Apresentamos Jackie, uma líder de unidade de negócio que passa a maior parte do dia tomando decisões operacionais, grandes e pequenas, que chegam à sua mesa. Essas decisões mantêm Jackie ocupada, mas resta pouco tempo para decisões estratégicas, como quais linhas de produto priorizar, que aquisições buscar ou como expandir o negócio para atingir as metas. Então, Jackie decide fazer uma mudança e informa à sua equipe que espere por mais delegação e responsabilidade.
Mas em questão de dias surgem problemas. Muitas decisões que Jackie tinha delegado acabam voltando para ela, seja diretamente ou por membros da equipe fazendo perguntas como “o que você faria no meu lugar?”. Os comitês de tomada de decisão de repente começam a atuar, exigindo ainda mais tempo e contribuição dela. Algumas decisões tomadas não são boas para a empresa. Outras demoram mais que o normal porque muitas pessoas são envolvidas no processo. Jackie fica mais ocupada do que nunca e ainda deixa de cumprir muitas de suas próprias metas. Como as coisas deram tão errado?
Empresas cada vez mais complexas e dinâmicas fazem com que gerentes e líderes como a Jackie tenham que tomar mais decisões, sob pressão de tempo e frequentemente com pouco ou nenhum tipo de dado. Identificamos que a tomada de decisão toma uma grande parte do tempo dos gestores—podendo chegar a 70% para executivos em nível de diretoria. Os custos de oportunidade são alarmantes: para a média das empresas da Fortune 500, eles normalmente chegam a mais de meio milhão de dias de tempo dos gestores, ou $250 milhões ao ano em salários1. O que é especialmente problemático é o fato de que, apesar do investimento massivo, a maioria dos participantes de uma pesquisa global da McKinsey afirmou que suas organizações não usam bem esse tempo de tomada de decisão.
Decisões delegadas
Como discutimos em artigos anteriores, nem todas as decisões nascem iguais, e as organizações deveriam tratar os diferentes tipos de decisões de forma diferente. Já escrevemos sobre o valor de classificar as decisões de acordo com sua frequência, risco e importância e as organizamos em quatro categorias amplas (Quadro 1)..
Neste artigo, vamos falar sobre uma delas: decisões delegadas. Estas são decisões bastante conhecidas e cotidianas, com escopo e impacto organizacional relativamente restritos, que são delegados à pessoa ou equipe mais próxima da questão ou problema central. Embora essas não sejam as decisões maiores ou mais complicadas que as organizações tomam, sua frequência significa que o impacto cumulativo pode ser significativo. Uma decisão individual de contratação, por exemplo, pode não ser um grande problema. Mas, ao longo do tempo, esse tipo de decisão de forma sistemática determina os talentos que a empresa tem e molda a sua cultura organizacional.
Identificamos que as organizações costumam subestimar o valor por trás de acertar nas decisões delegadas e a dificuldade de determinar esse valor. A maioria das empresas tem processos formais para decisões ousadas e inovadoras mais amplas, mas decisões delegadas passam despercebidas. Muito poucas são explicitamente delegadas - o que significa que um número muito limitado de funcionários sabe o que pode ou não pode decidir. E mesmo quando sabem, seus gestores desconhecem como apoiá-los na tomada de decisão. O resultado é que a porcentagem dos participantes de nossa pesquisa - pouco mais de um quarto - que disseram que suas organizações tomaram boas decisões delegadas (de alta qualidade e rápidas) foi comparativamente baixa.
A chave para chegar a melhores decisões delegadas é empoderar os funcionários desenvolvendo suas capacidades gerenciais para dar a eles autoridade ou poder de ação. É fácil dizer aos funcionários quais decisões eles podem ou não tomar, mas nossa pesquisa revela que apenas isso não é suficiente. Empoderamento requer que os gestores ofereçam aos seus funcionários as ferramentas que eles precisam para tomar decisões de alta qualidade e o nível certo de orientação e envolvimento da liderança nessas decisões.
Dar o nível certo de orientação nos momentos certos é uma habilidade crítica de liderança, mas que não ocorre naturalmente entre os gestores. A matriz de arquétipos gerenciais destaca o esforço e a jornada que os gestores enfrentam quando buscam empoderar seus funcionários (Quadro 2). Você pode reconhecer um ex-gestor, amigo, colega - ou até você mesmo - nesses arquétipos.
