“Grande Evasão” ou “Grande Atração”? A escolha é sua

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Nos Estados Unidos, mais de 15 milhões de trabalhadores – até o momento – deixaram o emprego desde abril de 2021, um número sem precedentes que vem provocando a disrupção dos negócios em toda parte. As empresas estão tendo dificuldades para resolver esse problema e muitas continuarão se debatendo com ele por um motivo bem simples: elas não entendem os verdadeiros motivos de seus funcionários estarem indo embora. Em vez de se dedicarem a investigar as verdadeiras causas dessa evasão de pessoal, muitas empresas adotam soluções bem-intencionadas, porém improvisadas, que raramente dão certo – por exemplo, aumentar os salários ou oferecer benefícios financeiros, como bônus de “agradecimento” – porque vêm desacompanhadas de qualquer esforço para fortalecer os laços relacionais das pessoas com seus colegas e empregadores. O resultado? Em vez de sentirem apreciados, os funcionários pressentem uma mera transação. Na verdade, esse relacionamento transacional apenas os relembra de que suas reais necessidades não estão sendo atendidas.

Se os últimos 18 meses nos ensinaram algo, é que os funcionários anseiam pela valorização dos aspectos humanos do trabalho. Eles se sentem cansados e muitos estão desmotivados (em inglês). Querem um senso de propósito renovado e revisado no trabalho. Querem conexões sociais e interpessoais com seus colegas e gerentes. Querem um senso de identidade compartilhada. Sim, eles querem salários, benefícios e vantagens financeiras, mas mais do que isso, querem se sentir valorizados pela organização e por seus superiores. Eles querem interações significativas – mesmo que não sejam presenciais – e não meras transações.

Por não compreenderem do que seus funcionários estão fugindo e para onde poderão gravitar, os líderes das empresas colocam a própria organização em risco. Além disso, como muitas empresas têm lidado com a situação de forma semelhante – deixando de investir em uma experiência de trabalho mais gratificante e de atender às novas demandas de autonomia e flexibilidade no trabalho –, alguns funcionários estão intencionalmente escolhendo abandonar por completo as formas tradicionais de emprego em tempo integral.

Neste artigo, destacamos uma nova pesquisa da McKinsey sobre a natureza e as características da Grande Evasão e o que está provocando-a (veja coluna, “Sobre a pesquisa”). Em uma palavra, existe hoje uma Grande Evasão em andamento. Ela é generalizada, provavelmente persistirá – ou até se acelerará – ao longo do tempo e, por mais que se esforcem, muitas empresas não conseguem entender o que de fato está acontecendo. Essas empresas estão adotando medidas ineficazes com base em premissas equivocadas.

Mas as coisas não precisam ser assim. Se as empresas empreenderem um esforço conjunto para entender melhor por que os funcionários estão indo embora e tomarem medidas pertinentes para retê-los, a Grande Evasão poderá se tornar uma Grande Atração. Se aproveitarem este momento único, poderão sair em vantagem na corrida para atrair, desenvolver e reter os talentos de que precisam para criar uma pós-pandemia próspera (em inglês).

Contudo, não será fácil, pois isso requer que as empresas e seus líderes compreendam verdadeiramente seus funcionários. E requer que os líderes não só desenvolvam empatia muito mais profunda pelo que os funcionários têm de enfrentar como também combinem essa empatia com compaixão – e determinação – para agir e mudar. Só então as empresas poderão reexaminar adequadamente os desejos e necessidades de seus funcionários – junto com eles – e começar a lhes proporcionar a flexibilidade, conectividade e senso de união e propósito pelo qual anseiam.

Ao longo do caminho, muitos altos executivos serão obrigados a reimaginar o modo como lideram. Pois as habilidades que tornavam um líder eficaz antes da pandemia de COVID-19 – coaching intenso, mentoria, criação de equipes fortes – são hoje apenas um uma parte inicial (em inglês)diante dos desafios dos próximos meses e anos.

