Para sobreviverem e prosperarem, muitas organizações estão empreendendo esforços para se tornarem mais ágeis. Enquanto as organizações tradicionais parecem mecânicas, hierárquicas e lineares, as organizações ágeis transmitem uma sensação mais orgânica, equilibrando estabilidade com dinamismo e adaptando-se para um futuro imprevisível e em constante mudança.
No artigo “The Five Trademarks of Agile Organizations” [As Cinco Marcas Registradas das Organizações Ágeis], detalhamos as principais diferenças entre organizações tradicionais e ágeis. Em vista dessas distinções, as características pessoais que conduzem ao sucesso em uma organização ágil também diferem daquelas em uma organização tradicional.
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Muito depende dos talentos, sejam desenvolvidos internamente ou recrutados. De modo geral, as pessoas que têm sucesso em uma organização ágil precisam apresentar as três habilidades a seguir:
Primeiro, saber lidar com a ambiguidade sem perder o foco; segundo, concentrar-se mais nos resultados do que nos processos; e, terceiro, trabalhar e contribuir como membros de uma equipe.
Desse modo, o que significa sucesso na seleção ou treinamento das pessoas ou talentos certos (ou em ambas as coisas)? Como escolher e treinar pessoas para uma organização ágil? Esboçamos aqui dois grupos de fatores: os traços de personalidade (inatos e adquiridos, e seus comportamentos constitutivos) que fazem florescer uma cultura de equipes ágeis; e os tipos de valores (e seus comportamentos constitutivos) que as pessoas trazem para o trabalho.
Detalhamos como sua empresa pode não apenas identificar e cultivar traços e valores similares ao recrutar ou treinar pessoas, mas também avaliar e desenvolver as suas próprias habilidades. Desenvolvemos essa perspectiva em colaboração com a Scrum.org, organização que fornece certificações de treinamento e avaliação ágeis.
1. O que sabemos sobre as características e comportamentos de equipes ágeis
Quando solicitado a descrever as características intrínsecas de uma pessoa ágil, o grupo de coaches identificou os seguintes atributos.1
Estudos realizados com amostras relativamente pequenas, sem dados numéricos, podem resultar em conclusões qualitativas pouco confiáveis, o que dificulta qualquer tipo de generalização.
Portanto, adotamos uma abordagem quantitativa, utilizando o modelo de cinco fatores2 (ampliado com a inclusão do traço “saber lidar com a ambiguidade” para complementar o modelo no contexto ágil) para identificar e analisar sistematicamente3 os traços associados ao sucesso em dois papéis cruciais de uma equipe ágil: o product owner [responsável pelo produto] e o membro da equipe (Quadro 2).4
Abaixo estão nossas principais conclusões, seguidas de sugestões de como avaliar e observá-las. Mais adiante, falamos de métodos eficazes para continuar desenvolvendo a agilidade da equipe.5 Muitas de nossas conclusões vão além do contexto ágil e, portanto, podem ser úteis em vários aspectos da contratação e desenvolvimento de pessoas.
A capacidade de lidar com a ambiguidade e um alto grau de afabilidade são os fatores que mais contribuem para o sucesso
A pesquisa deixa claro que os dois fatores mais importantes para as pessoas que trabalham em um ambiente ágil são a capacidade de lidar com a ambiguidade e um alto grau de afabilidade.
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A capacidade de lidar com a ambiguidade não é surpresa, pois a natureza da agilidade exige um alto grau de flexibilidade (Quadro 3). O foco principal das equipes que lidam bem com a ambiguidade são suas próprias metas. Elas priorizam alguns poucos itens no começo, em vez de investirem quantidades significativas de tempo tentando entender plenamente cada detalhe e cada risco para incorporá-los ao plano.
A proeminência da afabilidade, avaliada como mais importante do que a abertura ou a conscienciosidade, foi o resultado mais surpreendente (Quadro 4). A afabilidade é o “tempero secreto” das melhores equipes ágeis. A maioria das culturas ensina e reforça uma cultura de competição. No entanto, cada vez mais, estamos enxergando outras maneiras de construir organizações ágeis de alta performance. O Google reforçou esse ponto de vista em seu estudo de equipes de alta performance.
