Tradicionalmente, o procurement tem sido o eficiente burro de carga das organizações, gerando economias de custos ponto percentual por ponto percentual, contrato por contrato. No entanto, apesar do enorme impacto que uma gestão de gastos robusta pode ter na geração de valor, a verdade é que, em muitos segmentos, o procurement ainda é basicamente uma função transacional com escopo de influência limitado. Atualmente, dá-se pouquíssima atenção a uma função que, considerando-se o ritmo de mudanças sem precedentes no mundo de hoje, poderia, de fato, gerar vantagens competitivas diferenciadas para a organização.
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No momento, estão ocorrendo, no âmbito mundial, grandes mudanças às quais o procurement deve reagir: as cadeias de valor estão se tornando mais complexas e voláteis, com os maiores riscos e oportunidades que acompanham essa complexidade; há desenvolvimentos na digitalização, automação e analytics que podem liberar um potencial antes inexplorado; e agora está mais difícil do que nunca acompanhar a aceleração das inovações e avanços tecnológicos sem parcerias externas. Esse cenário em rápida mutação impõe a necessidade de mudar a maneira pela qual o procurement atua enquanto função de negócios e traz, também, a oportunidade de ampliar o escopo da influência do procurement em uma organização.
Para vencer nesse futuro mais complexo e digital será necessária uma transformação total do procurement como função: ter atribuições mais amplas, muito além da mera redução de custos; investir em digitalização, automação e analytics; e repensar a organização de procurement.
Então, onde, exatamente, os líderes de procurement devem começar a transformar sua função? Como ponto de partida, vamos observar mais de perto as mudanças mundiais mais importantes e as respectivas implicações.
A volatilidade traz riscos – e oportunidades
Desde 1980, o comércio inter-regional aumentou oito vezes em nível mundial, tornando os supply chains mais internacionais e interconectados. No entanto, com o rápido crescimento de todos os mercados emergentes, com as menções cada vez mais frequentes a guerras comerciais e com a intensificação das preocupações referentes à sustentabilidade, os supply chains internacionais estão ficando mais complexos, mais voláteis e mais sujeitos a riscos. As funções de procurement precisam ser mais adaptáveis do que nunca para reagir a isso.
Mudanças recentes nas políticas de comércio internacional estão obrigando as grandes multinacionais a repensar suas estratégias de suprimento. Segundo algumas projeções, por exemplo, o Brexit pode custar às montadoras do Reino Unido bilhões de dólares em tarifas adicionais e, potencialmente, obrigar algumas a levar a produção para outro lugar. Muitos outros setores também estão passando por reviravoltas significativas devido à natureza mutável das relações comerciais entre os Estados Unidos e outros países.
Ao mesmo tempo, prevê-se que, até 2025, as regiões emergentes abrigarão quase 230 empresas da lista Fortune Global 500, em comparação com 85 em 2010 (Quadro 1). Em uma economia mundial em processo de reequilíbrio, as equipes de procurement precisam olhar além dos tradicionais locais de baixo custo na China e na América Latina e explorar novos mercados emergentes na África ou no Sudeste Asiático, que se tornaram atraentes para novas oportunidades internacionais de sourcing.
Aumentar a atenção corporativa às práticas socialmente responsáveis é um desafio adicional na gestão dos complexos supply chains internacionais. Em virtude da maior transparência – e da maior expectativa de transparência –, um comportamento antiético mesmo por parte de um fornecedor de nível 2 ou 3 tem impactos na reputação da organização de compras. Embora o sourcing ético não seja uma tendência nova, a ênfase que os consumidores estão dando a isso ao tomarem decisões de compra é algo novo. E as empresas estão reagindo: na Pesquisa Global McKinsey sobre Sustentabilidade realizada em 2017, entrevistados de todas as regiões relataram aumentos significativos na adoção de tecnologias relacionadas à sustentabilidade.
Tomemos, por exemplo, o uso de blockchain na mineração de cobalto, um mineral essencial para os setores automotivo e de aparelhos móveis. Relatos de abusos trabalhistas em minas de cobalto levaram produtores e clientes a implantar tecnologias de blockchain: cada saco de cobalto é lacrado com uma etiqueta digital que garante total rastreabilidade a locais de mineração com conformidade comprovada, o que cria uma nova fonte de diferenciação competitiva.
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Automação, digitalização, analytics: mudanças profundas no procurement
À semelhança do que vem acontecendo com outras funções, a disrupção digital já está em curso no procurement. Tecnologias revolucionárias, como a automação, a digitalização e o advanced analytics, estão permitindo uma transformação no funcionamento do procurement, ao capacitarem as funções de procurement a identificar e captar fontes de valor antes inexploradas.
Pelas estimativas de um estudo recente, quase metade das atividades de procurement pode ser automatizada por meio de tecnologias que já estão disponíveis hoje (Quadro 2). Esses avanços prometem liberar recursos tradicionalmente dedicados a atividades transacionais para serem reinvestidos no procurement estratégico e na busca de fontes de valor inovadoras.
