Uma vez a cada geração (se tanto), temos a oportunidade de repensar a forma como trabalhamos. Nos anos de 1800, a Revolução Industrial na Europa e nos Estados Unidos gerou um deslocamento dos campos para as fábricas. Na década de 1940, a Segunda Guerra Mundial fez com que as mulheres integrassem a força de trabalho (ainda que não na diretoria executiva) em níveis sem precedentes. Na década de 1990, a explosão do e-mail com o uso de PCs levou a um rápido aumento da produtividade e velocidade da tomada de decisão, resultando na era digital que conhecemos hoje. E em 2020, a pandemia da COVID-19 levou os funcionários de escritórios a trabalharem em casa. Em função do desenvolvimento e ampla distribuição de vacinas para a COVID-19, 2021 apresenta outra oportunidade. O retorno ao local de trabalho é uma chance para se criar um novo modelo operacional, mais eficiente, e que funcione para empresas e pessoas navegando em um mundo de incertezas cada vez maiores. Há, porém, um ponto ardiloso: os empregadores precisam entender a crescente disparidade sobre como eles e seus funcionários enxergam o futuro.
Funcionários não sabem o que querem e estão reavaliando sua relação com o trabalho
Mais de três quartos dos altos executivos entrevistados recentemente pela McKinsey reportaram sua expectativa de que o funcionário essencial esteja de volta ao escritório três ou mais dias por semana (Quadro 1). Embora reconheçam que a grande experiência de ‘trabalhar de forma remota’ tenha sido surpreendentemente eficaz, eles acreditam que esse modelo prejudica a cultura organizacional e o senso de pertencimento. Eles estão ansiosos para que os funcionários retornem ao escritório – e para um novo normal que é de alguma forma mais flexível, porém não radicalmente diferente do modelo anterior.
Em forte contraste, quase 75% de aproximadamente 5.000 funcionários entrevistados pela McKinsey em nível global (em inglês) gostariam de trabalhar de casa dois ou mais dias por semana, e mais da metade gostaria de trabalhar remotamente pelo menos três dias da semana (Quadro 2). No entanto, a mensagem dos funcionários é um pouco complexa. Eles relataram que trabalhar em casa durante o estresse da pandemia resultou em fadiga, dificuldade para se desconectar do trabalho, deterioração do seu convívio social e um menor senso de pertencimento.
Quando os empregadores discutem em grupos menores, buscando entender os resultados da pesquisa mais detalhadamente, descobrem que nem eles próprios nem camadas expressivas de sua força de trabalho sabem realmente o que os funcionários desejam. Isso não é uma surpresa. Os funcionários enfrentaram várias dificuldades no ano passado. Muitos vivenciaram uma incerteza e ansiedade sem precedentes. Os índices de expectativa de vida em suas comunidades caíram. Passaram por situações pessoais difíceis, da perda de pessoas próximas à sua própria luta física e mental. Apesar disso, a experiência não foi de toda negativa. Forçados a buscar abrigo em suas casas, muitos deles redescobriram uma conexão com o lar e a família de uma forma que os modificaram. Muitos funcionários ficaram mais ricos (como resultado da forte recuperação no preço das ações no mercado global e dos estímulos do governo), gerando maior confiança para reafirmarem suas trajetórias ao longo da vida — ou escolherem novos caminhos.
Esse maior leque de opções, combinado com uma maior desconexão entre vida pessoal e obrigações de trabalho, faz com que os trabalhadores reavaliem não apenas a relação com seus empregadores, mas também com o seu trabalho. Hoje, este processo de reavaliação traz à tona visões discordantes sobre o retorno ao trabalho. Amanhã, poderá também resultar em um menor envolvimento por parte dos funcionários, maior falta de disposição para trabalhar até mais tarde e desligamentos da empresa.
Empregadores estão subestimando a disparidade de pontos de vista e deixando de perceber que a ‘linha de chegada’ é uma miragem
Muitos empregadores, ansiosos para estabelecer rapidamente algum senso de normalidade, estão preocupados em responder perguntas simples de logística que deem a eles um senso de controle. Estas perguntas focam principalmente no número de dias que os funcionários estarão no escritório, as ferramentas de colaboração que serão usadas, políticas sobre as faixas de pagamento e normas de comportamento nas salas de reunião. Embora as respostas a essas perguntas possam ajudar os funcionários que buscam alguma medida de pragmatismo para a próxima fase, elas costumam vir acompanhadas da mensagem que a “linha de chegada” está logo ali na frente, e que em breve entraremos em um período de normalidade que será o padrão por muitos anos futuros.
Entusiasmados com o retorno ao trabalho presencial, líderes de negócio correm o risco de realmente aumentar a disparidade que há entre eles e as pessoas da organização. A ideia de que atravessaremos uma linha de chegada e que de repente todas as dificuldades terão acabado, parece existir apenas na cabeça de líderes seniores.
