variedade de indústrias.
Esses fenômenos são mais do que apenas má sorte. Mudanças climáticas e na economia global estão aumentando a frequência e a magnitude dos choques. Em 2019, 40 desastres climáticos causaram danos de mais de $1 bilhão cada – e, nos últimos anos, o custo econômico causado pela maioria dos eventos extremos tem aumentado1. À medida que um novo mundo multipolar ganha contornos, estamos vendo mais disputas de comércio, maiores tarifas e maior incerteza geopolítica. A parcela do comércio global feito com países classificados na metade inferior do mundo em termos de estabilidade política, conforme avaliação do Banco Mundial, aumentou de 16% em 2000 para 29% em 2018. Apenas para efeito de comparação, quase 80% do comércio envolve nações com queda nos índices de estabilidade política2. A maior dependência de sistemas digitais aumenta a exposição a uma grande variedade de ciberataques; o número de novas variações de ransomeware sozinhas quase dobrou de 2018 para 20193. Supply chains interconectados e fluxos globais de dados, finanças e pessoas oferecem maior “área de superfície” para que o risco penetre, e o efeito cascata pode viajar por essas estruturas de rede rapidamente.
O Quadro 1 classifica diferentes tipos de choques com base em seu impacto, lead time e frequência de ocorrência. Em alguns casos, também mostramos choques hipotéticos como um conflito militar global ou um ciberataque sistêmico que diminuiriam a percepção dos mais graves choques que vivemos até aqui. Embora estas sejam apenas possibilidades remotas, de fato são cenários estudados e planejados por governos e especialistas em segurança. O impacto de um choque pode ser influenciado por sua duração, pelos efeitos em cascata que ele causa nas diferentes regiões e indústrias e se ele afeta apenas a oferta ou também a demanda.
A análise revela quatro categorias amplas de choques. Catástrofes são eventos historicamente marcantes que causam perdas de trilhões de dólares. Algumas são previsíveis e têm ciclos relativamente longos, enquanto outras não podem ser previstas. Padrões e probabilidades mais amplos podem nortear a prontidão em geral; furacões atingem o Golfo do México todos os anos, por exemplo. Porém, a manifestação de um evento específico pode chegar com pouco ou nenhum aviso. Isso inclui alguns desastres que o mundo evitou até hoje, como um ciberataque a sistemas globais fundamentais.
Rupturas são eventos graves e de alto custo, embora em uma escala menor que as catástrofes. Elas também podem ser divididas entre aquelas que anunciam sua chegada com antecipação (como as recentes disputas comerciais entre Estados Unidos e China e a saída do Reino Unido da União Europeia) e eventos imprevisíveis como violações de dados, recalls de produtos, rupturas de logística e acidentes industriais. As rupturas não geram o mesmo custo econômico cumulativo que as catástrofes.
As empresas tendem a focar grande parte de sua atenção na gestão dos tipos de choques que encontram mais frequentemente, que classificamos como “rupturas imprevisíveis”. Alguns outros choques como as disputas comerciais foram manchetes nos últimos anos e, como resultado, as empresas começaram a considerá-los em seu planejamento. Mas outros tipos de choques que ocorrem com menor frequência podem causar perdas maiores e também precisam estar no radar das empresas. A pandemia da COVID nos lembra que fatores atípicos podem ser raros, mas são possibilidades reais que as empresas precisam considerar em sua tomada de decisão.
Todos os quatro tipos de choques podem causar rupturas nas operações e supply chains, normalmente por períodos prolongados. Entrevistamos dezenas de especialistas em quatro indústrias (automotiva, farmacêutica, aeroespacial e de informática e eletrônica) para entender com que frequência esses choques ocorrem. Os entrevistados relataram que as suas indústrias passaram por rupturas significativas que se estenderam por um mês ou mais a cada 3,7 anos, em média. Rupturas mais curtas acontecem com uma frequência ainda maior.