Do mesmo modo, o Projeto Aristóteles descobriu que a característica mais importante das equipes de sucesso é a confiança – uma faceta da nossa definição de afabilidade.
Outra característica importante é a franqueza, o que significa ser aberto e sincero com os próprios pontos de vista e, ainda assim, ser corajoso o suficiente para expressar educadamente opiniões que conflitem com as da equipe.
Ser afável não significa concordar cegamente sem refletir; na verdade, estudos descobriram que o aumento da diversidade no trabalho está associado a conflitos saudáveis, que permitem que os membros do grupo ponham ideias à prova e escutem pontos de vista alternativos, o que melhora a execução de tarefas
Afabilidade significa dizer: “Sim, e…”; em vez de: “Sim, mas…”. Afabilidade não significa evitar conflito; significa ouvir com empatia a equipe e suas ideias, e manter-se atento ao feedback dos clientes.
Se os product owners tiverem alto grau de afabilidade, eles serão capazes de trabalhar bem com a equipe, conciliar diferenças e definir metas pequenas e atingíveis. Em última instância, isso significa que terão melhor compreensão e desenharão produtos que atendam às necessidades dos clientes. Um alto grau de afabilidade entre os membros da equipe significa que cada um respeita os demais e suas ideias, que são capazes de trabalhar em redes multifuncionais e que é possível haver transparência, entendimento e coesão da informação entre eles. Muitas vezes, essas qualidades ficam mais claras quando estão ausentes. O que aconteceria se os membros da equipe não fossem afáveis?
Por exemplo, em um check-in da equipe , um novo membro poderá observar que algo continua sendo problemático e tornar-se alvo de perguntas e comentários hostis. Para evitarem ser alvo de interrogatórios constrangedores, os membros da equipe poderão se abster de compartilhar seus verdadeiros pontos de vista quando surgirem desafios futuros. Isso não só resulta em um ambiente de trabalho opaco e pouco acolhedor como também suprime contribuições e sugestões valiosas.
As coisas talvez sejam mais fáceis para product owners de comportamento extrovertido
Construir uma visão irresistível, comunicar-se com os stakeholders, entender os clientes e liderar a equipe ágil são algumas das atividades diárias de um product owner.
Essas tarefas exigem que o product owner trabalhe e interaja com grande variedade de pessoas.
Como um volume significativo do esforço do product owner é despendido fora da equipe, as coisas podem ser mais fáceis para aqueles de temperamento extrovertido.
Por outro lado, a pesquisa também mostra que, quando incumbidos de uma equipe criativa e proativa, os introvertidos são capazes liderar tão bem quanto os extrovertidos – se não melhor. Os introvertidos, que são excelentes ouvintes por natureza, focam mais sua atenção no outro e, portanto, costumam ouvir com mais empatia que os extrovertidos, além de também canalizarem talento e absorverem ideias melhor.
Tanto extrovertidos como introvertidos podem se tornar bons product owners, ainda que por meios diferentes. A adaptação ao cargo pode ser mais fácil para product owners extrovertidos, que tendem a ser líderes melhores de equipes que precisam de estímulo. Por sua vez, quando designados a um grupo já motivado, criativo e proativo, product owners introvertidos são mais capazes de ajudar cada membro da equipe a brilhar.
O sinal de advertência de um alto grau de neuroticismo
Do que, então, nós talvez precisemos menos? Os dados mostram que níveis elevados de neuroticismo são menos úteis no ambiente de uma equipe ágil, seja para cada membro da equipe ou para o product owner. A estabilidade emocional é crucial, pois as organizações ágeis focam o aprendizado rápido, ciclos acelerados de decisão, testes frequentes e experimentação. Product owners não devem se sentir angustiados quando o produto não sair conforme o esperado ou quando o feedback dos clientes for negativo; e os membros da equipe precisam ser capazes de manter a calma quando surgem erros e problemas inesperados.