Por não compreenderem do que seus funcionários estão fugindo e para onde poderão gravitar, os líderes das empresas colocam a própria organização em risco.

Há uma Grande Evasão em andamento – e ela provavelmente continuará

Executivos que acreditam que a evasão de funcionários está diminuindo – ou que é restrita a alguns setores específicos – estão equivocados. Em nossa pesquisa, 40% dos funcionários afirmaram haver no mínimo uma probabilidade moderada de deixarem o emprego nos próximos três a seis meses. Dezoito por cento afirmaram que sua intenção de ir embora varia entre provável a quase certa. Esses resultados se mantêm em todos os cinco países que pesquisamos (Austrália, Canadá, Singapura, Reino Unido e Estados Unidos) e, de modo geral, em todos os setores (Quadro 1). Empresas do setor de lazer e hospitalidade são as que mais correm o risco de perder funcionários, mas muitos trabalhadores de escritório e da área da saúde também afirmam que planejam se desligar. Mesmo entre os educadores – a categoria menos propensa a afirmar que pensa em pedir demissão –, quase um terço disse que existe no mínimo alguma probabilidade de isso acontecer.

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E essas tendências poderão muito bem persistir. Cinquenta e três por cento das empresas afirmaram estar enfrentando maior rotatividade voluntária de funcionários do que nos anos anteriores e 64% acreditam que o problema continuará – ou se agravará – nos próximos seis meses (Quadro 2).

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A evasão pode piorar, pois os funcionários estão dispostos a se desligar mesmo sem terem outro emprego em vista

Entre os funcionários de nossa pesquisa, 36% que haviam pedido desligamento nos últimos seis meses o fizeram sem terem um novo emprego (Quadro 3). Esta é outra forma pela qual a Grande Evasão difere fundamentalmente de ciclos anteriores de desaceleração e recuperação – e outro sinal de que as empresas podem não ter percebido como os últimos 18 meses foram difíceis para seus trabalhadores.

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Os funcionários nos Estados Unidos foram os mais propensos a afirmar que haviam deixado seu antigo emprego sem terem um novo (40%). Em relação aos setores de atividade, 42% dos trabalhadores da área da saúde e assistência social que deixaram o emprego o fizeram sem terem um novo – um lembrete do quanto a pandemia pesou sobre os trabalhadores da linha de frente. Um quarto dos funcionários de escritório que pediram demissão afirmam que o fizeram sem terem um novo emprego em vista, proporção que se mantém constante em todos os níveis de renda.

Ao que parece, essa onda tende não só a continuar, mas a se agravar. Entre os funcionários que disseram haver no mínimo alguma probabilidade de deixarem o emprego nos próximos três a seis meses, quase dois terços acrescentaram que se desligariam mesmo sem terem um novo emprego em vista.

Funcionários atualmente satisfeitos podem sentir-se tentados a ir embora à medida que suas opções se ampliam

Os CEOs talvez busquem segurança no fato de 60% dos funcionários de nossa pesquisa não terem a menor intenção de se demitirem nos próximos três a seis meses. Entretanto, as empresas não devem considerar que esses 60% estão “a salvo” da possibilidade de se desligarem. Pois as opções estão aumentando e, à medida que cada vez mais empresas oferecem opções de trabalho remoto para talentos difíceis de encontrar, esses funcionários poderão mudar de ideia.

Vejamos algumas conclusões significativas. Entre os funcionários que disseram não haver a menor probabilidade de pedirem demissão, 65% afirmaram que o principal motivo de permanecerem no emprego é o fato de gostarem do lugar onde moram. Por outro lado, entre os entrevistados que aceitaram novos empregos em novas cidades nos últimos seis meses, quase 90% não tiveram de se mudar (Quadro 4), dado o grande número de empresas que hoje permitem o trabalho remoto. A existência de mais cargos “agnósticos de local” disponíveis pode fazer com que até mesmo funcionários satisfeitos comecem a questionar seu compromisso com sua empresa atual, especialmente se os executivos lidarem mal com a transição para um ambiente de trabalho híbrido (em inglês) – ou teimarem em sequer oferecer essa possibilidade.