Analisamos 23 cadeias de valor para avaliar sua exposição a tipos específicos de choques. O índice resultante (Quadro 2) combina vários fatores, incluindo quanto da atual presença geográfica da indústria é encontrada em áreas propensas a determinado tipo de evento, os fatores de produção afetados por esses eventos e a importância desses fatores para a cadeia de valor, além de outras medidas que aumentam ou reduzem a propensão.
A exposição a diferentes tipos de choques varia bruscamente por cadeia de valor. As indústrias aeroespacial e de semicondutores, por exemplo, são propensas a ciberataques e disputas comerciais em função de seu alto grau de digitalização, P&D, intensidade de capital e exposição a fluxos de dados digitais. No entanto, ambas as cadeias têm exposição relativamente baixa a eventos climáticos que avaliamos aqui (estresse por calor e enchentes) dada a localização de sua produção.
Tipos específicos de choques tendem a afetar mais certas indústrias. A pandemia, por exemplo, tem um impacto maior nas cadeias de valor que empregam mais mão de obra. Além disso, esse é um tipo de choque para o qual avaliamos os efeitos na demanda e na oferta. Como estamos vendo na crise atual, a demanda por produtos não essenciais e viagens despencou, atingindo as empresas de vestuário, derivados de petróleo e aeroespacial. Em contraste, embora a produção tenha sido afetada nas cadeias de valor como de agricultura e alimentos e bebidas, elas continuaram a ter forte demanda dada a natureza essencial de seus produtos.
Em geral, o estresse por calor tende a afetar mais cadeias de valor de uso intensivo de mão de obra (e algumas cadeias de alto uso de recursos) em função de sua dependência relativamente alta de mão de obra manual ou trabalho em áreas externas. O que perece surpreendente é que essas mesmas cadeias de valor sejam relativamente menos propensas a disputas comerciais, que estão cada vez mais focadas nas cadeias de valor com um alto grau de conhecimento e indústrias de alto valor.
De forma geral, as cadeias de valor com maior volume de negócios em termos de produção estão mais expostas que as de menor volume. Entre essas cadeias de valor de alta produção, estão algumas das mais procuradas por países: equipamentos de comunicação, informática e eletrônica e semicondutores e componentes. Essas cadeias têm como maior diferencial serem de alto valor e relativamente concentradas, destacando potenciais riscos para a economia global. Cadeias de valor que empregam mão obra de forma intensiva e têm alto volume de comércio, como vestuário, são altamente expostas ao risco de pandemias, estresse por calor (dada a sua dependência de mão de obra) e inundações. Por outro lado, cadeias de valor como as de vidro e cimento, alimentos e bebidas, borracha e plásticos e metais transformados têm exposição muito menor a choques; elas estão entre as cadeias com menor volume de comércio e as mais regionais.
Resumidamente, as cinco cadeias de valor mais expostas ao nosso conjunto de seis choques avaliados representam juntas $4,4 trilhões em exportações anuais, ou cerca de um quarto do comércio global de produtos (lideradas por derivados de petróleo, terceiro na classificação geral, com exportações de $2,4 trilhões). As cinco cadeias de valor menos expostas representam $2,6 trilhões em exportações. Das cinco cadeias mais expostas, vestuário representa a maior participação nos empregos, com pelo menos 25 milhões de postos de trabalho no mundo, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho4.
Mesmo cadeias de valor com exposição limitada a todos os tipos de choques que avaliamos não estão imunes a eles. Apesar das manchetes recentes, identificamos que a farmacêutica está relativamente menos exposta que a maioria das outras indústrias. Mas essa indústria tem sofrido com a ruptura causada por um furacão que atingiu Porto Rico e a preocupação com ciberataques é crescente. No futuro, a indústria poderá estar sujeita a maiores tensões comerciais e mudanças regulatórias e de políticas se os governos agirem para proteger a saúde pública. A indústria de alimentos e bebidas e a de agricultura também têm exposição relativamente baixa por serem globalmente dispersas. No entanto, essas cadeias de valor estão sujeitas estresses climáticos que deverão crescer ao longo do tempo. Além de causarem ruptura nas vidas e nos meios de subsistência de milhões de pessoas, esses estresses podem fazer com que as indústrias se tornem mais dependentes do comércio ou as forcem a fazer adaptações de alto custo.