2. O que sabemos sobre os valores de trabalho das equipes ágeis
Certos valores de trabalho estão associados ao sucesso em equipes ágeis. O alinhamento de valores ocorre quando as metas, recompensas e condições que as pessoas buscam por meio de seu trabalho são compatíveis com as exigências do trabalho em equipe ágil. Pesquisas sobre valores em contextos de trabalho definiram quatro amplas categorias de valores no trabalho (auto-aperfeiçoamento, abertura à mudança, autotranscendência e conservação);6 acrescentamos o orgulho do produto e a centralidade do cliente para aumentar a acuidade em relação ao contexto ágil.
Todos têm orgulho de seu produto
Equipes ágeis assumem responsabilidade pelo produto que entregam. Para elas, o orgulho que sentem pelo produto (o resultado) é maior que o orgulho que sentem pelo trabalho (o processo), pois sabem que o processo pode mudar e mudará à medida que se revisa a relação entre ele e o valor que gera.
Sentir orgulho significa mais do que ficar feliz com o trabalho; também significa querer estar associado ao produto e assumir responsabilidade por seus valores e contribuições.
Equipes e membros de equipe que se orgulham de seu produto manifestam três atributos básicos: primeiro, a qualidade é algo natural, não forçado (o orgulho que sentem por um produto manifesta-se em mais qualidade e mais responsabilidade assumida); segundo, os colegas de equipe são motivados (sentir-se conectado ao que se cria contribui para que os colegas de equipe sintam motivados e, assim, tornarem-se mais produtivos e inventivos); e terceiro, ideias inovadoras e surpreendentes acontecem (a conexão com o produto gera novas ideias e melhorias).
O cliente é a inspiração das organizações ágeis
Seu laptop, TV ou fogão possui recursos que você nunca utilizou? O Standish Group estima que 50% das funcionalidades dos softwares raramente ou nunca são utilizadas: muitos dos recursos que os criadores passaram dias e horas desenvolvendo acabam sendo utilizados de maneira diferente da imaginada – se é que chegam a ser utilizados.
A complexidade aqui é um problema que diz respeito não só ao “criador”, mas também ao “usuário/consumidor”.
Clientes e equipes ágeis aprendem juntos. Isso significa que todos precisam se importar com o cliente. Aceitar a centralidade do cliente permite que as equipes ágeis atinjam três objetivos importantes: primeiro, encontrar as soluções mais econômicas (quando a equipe está focada nos clientes e adota uma abordagem ágil, tende a entregar valor ao cliente de forma frequente e incremental); segundo, compartilhar a responsabilidade por “acertar” (muitas organizações têm uma única pessoa ou grupo que interage com os clientes; em organizações ágeis, as equipes aprendem quais são as necessidades dos clientes e compartilham coletivamente); e terceiro, saber que estão ajudando, sentindo-se motivadas por isso (o que alguém faz é claramente entendido e está diretamente relacionado com o usuário final).
Membros de equipes ágeis gostam de controlar o próprio destino
Nossa pesquisa descobriu que os valores de autodirecionamento (como parte da abertura à mudança) foram considerados entre os mais importantes para se fazer parte de uma equipe ágil. Não há dúvida de que as equipes ágeis precisam ser abertas a mudanças e capazes de se autodirigir. Porém, simplesmente dizer a alguém que ele ou ela precisa se auto-organizar e se capacitar não garante que essa pessoa consiga ser uma ou outra coisa. A auto-organização requer experiência e maturidade, que só são adquiridas com o tempo.7
Em termos gerais, o valor do autodirecionamento permite que três processos fundamentais ocorram: primeiro, permite tornar a prática ágil escalável (isto é, o custo de gerenciar uma equipe cai drasticamente à medida que esta começa a tomar decisões sobre sua própria direção, planejamento etc., o que torna possível criar equipes adicionais); segundo, acelera o processo (tomar decisões sem supervisão é mais rápido); e, terceiro, promove um trabalho de melhor qualidade (quando as pessoas de uma equipe ágil mais próximas ao trabalho assumem responsabilidade por ele, a qualidade do trabalho aumenta).