Os gestores, em sua maioria, começam sendo centralizadores e microgestores. Ambos se caracterizam por serem excessivamente práticos e controladores, tendendo a sobrepor as decisões dos funcionários se não gostarem delas. Tipos de gestão de alto envolvimento surgem por muitas razões - normalmente, a partir de normas e expectativas que as organizações impõem aos gestores: necessidade de serem exemplos de comportamento, de mostrarem atitudes e de atribuírem responsabilização diante de falhas ou de definirem prioridades corporativas. Alguns gestores sentem que os subordinados não têm as habilidades ou capacidades necessárias para tomar boas decisões por si sós ou que não são suficientemente responsáveis. Se realmente faltam capacidades, a abordagem de microgestão pode mesmo ser a mais adequada para uma decisão. No longo prazo, no entanto, as duas abordagens tiram a responsabilidade dos funcionários de forma que eles se tornam ineficientes, sobrecarregam o tempo e a atenção da alta gerência e sentem-se desvalorizados, desmotivados e desengajados.
Líderes em outro arquétipo têm a intenção de empoderar os funcionários por meio de um menor envolvimento e de uma “torcida na lateral do campo”. Os gestores chamados de líderes de torcida afastam-se das decisões, intervindo apenas ocasionalmente para aumentar o moral. Muitos líderes e funcionários assumem que o empoderamento envolve passar de uma postura de microgestão para líder de torcida na matriz de arquétipos. Líderes sobrecarregados e experientes normalmente tendem a fazer essa transição. Líderes de torcida são os gestores que mais tendem a delegar autoridade de tomada de decisão para os seus melhores talentos, liberando mais tempo para si mesmos. Se de fato esses gestores identificaram os melhores para os seus papéis, eles não deveriam precisar de menos suporte?
A resposta é não. A abordagem de líder de torcida é uma armadilha perigosa para líderes e funcionários. Quando os líderes participam esporadicamente, eles podem parecer prejudicar ou questionar as capacidades de tomada de decisão dos funcionários quando se manifestam: se os gestores se engajam com seus funcionários apenas como último recurso, o coaching se torna um exercício negativo reservado para quem está com dificuldades. O efeito em cadeia é deixar os protegidos que tomam as decisões – normalmente, os funcionários mais talentosos – sem o benefício de tempo para coaching e preparação a ser fornecido pelos líderes mais experientes, que podem orientá-los para que possam se desenvolver mais. Enquanto isso, os líderes de torcida se distanciam do trabalho importante e das oportunidades de intensificar seu próprio crescimento ao dar coaching a colegas talentosos menos experientes. Ao longo do tempo, os músculos que impulsionam um estilo de gestão inspirador, positivo e envolvido começam a atrofiar.
O empoderamento bem-sucedido, de forma contraintuitiva, não significa abandonar os funcionários. O arquétipo gerencial que realmente empodera pessoas para tomar boas decisões delegadas é o que chamamos de coach. Coaches práticos mas não diretivos não dizem para as pessoas o que fazer – em vez disso, dão orientações e garantias para a tomada de decisões e garantem que haja responsabilização, afastando-se e permitindo que outras pessoas avancem. Essa abordagem pode parecer como um senso comum. Porém, existe uma grande diferença entre entender o que fazer e ser capaz de fazer, e esse estilo de gestão traz consigo alguns desafios comuns (Quadro 3).
Para iniciantes, o estilo de gestão de coaching não vem naturalmente. A habilidade de empoderar as pessoas é uma capacidade e vai além de apenas estabelecer um modelo claro para RACI2. O estilo de coaching requer um equilíbrio entre a frequência de interação e o nível de envolvimento. Normas arraigadas costumam dificultar o empoderamento. Algumas organizações veem o empoderamento como um sinal de fraqueza, uma renúncia ao controle. Em organizações em que as recompensas por sucesso são tímidas em comparação com as punições por falhas, o empoderamento pode ser genuinamente arriscado tanto para funcionários quanto para gestores.
E mais, um coaching de alta qualidade é visto simplesmente como uma perda de tempo. Preparar os funcionários para assumir responsabilidades de tomada de decisão requer um investimento inicial considerável de coaching gerencial. Gestores e funcionários precisam de tempo para aprender como trabalhar nessa nova forma de se relacionar. Essa necessidade pode desacelerar temporariamente a tomada de decisão e aumentar a carga de trabalho dos gestores que querem dar coaching, induzindo-os a repensar a forma de gestão e a acelerar as coisas – com isso, podem acabar se dando conta de que voltaram às relações codependentes.