Os choques exploram vulnerabilidades nas empresas e cadeias de valor
Os choques inevitavelmente parecem explorar os pontos fracos nas cadeias de valor mais amplas e em empresas específicas. As operações de supply chain de uma organização podem ser a fonte de vulnerabilidade ou resiliência, dependendo de sua efetividade no monitoramento dos riscos, implementação de estratégias de mitigação e definição de planos de continuidade do negócio.
Algumas dessas vulnerabilidades são inerentes a uma dada indústria; a perecibilidade dos produtos alimentícios e agrícolas, por exemplo, significa que as cadeias de valor associadas são altamente vulneráveis a atrasos e deterioração. Indústrias com demanda imprevisível, sazonal e cíclica também enfrentam desafios particulares. Fabricantes de eletrônicos precisam adaptar-se aos ciclos de vida relativamente curtos dos produtos e não podem perder picos nos gastos dos consumidores em janelas limitadas de determinados feriados.
Outras vulnerabilidades são consequência de decisões internacionais, como o volume de estoque que uma empresa decide manter, a complexidade de seu portfólio de produtos, o número de SKUs únicos em seu supply chain e a quantidade de dívida e seguro que ela possui5. Mudar essas decisões pode reduzir – ou aumentar – a vulnerabilidade a choques.
Pontos fracos normalmente são resultado da estrutura de redes de fornecedores em uma dada cadeia de valor. A complexidade não é necessariamente uma fraqueza, pois oferece às empresas redundâncias e flexibilidade. Porém, algumas vezes a balança pode pender. Redes complexas podem se tornar opacas, ocultando vulnerabilidades e interdependências. Uma grande empresa multinacional pode ter centenas de fornecedores no primeiro nível, dos quais ela compra componentes diretamente. Cada um desses fornecedores, por sua vez, depende de centenas de fornecedores de segundo nível. Todo o ecossistema de fornecedores associado a uma grande empresa pode englobar dezenas de milhares de empresas em todo o mundo quando os níveis mais profundos são considerados.
O Quadro 3 aplica analytics de rede para ilustrar a complexidade dos ecossistemas de abastecimento de primeiro e segundo níveis em duas empresas da Fortune 500 na indústria de informática e eletrônica. Esse quadro se baseia em dados publicamente disponíveis e pode não ser exaustivo6. As redes de múltiplos níveis e multinacionais contêm milhares de empresas e se estendem até níveis mais profundos, que não são apresentados neste artigo. Esta ilustração também destaca o fato de que, mesmo dentro da mesma indústria, as empresas podem tomar decisões muito diferentes sobre como estruturar os ecossistemas de abastecimento, com implicações para o risco.
As redes de fornecedores das empresas variam de formas que podem definir sua vulnerabilidade. Gastos concentrados em poucos fornecedores podem facilitar sua gestão, mas também aumentam a vulnerabilidade se algo acontecer aos fornecedores. Os fornecedores frequentemente se abastecem; uma forma de vulnerabilidade estrutural é um fornecedor de subnível que representa um gasto relativamente baixo, mas é coletivamente importante para todos os participantes. O número de níveis de fornecedores participantes pode dificultar a visibilidade e a identificação de novos riscos. Fornecedores que são dependentes de um único cliente podem causar problemas quando choques de demanda atingirem progressivamente uma cadeia de valor. A falta de fornecedores substitutos é outra vulnerabilidade estrutural.
Em alguns casos, os fornecedores podem ser concentrados em uma única região devido à especialização do país e a economias de escala. Um desastre natural ou conflito localizado naquela parte do mundo pode causar uma escassez crítica que afetará toda a rede. Algumas indústrias, como a de celulares e equipamentos de telecomunicação, tornaram-se mais concentradas nos últimos anos, enquanto outras, incluindo a de dispositivos médicos e a aeroespacial, menos concentradas (Quadro 4). A cadeia de valor do setor aeroespacial, por exemplo, diversificou-se em parte devido ao acesso seguro ao mercado.