No melhor cenário, a comunicação motivadora sobre um amplo retorno ao escritório está caindo por terra. No pior cenário, o tom de ‘surdez’ dessa comunicação pode estar também acelerando o que já se apresenta como a “grande redução de trabalhadores” de 2021 (e 2022 e até mesmo 2023). Globalmente, os trabalhadores estão deixando seus empregos em níveis muito acima do normal. Pesquisas recentes identificaram que 26% dos trabalhadores nos Estados Unidos já estão se preparando para buscar novas oportunidades de trabalho (em inglês) e 40% dos trabalhadores ao redor do mundo estão considerando deixar seu atual emprego (em inglês) até o final do ano.
Comunicar que existe uma “linha de chegada” mágica e bem próxima não vai eliminar essa desconexão que alguns funcionários sentem entre si e com suas empresas — isso irá simplesmente aprofundá-la. Quando as pessoas que têm essa percepção voltarem ao escritório e constatarem que não estão totalmente reenergizadas, que ainda se sentem cansadas, e que trazem consigo incertezas e um luto não superado, elas se desconectarão, emocionalmente, ainda mais das organizações e de seus líderes. O “efeito-linha-de chegada” poderá causar novos desligamentos, tornando a situação ainda pior para empresas cujos líderes estão ansiosos para seguir em frente. Na verdade, os executivos que não esperam novas ondas de desligamento podem muito bem estar enganando a si próprios.
Em vez de conduzir um retorno do tipo “Wow” ao escritório, seria mais sábio, por parte dos líderes, priorizar uma escuta mais profunda e encontrar suas forças de trabalho na posição em que se situam hoje. Será importante que os líderes reconheçam, por exemplo, que eles não têm todas as respostas – enquanto suas empresas estão em transição para modelos de trabalho híbridos, eles estarão tentando descobrir como será o modelo de trabalho no longo prazo (um modelo que funcione para a maioria dos funcionários). Além disso, será importante sinalizar que sua expectativa é fazer com que seus funcionários se tornem parceiros no desenho de um modelo futuro.
As empresas não sabem o que vai acontecer
Algumas organizações e seu efetivo estão começando a sair da grande experiência de trabalhar remotamente. Os funcionários aprenderam muitas coisas, inclusive como ser mais produtivos em um modelo operacional que foi improvisado na correria para enfrentar os desafios constantes e a incerteza gerada pela crise da COVID-19. Os empregadores não podiam fazer frente à tragédia humana da pandemia, é claro. No entanto, muitos deles trabalharam em conjunto para encontrar formas criativas de manter as empresas produtivas ao mesmo tempo em que cuidavam de suas pessoas.
Porém, as lições aprendidas durante a pandemia contribuíram para que os líderes abordassem a próxima grande experiência: o trabalho híbrido. Um modelo híbrido é mais complicado do que um totalmente remoto. Aplicá-lo em escala será um evento sem precedentes, no qual todos os tipos de normas, praticadas por décadas, serão testadas. Ainda há um longo caminho a ser percorrido pelos líderes até entender como esse novo modelo irá funcionar.
A pergunta sobre quantos dias por semana será melhor trabalhar no escritório é a mais óbvia, mas não é a única, e talvez nem seja a pergunta certa a ser respondida em primeiro lugar. Haverá provavelmente um conjunto delas a serem abordadas: Que trabalho é realizado melhor presencialmente do que virtualmente, e vice-versa? Como as reuniões funcionarão melhor? Como influência e experiência podem ser balanceadas entre aqueles que trabalham no local e os que trabalham remotamente? Como evitar um sistema no qual as pessoas que trabalham no escritório sejam mais valorizadas e mais bem recompensadas do que os que trabalham mais em casa? Os times deveriam se reunir presencialmente em um local único enquanto estão em um projeto e, se a resposta for ‘sim’, com que frequência? A comunicação da liderança aos trabalhadores remotos será tão efetiva quanto a comunicação feita aos que estão no escritório?
Aqueles que já não estão trabalhando remotamente devem entender que estão voltando para o escritório sem respostas claras e consistentes a essas perguntas. Chegaremos lá, em algum momento. No entanto, as políticas, práticas, normas de trabalho e tecnologias de colaboração deverão mudar e evoluir à medida que testamos e aprendemos. Ao sair da pandemia, estaremos apenas começando uma nova e difícil jornada.
Então, o que os empregadores deveriam fazer para reduzir essa disparidade de pontos de vista enquanto consideram a ideia de voltar ao trabalho presencial.
Seja claro ao comunicar que os ajustes necessários ao novo modelo operacional levarão anos e que é um esforço separado do retorno ao escritório no curto prazo
Muito empregadores com quem conversamos dispendem um tempo mínimo para reconhecer que “ganhar musculatura” para a construção de um modelo operacional híbrido, que seja de fato eficiente, poderá levar anos. No mínimo, eles ainda estão aprendendo o que realmente funciona em tais ambientes. Neste momento em que grande parte da força de trabalho passa por um descontentamento significativo, e uma exaustão opressiva, poucos funcionários veem o retorno ao modelo de trabalho centrado no escritório como um caminho para avanços. Considerando o sucesso do trabalho remoto no ano passado, os líderes serão questionados a justificar suas decisões sobre mudar o arranjo atual. No entanto, se os líderes estiverem dispostos a começar do zero, questionar tudo, tomar decisões intencionais, com um racional claro e baseado em evidências, a atual disparidade entre líderes e funcionários poderá servir como um ponto de tensão criativa que irá alimentar um modelo operacional liderado por funcionários e centrado no cliente, desenhado para hoje — e para o futuro.