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As empresas não podem corrigir aquilo que não compreendem

Para conter a maré, os altos executivos precisam compreender por que os funcionários estão indo embora. Muitos se esforçam para fazê-lo. Por exemplo, quando indagadas porque seus funcionários estavam se demitindo, as empresas citaram questões de salário, equilíbrio entre vida pessoal e profissional, e saúde física ou emocional precária. Essas questões são importantes para os funcionários – mas não tanto quanto as empresas julgam. Por outro lado, os três principais fatores citados pelos funcionários como motivos para se desligarem são: não se sentirem valorizados pela organização (54%), ou por seus gerentes (52%), ou a falta de um senso de pertencimento no trabalho (51%). Vale notar que os funcionários que se identificam como não-brancos ou multirraciais são mais propensos do que seus colegas brancos a afirmar que deixaram o emprego porque não terem esse senso de pertencimento – um lembrete preocupante das desigualdades enfrentadas pelos funcionários negros (em inglês) e outros grupos minoritários nas empresas.

O Quadro 5 mostra onde o descompasso entre empresas e funcionários é mais agudo. O quadro revela que os funcionários são muito mais propensos a priorizar os fatores relacionais, enquanto as empresas tendem a focar fatores transacionais.

Os funcionários são muito mais propensos a priorizar os fatores relacionais, enquanto as empresas tendem a focar fatores transacionais.

Como a atração pode conter a evasão

Nossa pesquisa ressalta as várias maneiras pelas quais a pandemia mudou irrevogavelmente o que as pessoas esperam do trabalho. E esse cenário continuará mudando agora que as empresas vêm experimentando novas abordagens de trabalho híbrido. Se você é um CEO ou membro da equipe de liderança, a melhor coisa que pode fazer é dar uma pausa e refletir sobre o que fará em seguida. Políticas impositivas de retorno ao escritório ou outras medidas presunçosas vindas de cima – por mais bem-intencionadas que sejam – provavelmente terão consequências desafiadoras.

Mas a decisão sobre o que fazer não deve ser tomada numa espécie de vácuo; os funcionários precisam ser incluídos (em inglês)nesse processo. Consulte-os para que ajudem a moldar o plano e as soluções. Nossa pesquisa sugere que os executivos não estão ouvindo seu pessoal (em inglês) o suficiente. Não seja um desses executivos.

Ao avaliar a situação, faça as seguintes perguntas:

Nós acolhemos líderes tóxicos? Executivos que não fazem seu pessoal se sentir valorizado podem acabar expulsando-os da empresa – com ou sem um novo emprego em vista. Se a empresa não tiver líderes que motivem e inspirem suas equipes e que liderem com compaixão, é hora de obtê-los – urgentemente.

Temos as pessoas certas nos lugares certos (especialmente gerentes)? Muitos empresas em nossa pesquisa relataram ter as pessoas certas, mas não necessariamente nos lugares certos. No caso dos gerentes, esse problema pode ser ainda mais prejudicial, especialmente em ambientes híbridos, que exigem novas habilidades de liderança. Treinamento e capacitação serão cruciais para gerentes e executivos que não vêm de ambientes híbridos ou virtuais – em outras palavras, para todos, desde a diretoria até a linha de frente.

Até que ponto a cultura da empresa era forte antes da pandemia? Se você for como muitos executivos que conhecemos, aproveitará o retorno ao escritório para resolver questões pendentes relativas à cultura e à conectividade. Ou pode acontecer de você preferir um retorno total ao escritório por sentir falta disso (um caso típico de “longe dos olhos, perto do coração”). Contudo, é preciso lembrar que, embora as necessidades dos funcionários tenham mudado, a cultura da empresa pode não ter acompanhado essas transformações e as deficiências organizacionais que existiam antes talvez tenham até se agravado. Os funcionários não tolerarão retornar a uma situação que já não apreciavam antes.