A inteligência artificial e o machine learning estão chegando ao ponto de resolver o eterno problema da qualidade dos dados. Grandes conjuntos de dados de gastos provenientes de sistemas de planejamento de recursos empresariais (ERP) podem ser categorizados regularmente por meio de algoritmos de mineração de texto para decifrar até mesmo gastos mal codificados. As análises complexas de gastos podem ser atualizadas de maneira automática por meio de soluções de inteligência de gastos capazes de extrair e analisar dados de gastos repetidamente para gerar insights com o mínimo de esforço.
Além da automação, nossa experiência recente indica que as soluções digitais inovadoras em procurement podem gerar um aumento de 3% a 10% na economia anual de custos. A título de exemplo, uma empresa de recursos com operações geograficamente dispersas digitalizou completamente o monitoramento dos indicadores-chave de desempenho (KPIs) dos fornecedores por meio do desenvolvimento de um aplicativo móvel que permitia aos supervisores de campo fornecer feedback em tempo real sobre o desempenho dos fornecedores. O resultado reduziu a perda de valor em até 5% através do aprimoramento das discussões de desempenho com os fornecedores sobre cumprimento de cronograma e de qualidade.
As soluções de inteligência de gastos viabilizadas por advanced analytics podem oferecer insights mais profundos nas categorias para revelar oportunidades no sourcing estratégico de commodities – particularmente para aquelas com preços voláteis devido ao custo instável dos insumos de matéria-prima. Fontes de dados díspares podem ser utilizadas para prever melhor os preços das commodities: por exemplo, uma construtora usou modelos de advanced analytics para prever os preços dos vergalhões com uma precisão superior a 90%, melhorando significativamente sua capacidade de participar de licitações em projetos futuros.
Por fim, sensores da Internet das Coisas (IoT) capazes de coletar, em tempo real, dados de equipamentos em operação estão sendo amplamente utilizados para reduzir o custo total do ciclo de vida de equipamentos e bens de consumo. Os fabricantes de pneus, por exemplo, agora estão colocando sensores em seus produtos e oferecendo plataformas digitais de monitoramento de pneus que ajudam as frotas a reduzir custos e aumentar o tempo de atividade por meio da análise dos dados para determinar as medidas corretivas ideais. As equipes de procurement e operações podem, então, gerar economias incrementais de custo total de propriedade no tempo de manutenção, protegendo os pneus de danos no longo prazo e, ao mesmo tempo, reduzindo as avarias relacionadas aos pneus e aumentando a segurança e a eficiência em termos de consumo de combustível.
A necessidade de ecossistemas de inovação
O ritmo dos avanços nas novas tecnologias é cada vez mais rápido em todos os setores. Como as organizações vêm tendo mais dificuldade para acompanhar esse ritmo, muitas delas estão buscando fazer mais parcerias com provedores de tecnologia – sejam parceiros estabelecidos, sejam startups, e seja dentro, seja fora da cadeia de valor tradicional – no desenvolvimento de um ecossistema de inovação. Devido à perspectiva singular que o procurement tem da maneira pela qual os fornecedores estão transformando suas ofertas, ele pode desempenhar um papel central na colaboração com os fornecedores, através, por exemplo, de modelos de negócios inovadores, criando parcerias para realizar pilotos ou investimentos conjuntos em novas tecnologias ou até mesmo fundando startups.
Um exemplo é o surgimento de modelos do tipo “qualquer coisa como serviço” ou de pagamento por uso / assinatura, mercado que deve crescer 38% de 2016 a 2020 em todo o mundo. Essas novas opções permitem que as empresas convertam grandes despesas de capital em despesas operacionais menores e estendidas por um prazo mais longo.
Os fabricantes de motores de avião, por exemplo, estão migrando cada vez mais para modelos de serviço de potência por hora (“power by the hour”) que usam sensores conectados à IoT para coletar dados em tempo real sobre condições dos componentes. Essa combinação permite que as empresas vendam o tempo de atividade do motor em vez de apenas os motores em si – e prolonga a vida útil do motor com melhor manutenção preditiva a um custo reduzido. Agora, os fabricantes de estruturas de aeronave estão cogitando um modelo semelhante para captar uma fatia maior do mercado de serviços de manutenção.
À medida que as corporações buscam acompanhar as tecnologias e os modelos de negócios que estão surgindo, os investimentos em startups da Indústria 4.0 triplicaram de valor desde 2013, sendo que a participação corporativa nos negócios cresceu para mais de 30% do investimento mundial total. As empresas que desejam estar na vanguarda da tecnologia e da inovação vêm buscando e sondando startups adequadas de forma ativa. O procurement pode desempenhar um papel de liderança tanto na identificação destes tipos de startups como na criação do contrato adequado, que permita flexibilidade na colaboração e no desenvolvimento conjunto. Por exemplo, uma empresa de mineração realizou recentemente eventos abertos regulares para as startups oferecerem seus produtos – e contratou os serviços de uma startup fabricante de um sensor que trabalha com a IoT e com inteligência artificial para reduzir os custos do monitoramento das condições, aumentar a confiabilidade do equipamento e diminuir o tempo de inatividade não planejado.