Uma mentalidade de conservação pode limitar a performance da equipe
Entregar valor em um mundo complexo exige que os product owners e os membros de uma equipe ágil atuem para superar muitas condições restritivas na organização existente. Isso significa que devem ter ou desenvolver uma vocação empreendedora ou estarem dispostos a tentar coisas diferentes: parafraseando Einstein, não se pode resolver problemas com o mesmo raciocínio que os criou.
Pessoas com experiência em organizações tradicionais, ou com um senso tradicional de liderança, podem tentar impor sua autoridade e poder aos demais na equipe. Equipes ágeis, por sua vez, prosperam confrontando o status quo e descartando a tradição ao buscarem uma visão. Eles florescem distendendo ou redefinindo as restrições existentes e contornando as regras e tradições quando necessário.
The five trademarks of agile organizations
Para se comprometerem plenamente com a agilidade corporativa, os product owners precisam liderar a equipe na criação de soluções e desenhos inovadores que atendam às necessidades dos clientes. E os membros da equipe precisam estar dispostos a assumir riscos, lidar com a ambiguidade e não focar excessivamente as tradições.
3. Traços, valores e o que fazer em seguida
Nossa pesquisa – quantitativa e qualitativa – mostra como product owners e membros de equipe bem-sucedidos tendem a se comportar e o que tendem a valorizar. Também indica maneiras possíveis de refletir sobre a seleção de pessoal e oferece oportunidades de desenvolvimento para que seus funcionários se adaptem ao trabalho ágil.
Além disso, você pode utilizá-la como um guia para identificar e desenvolver sua própria abordagem. Como acontece com qualquer iniciativa em qualquer setor, algumas características e valores são inatos, enquanto outros podem ser adquiridos; a adoção generalizada de coaching, mentoria e desenvolvimento de pessoal pode ajudar a melhorar a performance.
Aqui estão quatro indicadores, formulados como perguntas, que você deve buscar ao selecionar e desenvolver seu pessoal.
- O que os motiva? Fatores tradicionais de motivação ligados a produtividade, eficiência e risco precisam ser substituídos por um foco nos resultados e nos clientes como o objetivo máximo. Pergunte-lhes no que estão interessados, o que os deixa animados e onde eles se veem daqui a três anos. Além disso, aqueles que gostam de resolver problemas complexos e encaram a ambiguidade como uma oportunidade para aprender têm mais probabilidade de prosperar.
- O que eles esperam dos outros? Agilidade diz respeito a trabalho em equipe, o que obviamente requer pessoas que saibam trabalhar em equipe, juntos, e fazer o que for necessário para obter os resultados desejados. Isso significa que as expectativas dos colegas serão fluidas e dinâmicas. Pergunte-lhes como eles trabalham com os outros, como gerenciam o trabalho em equipe e o que esperam que os outros façam para ajudá-los.
- Eles têm uma visão de mundo centrada no cliente? Equipes ágeis são centradas no cliente: elas se envolvem com o cliente e descobrem suas necessidades. Pergunte-lhes o que eles poderiam esperar como clientes e o que “serviço ao cliente” significa para eles.
- Eles têm orgulho do trabalho que realizaram? Este parece ser um traço simples, aplicável em toda a parte; mas, saber dar importância ao próprio ofício, ao trabalho realizado e aos resultados que este produz é um traço de personalidade muito importante para um membro de uma organização ágil. As perguntas devem focar experiências anteriores com coisas das quais eles se orgulham e o modo como associam essas experiências a seus objetivos e valores.
Trabalhar em um mundo complexo requer equipes excelentes, dirigidas por product owners inspiradores e com uma visão clara.
Em última instância, o sucesso de uma organização é o esforço combinado dessas pessoas. Todavia, uma equipe excelente não significa tecnicamente as melhores pessoas ou as mais experientes. Significa pessoas que tenham a personalidade, comportamentos e conjunto de valores certos para a agilidade, seja de forma inata ou por meio de coaching e desenvolvimento.