Mesmo nas cadeias de valor que normalmente são geograficamente mais diversificadas, a produção de certos produtos-chave pode ser desproporcionalmente concentrada. Muitos ingredientes de baixo valor ou básicos na indústria farmacêutica são predominantemente produzidos na China e na Índia, por exemplo. No total, identificamos 180 produtos nas cadeias de valor para os quais um país representa 70% ou mais das exportações, criando potencial para gargalos. A cadeia de valor de produtos químicos tem um número particularmente elevado de produtos altamente concentrados, mas há exemplos em diversas indústrias. Outros produtos podem ter sua produção em regiões diversas, mas têm graves restrições de capacidade que podem criar gargalos se a produção for paralisada. A diversificação geográfica não é inerentemente positiva, especialmente se a produção e o fornecimento se expandirem para áreas mais expostas a choques.
Ao longo de uma década, as empresas podem esperar que as rupturas possam causar a perda do lucro de metade de um ano ou mais
Quando as empresas entendem a magnitude das perdas que podem sofrer com as rupturas de supply chain, elas podem ponderar quanto investir em mitigação. Construímos demonstrações de resultados e balanços patrimoniais representativos para empresas hipotéticas em 13 indústrias diferentes, usando dados reais das 25 maiores empresas de capital aberto em cada uma. Isso nos permite analisar sua performance financeira sob pressão..
Exploramos dois cenários envolvendo choques severos e prolongados:
- Cenário 1. Uma paralisação completa da produção por 100 dias que afeta a entrega de matérias-primas e insumos-chave, mas não canais de distribuição e logística. Nesse cenário, as empresas ainda podem entregar produtos ao mercado. Porém, quando o estoque seguro estiver esgotado, sua receita será afetada.
- Cenário 2. O mesmo que no caso acima, mas neste caso os canais de distribuição também são afetados, o que significa que as empresas não podem vender seus produtos, mesmo que elas tenham estoque disponível.
Nossa escolha para modelar uma ruptura de 100 dias se baseia em uma avaliação extensa de eventos históricos. Apenas em 2018, os cinco eventos mais disruptivos de supply chain afetaram mais de 2 mil sites no mundo e as fábricas precisaram de 22 a 29 semanas para se recuperar7.
Nossos cenários mostram que um único choque de produção prolongado destruiria entre 30 e 50% do EBITDA de um ano das empresas na maioria das indústrias. Um evento que provoca a ruptura de canais de distribuição pode aumentar as perdas significativamente de algumas empresas.
Indústrias em que as empresas normalmente mantêm mais estoques e têm menores custos fixos tendem a sofrer perdas financeiras relativamente menores com choques. Se um desastre natural atinge um fornecedor, mas os canais de distribuição permanecem abertos, os níveis de estoque tornam-se uma segurança. No entanto, a empresa downstream ainda sofrerá uma fuga de caixa quando chegar o momento de reabastecer seu estoque de segurança esgotado. Quando uma ruptura é mais longa que a disponibilidade de estoque de segurança, menores custos fixos tornam-se importantes para resistir a uma queda no EBITDA.
Após calcularmos o dano causado por uma ruptura grave e prolongada em particular, a partir de probabilidades estimamos o impacto no resultado que as empresas podem esperar em uma década. Combinamos a frequência esperada de rupturas nas cadeias de valor de diferentes extensões com o impacto financeiro sobre empresas de diferentes indústrias. Em média, as empresas podem esperar perdas iguais a quase 45% do lucro de um ano em uma década (Quadro 5). Esse percentual é igual a 7 pontos percentuais de queda, em média. Não realizamos avaliação do grau em que o custo dessas rupturas já foi precificado nos valuations.
Estes não são riscos futuros distantes, mas padrões atuais e contínuos. Além dessas perdas, há um outro risco de perder permanentemente participação de mercado para concorrentes que conseguem sustentar operações ou se recuperar mais rapidamente, sem mencionar o custo de reconstruir ativos físicos danificados. No entanto, essas perdas esperadas precisam ser ponderadas no contexto dos lucros adicionais que as empresas obtêm com supply chains altamente eficientes e de longo alcance.