Nossa pesquisa mostra que resistir à tentação da satisfação instantânea e trabalhar para superar esses desafios vale a pena. Organizações cujos líderes conseguem empoderar outras pessoas usando o coaching têm quase quatro vezes mais chances de tomar boas decisões do que aquelas cujos líderes não conseguem, além de superar financeiramente a performance de seus pares de indústria. Funcionários empoderados também são mais engajados, trabalham mais arduamente e são mais leais à empresa. Suas decisões delegadas normalmente geram resultados mais rápidos, melhores e com execução mais eficiente.
Como apoiar a delegação e o empoderamento de funcionários
Em nossa experiência, cinco ações são essenciais para as organizações empoderarem seus funcionários e melhorarem a tomada de decisão delegada no dia a dia:
- Garantir que a sua organização tenha uma estratégia bem definida e compreendida por todos. O empoderamento será muito mais fácil se a intenção estratégica da organização for clara. Se todos souberem onde a organização está tentando chegar, as equipes poderão caminhar na mesma direção sem exigir supervisão constante do líder. Um desfecho e pontos de contato claramente articulados ao longo do caminho oferecem as garantias para o empoderamento, mantendo o processo dentro do planejado.
- Definir claramente papéis e responsabilidades. O fundamento de todos os esforços de empoderamento é que todos saibam exatamente quem é responsável por tomar cada decisão, quem tem alguma outra forma de contribuição e, igualmente importante, quem não tem. Quando papéis e responsabilidades são imprecisos, as decisões acabam voltando para os gestores seniores ou sendo postergadas indefinidamente. É importante ressaltar que, uma vez que as decisões são tomadas, as equipes precisam aderir ao princípio de gestão “discordar e comprometer-se”: todos, independentemente de sua perspectiva inicial, devem apoiar a decisão final.
- Investir na capacitação (e coaching) desde o início. As organizações precisam cultivar deliberadamente as habilidades de tomada de decisão, como resolução de problemas, avaliação de performance e análise de riscos. Os gestores precisam dedicar tempo significativo para coaching e treinamento dos funcionários e dar a eles oportunidades de crescimento. Para ajudar os gestores nessas tarefas, a organização também precisa investir em esforços para desenvolver suas habilidades de liderança e coaching.
- Construir uma cultura voltada ao empoderamento. A mentalidade de empoderamento precisa ser estimulada na cultura da organização. Os líderes precisam ser exemplos de mentalidades e comportamentos que promovam o empoderamento, e os gestores precisam ser exemplos, comunicar e construir as habilidades de coaching que eles querem ver na organização. Gestores e funcionários, em particular, precisarão de respaldo significativo para estarem seguros se falharem. Para acomodar, e até mesmo celebrar, essa como uma etapa necessária no caminho para o sucesso, os líderes precisam fazer esforços significativos para retrabalhar os processos e estruturas de gestão de performance, investimento e treinamento.
- Decidir quando os outros arquétipos de gestão são adequados. Os gestores não têm tempo para serem altamente envolvidos em todas as decisões do negócio. Nós os incentivamos a realizar esforços desde o início para decidir o que vale seu foco de atenção. Se eles puderem delegar decisões importantes para uma pessoa altamente capacitada, precisam desempenhar o papel de coaches. Se eles não puderem, a única opção pode ser a microgestão ou até tomar a decisão eles mesmos. Eles precisarão tomar as decisões difíceis, reconhecendo que as menos importantes asseguram menos envolvimento.
Voltando à Jackie. Após receber certo treinamento sobre como ser coach, organizar workshops de resolução de problemas para a equipe e repensar a forma como delega decisões, ela tenta delegá-las mais uma vez. Ela incentiva os membros da equipe a resolverem problemas por si sós, mas se coloca à disposição para orientar as pessoas – evita intervir e tomar decisões por elas - quando elas têm medo de se desviar do rumo. Após cada reunião, a equipe identifica quais decisões devem ser tomadas, por quem e com que informação. Os membros da equipe comunicam regularmente as decisões que eles tomam, especificam a ação tomada, o resultado e quaisquer outras ações necessárias. A performance da unidade de negócio de Jackie melhora, ela recebe uma promoção e um membro da equipe dela assume seu cargo anterior.