Five Fifty: Buy well
Que comece a transformação: ações para líderes de procurement
Essas tendências deixam poucas dúvidas de que o procurement está passando por uma disrupção. No entanto, como em qualquer mudança importante, pode ser difícil saber como os líderes devem começar a tirar proveito dessa disrupção. As perguntas são muitas: qual deve ser o papel do procurement na minha organização? Em quais tecnologias devemos investir? Que capacidades e talentos são necessários? Como sei que haverá retorno do investimento?
Com base em conversas com CEOs, CFOs (diretores financeiros) e CPOs (diretores de procurement) nos últimos 24 meses, identificamos um conjunto de ações nas quais todos os diretores de compras e líderes de procurement devem se concentrar para reagirem proativamente às tendências acima – quanto antes, melhor.
1. Repensar as atribuições do procurement
- Evoluir de um facilitador da redução de custos para um criador de vantagem competitiva sustentável, colaborando com as funções de estratégia, operações e outras para descobrir conjuntamente novas fontes de vantagem competitiva.
- Identificar a presença ideal de fabricação e suprimento, levando em conta a situação macroeconômica mundial atual e futura.
- Tirar proveito da estratégia de sourcing e de supply chain para criar uma proposta de marca diferenciada – por meio do sourcing ético, por exemplo.
- Identificar quais oportunidades de fusões e aquisições devem ser exploradas para tirar proveito de tecnologias emergentes ou modelos de negócios inovadores.
- Desempenhar o papel de Chief Ecosystem Officer (Diretor de Ecossistema), ampliando sua perspectiva para além da cadeia de valor tradicional e tornando-se uma fonte de inovação para sua organização.
- Promover um ecossistema de inovação – acelerar a adoção bem-sucedida de tecnologias inovadoras, explorando parcerias de investimento ou desenvolvimento conjunto com fornecedores.
- Explorar, com seus fornecedores estratégicos, modelos comerciais inovadores, como arranjos contratuais “como serviço”, a fim de gerar valor adicional por meio de pagamentos baseados em desempenho ou acordos vinculados a valores líquidos presentes.
2. Investir no digital e em analytics
- Usar automação e digitalização para otimizar os processos de procurement e melhorar a experiência dos clientes internos.
- Identificar onde a tecnologia pode liberar valor na sua organização – “value-back” em vez de “technology-forward” – e determinar como a digitalização, a automação ou o analytics podem gerar valor em cada uma das principais alavancas do procurement.
- Priorizar os investimentos nas oportunidades certas e criar um roteiro digital para sequenciar a implantação de tecnologias de maneira coordenada, liberando valor e recursos valiosos para reinvestimento.
- Liberar valores anteriormente inexplorados por meio de insights orientados por análises de dados e por advanced analytics.
- Investir na criação da infraestrutura de dados certa para permitir mais insights – por exemplo, usando inteligência de gastos para automatizar a limpeza e a análise dos dados, juntamente com modelos preditivos para prever melhor os preços das commodities e embasar as decisões de procurement.
- Tirar proveito de tecnologias de IoT e técnicas de advanced analytics a fim de criar novas fontes de insights que possam ser aplicadas para liberar novas fontes de valor, como a manutenção preditiva para melhorar o tempo de atividade do equipamento.
3. Preparar a sua organização para o futuro
- Investir em novos talentos e capacidades para a sua função de procurement e repensar as carreiras em procurement para ter sucesso em um mundo digital.
- Reequilibrar os papéis em direção a capacidades mais estratégicas que exigem novos conjuntos de habilidades (em analytics, digital, lean, seleção e desenvolvimento de parceiros, auditoria de sustentabilidade) e aumentam a automação das atividades transacionais.
- Repensar as carreiras em procurement – as habilidades tradicionais de procurement continuarão a ser essenciais, mas a adição de novas capacidades em digital e analytics pode exigir mais talentos novos, reciclagem profissional e rodízios funcionais com outras partes da organização.
- Estabelecer uma organização de procurement ágil para aumentar a eficiência dos processos e acompanhar as mudanças aceleradas.
- Criar equipes multifuncionais flexíveis e orientadas aos negócios para permitir o compartilhamento de habilidades especializadas – operacionais ou de procurement – em todas as equipes da categoria, promovendo a geração de ideias e aprimorando tanto a expertise na categoria quanto as capacidades de procurement.
- Adotar metodologias e abordagens ágeis onde for relevante, implantando sprints de categoria como uma abordagem multifuncional interativa para desenvolver e executar estratégias de categoria.
- Introduzir soluções digitais para aumentar a eficiência do processo de procurement, como gerentes de projetos baseados na nuvem para monitorar ações em toda a equipe ou plataformas de mensagens elaboradas para comunicações entre equipes.
As tendências globais que afetam o procurement hoje estão evoluindo rapidamente; essa função deve aumentar o foco nas oportunidades correspondentes e reagir com força. Embora isso levante muitas questões sobre qual é a melhor maneira de redefinir esse papel para captar valor, está claro que essa função terá um papel muito mais estratégico a desempenhar. Sua função de procurement está pronta para acertar os ponteiros?