As cadeias de valor globais mudarão conforme o país?
Hoje, grande parte da discussão sobre resiliência nas economias avançadas se dá em torno da ideia de aumentar a produção nacional. Porém, a natureza altamente interconectada limita o argumento econômico para fazer mudanças de larga escala na localização física das cadeias de valor. As cadeias normalmente abrangem milhares de empresas interconectadas e suas configurações refletem especialização, acesso a mercados consumidores em todo o mundo, relacionamentos duradouros e economias de escala.
Começamos a estimar que parcela das exportações globais poderiam mudar para diferentes países com base no argumento de negócio e quanto poderia mudar em função de intervenções de políticas. Para determinar se a economia da indústria por si só sustenta uma mudança geográfica futura, consideramos uma série de fatores. Um deles é se existe algum movimento já em andamento. Entre 2015 e 2018, por exemplo, a participação no comércio dos três países líderes em exportação de vestuário caiu. Por outro lado, os três países líderes em semicondutores e comunicação mobile aumentaram sua participação no comércio significativamente.
Consideramos ainda se a cadeia de valor é de intenso uso de capital ou conhecimento ou se é ligada a geologia e recursos naturais. Todos esses fatores tornam a relocação menos viável. Cadeias de valor de alto uso de capital são mais difíceis de transferir pela simples razão de que representam centenas de bilhões de dólares em investimentos fixos. Essas indústrias têm economias de escala fortes, o que as torna mais caras para transferir. Cadeias de valor com alta intensidade de conhecimento tendem a ter ecossistemas especializados que se desenvolveram em locais específicos, com fornecedores únicos e talentos especializados. Mudar a produção desse ecossistema para um novo local implica um alto custo. Finalmente, cadeias de valor com níveis comparativamente altos de comércio extrarregional têm mais escopo para redução que aquelas já regionalizadas. Também consideramos o crescimento geral, a localização dos principais (e em ascensão) mercados consumidores, a intensidade do comércio e a dinâmica de inovação.
Em relação aos fatores não econômicos, consideramos o desejo dos governos de apoiar a segurança e a competitividade nacionais e a autossuficiência. Alguns países estão focando em proteger tecnologias com implicações de uso duplo (civil e militar), o que pode afetar cadeias de valor como as de semicondutores e equipamentos de comunicação, especialmente com a construção das redes 5G. Em outros casos, os governos estão buscando políticas industriais voltadas a capturar liderança na participação em novas tecnologias, que vão de computação quântica e inteligência artificial a energia renovável e veículos elétricos. Essa orientação dos governos tem o potencial de redirecionar cadeias de valor. Por sua vez, a autossuficiência sempre foi uma questão relacionada a energia. Agora, a pandemia da COVID trouxe de volta a importância da autossuficiência em alimentos, produtos farmacêuticos e certos equipamentos médicos.
Estimamos que 16 a 26% das exportações, $2,9 a 4,6 trilhões em 2018, estão em jogo – tanto em se tratando de reverter para produção nacional, fazer nearshoring ou promover novas rodadas de offshoring de novos locais. É importante ter clareza de que essa não é uma previsão: é uma estimativa aproximada da parcela que o comércio internacional pode realocar nos próximos 5 anos, não sendo uma afirmação de que realmente haverá transferência.
As cadeias de valor com maior participação no total de exportações potencialmente em jogo são a farmacêutica, de vestuário e de equipamentos de comunicação. Em termos de valores, as cadeias de valor com maior potencial de transferir a produção para novos locais são a de petróleo, vestuário e farmacêutica8. Em todos esses casos, mais da metade de suas exportações globais podem ser transferidas. Com algumas exceções, a viabilidade econômica e a não econômica das mudanças geográficas não se sobrepõem. Dessa forma, os países precisam estar preparados para gastar somas consideráveis para induzir mudanças de locais de produção considerados economicamente ideais.