Nosso ambiente de trabalho é transacional? Se sua única reação diante da evasão de funcionários for aumentar a remuneração, você está inconscientemente dizendo-lhes que seu relacionamento com eles é transacional e que o único motivo para que continuem na empresa é o salário. Seus melhores funcionários sempre terão ofertas monetárias melhores em outro lugar. É preciso que você busque resolver os problemas da pessoa como um todo (não apenas sua conta bancária) e também da organização como um todo.

Nossos benefícios estão alinhados com as prioridades dos funcionários? Estacionamento gratuito ou ingressos para peças de teatro provavelmente não são uma grande prioridade dos funcionários nesse momento. Entre os entrevistados que haviam deixado seu emprego, 45% citaram a necessidade de cuidar da família como um fator influente em sua decisão. Uma proporção semelhante das pessoas que está pensando em deixar o emprego também citou a necessidade de cuidar da família. Oferecer mais serviços de creche ou de enfermagem ou outros benefícios voltados para o lar e a família pode contribuir para evitar que esses funcionários se afastem e mostrar que são valorizados como pessoas. A Patagonia, defensora de longa data de políticas progressistas no local de trabalho, consegue reter quase 100% das funcionárias que dão à luz oferecendo creches no local de trabalho e outros benefícios similares.

Os funcionários desejam planos de carreira e oportunidades de desenvolvimento. Podemos lhes oferecer isso? Os funcionários buscam empregos com trajetórias profissionais melhores e mais sólidas. Desejam ao mesmo tempo reconhecimento e desenvolvimento. Empresas inteligentes encontram maneiras de recompensar as pessoas promovendo-as não apenas para novas funções, mas também para níveis adicionais dentro de uma função existente. Essa é uma maneira pela qual as empresas podem rapidamente recompensar e reconhecer as pessoas que trabalham bem. Na Waffle House, existem três níveis de chapeiros – posição para a qual só existe um nas demais empresas. Chapeiros iniciantes são “operadores de grelha”, chapeiros mais experientes são “operadores-mestre de grelha” e os melhores de todos são conhecidos como “operadores rock stars de grelha” ou, mais coloquialmente, os “Elvis da grelha”.

Como estamos construindo um senso de comunidade? RO trabalho remoto não é uma panaceia; mas o retorno ao trabalho exclusivamente presencial também não é. A conectividade presencial continua oferendo enormes benefícios para uma organização. Mas, para que dê certo, exigirá atenção considerável da gerência à medida que as preocupações com saúde e segurança continuam a evoluir, especialmente agora que as necessidades e expectativas dos funcionários são outras. Por exemplo, funcionários com filhos pequenos não vacinados talvez se sintam inseguros em grandes reuniões presenciais. Uma empresa adotou uma abordagem inclusiva oferecendo aos funcionários pacotes temáticos de “feriados em casa”: uma ida ao cinema com direito a pipoca e brindes; uma noite de jogos voltados para a família, com batatas fritas e molho especial; e um “dia de spa virtual”, completo com máscaras faciais, chá e chocolate. A empresa criou um canal no Slack e incentivou os funcionários a compartilharem essas experiências postando fotos e histórias. Outra organização incentivou a conectividade entre os funcionários oferecendo brindes de café para aqueles que se inscrevessem para participar de “bate-papos” com funcionários que não conheciam – um tipo de gratificação que melhorou a conectividade e ajudou as pessoas a expandirem suas redes.


Se você é líder de uma grande equipe ou de uma empresa, lembre-se disto: a Grande Evasão é real, continuará e talvez piore antes de melhorar. Por outro lado, esse momento singular também representa uma grande oportunidade. Para aproveitá-la, faça uma pausa, abra os ouvidos, aprenda e realize as mudanças que os funcionários desejam – focando primeiro os aspectos relacionais do trabalho dos quais as pessoas mais sentem falta. Se você compreender por que os funcionários estão indo embora e agir criteriosamente, poderá transformar a Grande Evasão em uma Grande Atração.

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