De forma geral, o argumento econômico para transferência é mais viável para cadeias de valor que empregam mais mão de obra, como móveis, têxtil e vestuário. Essas cadeias de valor já estavam se mudando dos locais de seus principais produtores atuais, onde o custo de mão de obra aumentou. A continuação dessa tendência pode representar uma oportunidade real para algumas economias em desenvolvimento. Por outro lado, cadeias de valor que empregam muitos recursos, como mineração, agricultura e energia, normalmente são restritas pela localização dos recursos naturais que fornecem insumos cruciais. Porém, considerações de política podem incentivar nova exploração e desenvolvimento que podem mudar cadeias de valor nas margens.
As cadeias de valor na categoria de inovações globais (semicondutores, automotivo, aeroespacial, maquinário, comunicação e farmacêutica) estão sujeitas ao maior escrutínio e possível intervenção de governos devido a seu alto valor, tecnologias de ponta e sua importância percebida para a competitividade nacional. Porém, a viabilidade de transferir essas cadeias de valor somente com base na economia é baixa.
As redes de produção começaram a se regionalizar nos últimos anos e essa tendência pode persistir à medida que o crescimento na Ásia continua a ser maior que o crescimento global. Porém, as multinacionais com instalações de produção em países como China, índia e outros emergentes normalmente estão presentes nesses locais para atender mercados consumidores locais, exportando ou não a partir deles. À medida que a prosperidade aumenta nesses países, eles se tornam fontes-chave de crescimento global que as empresas continuarão a buscar.
As empresas têm uma variedade de opções para aumentar a resiliência
Em uma pesquisa da McKinsey com executivos de supply chain realizada em maio de 2020, a grande maioria de 93% afirmaram que planejam adotar medidas para tornar seus supply chains mais resilientes, incluindo a criação de redundâncias de fornecedores, nearshoring, redução do número de peças únicas e regionalização dos supply chains.
Fortalecer a gestão de riscos em supply chain e melhorar a transparência de ponta a ponta
A manufatura global acabou de adotar uma variedade de tecnologias como analytics e inteligência artificial, Internet das Coisas, robótica avançada e plataformas digitais. As empresas agora têm acesso a novas soluções para processar cenários, avaliar compensações, melhorar transparência, acelerar respostas e até mesmo mudar a economia da produção.
A maioria das empresas ainda está na fase inicial de seus esforços para conectar toda a cadeia de valor com um fluxo ininterrupto de dados. O digital pode gerar grandes benefícios para a eficiência e a transparência que ainda poderão ser totalmente concretizados. A gigante de bens de consumo Procter & Gamble, por exemplo, tem um sistema de torre de controle centralizado que fornece uma visão de toda a empresa nas diferentes regiões e produtos. Esse sistema integra dados em tempo real, de níveis de estoque a atrasos de transporte e condições climáticas, para suas plantas e fornecedores e distribuidores. Quando ocorre um problema, o sistema pode processar cenários para identificar a solução mais eficaz9.
Desenvolver uma visão abrangente do supply chain por meio de mapeamento detalhado de subníveis é um passo crítico para identificar relacionamentos ocultos que podem criar vulnerabilidade. Hoje, a maioria das grandes empresas tem uma visão apenas nebulosa além de seus fornecedores nível 1 e talvez de alguns grandes fornecedores nível 2. Trabalhar com as equipes de operações e produção para analisar as listas técnicas de cada produto pode revelar se insumos críticos são obtidos em áreas de alto risco e que não têm substitutos imediatos. As empresas também podem trabalhar com seus fornecedores nível 1 para criar transparência. Porém, em casos em que esses fornecedores não têm visibilidade de si mesmos ou consideram seu abastecimento informação proprietária, as equipes de gestão de risco podem precisar buscar outras fontes de informação para fazer um trabalho investigativo. Após mapear fornecedores upstream, empresas downstream precisam entender a presença de sua produção, a estabilidade financeira e os planos de continuidade dos negócios.
Minimizar a exposição a choques
Medidas direcionadas extraídas antes que um evento ocorra podem mitigar o impacto de um choque ou acelerar a recuperação. À medida que mais ativos físicos forem digitalizados, por exemplo, as empresas precisarão aumentar seus investimentos em ferramentas e equipes de cibersegurança.
Um dos passos mais importantes é criar redundância nas redes de fornecedores. Depender de uma única fonte para matérias-primas ou componentes críticos pode ser uma vulnerabilidade. Aliás, mesmo que uma empresa dependa de vários fornecedores, eles podem estar concentrados no mesmo local. Dedicar tempo para identificar, pré-qualificar e integrar fornecedores de reserva tem um custo. Porém, esse esforço pode oferecer a capacidade necessária se houver uma crise. Auditar e diversificar o supply chain pode ter o benefício adicional de reduzir a intensidade da emissão de carbono, criar normas ambientais e trabalhistas e expandir oportunidades para empresas de mulheres e minorias.
Uma forma de alcançar a resiliência em supply chain é desenhar produtos com componentes em comum, reduzindo o uso de peças customizadas em diferentes produtos. Fabricantes automotivos talvez sejam os mais avançados nesse sentido, tendo implementado plataformas modulares de fabricação que compartilham componentes nas diferentes linhas de produtos e locais de produção.
Ativos físicos podem precisar ser fortalecidos para resistir a desastres naturais. Em regiões vulneráveis a furacões e tempestades, esse fortalecimento pode envolver a instalação de anteparos, aumento do maquinário crítico e dos equipamentos de serviços, acréscimo de mais vedação à prova d´água e reformulação de drenagem e válvulas. Muitas fábricas que não possuem ar-condicionado hoje precisarão de sistemas de refrigeração para preparar-se para aumento nas temperaturas e possíveis ondas de calor em algumas partes do mundo. Plantas localizadas em áreas sujeitas a terremotos podem precisar de renovação dos equipamentos sísmicos. As empresas também podem construir mais redundâncias nos transportes e na logística.
Quando um choque ocorre, as empresas precisam ter capacidade de responder rapidamente
A mudança para os sistemas de produção just-in-time e lean ajudou as empresas a melhorar sua eficiência e reduzir a necessidade de capital de giro. No entanto, agora elas podem precisar ter um equilíbrio diferente entre just-in-time e just-in-case. Ter estoque suficiente dos principais componentes e estoque de segurança é uma proteção crítica que pode minimizar o impacto financeiro das rupturas em abastecimento. Essa proteção também pode ajudar as empresas a atender picos repentinos de demanda.
A capacidade de redirecionar componentes e flexibilizar a produção dinamicamente entre locais de produção pode manter a produção ativa após um choque. Essa capacidade requer sistemas digitais robustos e musculatura de analytics para processar cenários com base em diferentes respostas. Quando a pandemia da COVID começou, a Nike usou analytics preditivos para reduzir o preço dos produtos seletivamente e reduzir a produção antecipadamente para minimizar o impacto. A empresa também conseguiu redirecionar produtos de lojas físicas para o e-commerce, usando em parte as vendas online diretas ao consumidor por meio de seu aplicativo de treinamento. Com essa estratégia, a Nike sustentou uma queda menor nas vendas que alguns de seus concorrentes.
Quando ocorrem desastres, as empresas precisam ser altamente focadas na gestão de caixa. Porém, aquelas no topo de uma cadeia de valor também têm o claro interesse em preservar as redes de fornecedores das quais dependem. No cálculo da crise financeira global, algumas empresas aceleraram pagamentos ou garantiram empréstimos bancários para dar aos principais fornecedores um socorro.
Assim como aconteceu recentemente em função do Brexit e das tensões comerciais entre EUA e China, a pandemia da COVID forçou as empresas a se concentrarem em fortalecer a resiliência de seus supply chains e operações. Na verdade, nem tudo que pode dar errado dá errado, mas empresas e governos não podem ser pegos desprevenidos quando desastres acontecem. Preparar-se para eventos hipotéticos futuros tem um custo nos dias atuais. Mas esses investimentos podem gerar retorno ao longo do tempo – não apenas minimizando perdas, mas também melhorando as capacidades digitais, impulsionando a produtividade e fortalecendo ecossistemas inteiros da indústria. Mais que uma compensação entre resiliência e eficiência, esse reequilíbrio pode criar uma relação vantajosa para todos.