Considere toda a pesquisa indicando que criar um novo relacionamento é melhor quando feito presencialmente. Durante a pandemia da COVID-19, 39% dos funcionários fizeram um grande esforço para manter uma conexão forte com os colegas, já que o convívio social informal diminuiu e as pessoas se voltaram fortemente para os indivíduos e grupos com os quais mais se identificam1. Ancorados em fatos tais como, os líderes têm uma razão concreta para afirmar porque algum tempo de trabalho presencial é fundamental. Há uma outra razão pela qual uma empresa se dedica a compreender como as redes sociais híbridas funcionam melhor – juntamente com outras formas de comunicação –, visando ajudar os funcionários a estabelecer relacionamentos de alta qualidade, fortalecer as conexões e criar confiança. Ao se juntar à busca dos funcionários pelo “porquê”, os líderes podem começar a reunir os fundamentos de uma cultura compartilhada e ágil, que seja orientada ao futuro.
Não se limite a repetir o que a força de trabalho diz explicitamente, crie empatia com o que ela está tentando comunicar, implicitamente
Muitas organizações hoje estão reproduzindo resultados selecionados da pesquisa de funcionários para sua força de trabalho, em parte para justificar sua opção por um retorno presencial ao escritório. Entendemos esta abordagem, mas isso deixa de sinalizar que a organização entende e valoriza o relacionamento pós-pandemia entre funcionários e empregadores. Encontrar os funcionários onde eles estão hoje sinaliza a percepção de que há um conjunto de crenças que precisarão de tempo para emergir e serem compreendidas. Além disso, deve haver um comprometimento claro de que a organização continuará a ouvi-los para poder processar e agir sobre o que foi sinalizado.
Fazer isso significará complementar os mecanismos tradicionais de escuta (tais como pulse checks) com uma escuta verdadeira, assim como criar intencionalmente fóruns e espaço que viabilizem o compartilhamento. A equipe executiva deverá liderar pelo exemplo, ao mostrar que feedback e expressões de vulnerabilidade são bem-vindos. Rodadas de escuta, sessões virtuais de bate-papo informal, sessões de Pergunte-me qualquer coisa, town halls reversos, e o compartilhamento de histórias pessoais podem ajudar a desenvolver um ambiente seguro para que os funcionários também compartilhem suas experiências.
Os líderes de time também devem continuar com o compartilhamento, escuta e espaço para ouvir as necessidades dos membros de suas equipes. Sem uma parceria desse nível, o discurso da equipe executiva sobre estabelecer parcerias com funcionários não passará disso – um discurso.
Feita corretamente, a escuta individual é um tipo de intervenção prévia que poderá conduzir questões mais profundas. Enquanto as empresas se movimentam, saindo do caos da pandemia para a incerteza do retorno ao escritório, escutar seus funcionários continuará sendo mais importante do que nunca.
Seja sincero sobre experimentar e aprender a partir do resultado das suas experiências
Sem um mapa ou um manual sobre como será o novo normal, as pessoas devem coletivamente adotar uma mentalidade de teste e aprendizado (test-and-learning). As organizações podem testar diferentes modelos de trabalho e normas, configurações de espaço físico e ferramentas para criar um futuro que equilibre produtividade individual com criatividade voltada para a inovação, flexibilidade pessoal com a colaboração de times, e o escritório com a sua casa. Isso significa experimentar e testar com indivíduos, times, unidades de negócio, escritórios e organizações.
Por exemplo, o design do espaço de trabalho tem um papel central em uma colaboração e conexão positivas, mas escritórios convencionais normalmente têm mais de dois terços de seus espaços reservados para indivíduos, áreas de trabalho isoladas, como mesas e estações de trabalho. Quais novos designs e tecnologias poderiam ser testados para oferecer flexibilidade e colaboração? Uma companhia de tecnologia de ponta está desenvolvendo um conjunto de sensores e paredes móveis para permitir ajustes contínuos e em tempo real, com base nas necessidades de funcionários e padrões de trabalho. Uma líder global em serviços financeiros está testando uma planta totalmente aberta com hot desks (estações de trabalho compartilháveis) onde a diretoria dividirá o espaço com os funcionários.
De mesma forma, as normas em relação ao modelo de reunião estão passando por uma renovação. Quem precisa comparecer a quais reuniões, durante quanto tempo e em que formato? Como as reuniões podem ser reestruturadas de maneira a maximizar a eficiência, acelerar a tomada de decisão e desenvolver conectividade e coesão social? As respostas ainda não são claras, mas as empresas irão descobrir por tentativa e erro – testando e aprendendo.
Deixar as experiências se desenvolverem será um desafio para muitos líderes. Como mencionado antes, a incerteza da pandemia da COVID-19 paralisou alguns líderes ao lhes tirar o senso de controle. Adotar uma cultura de teste e aprendizado representará uma verdadeira mudança de mentalidade. Eles terão que estar confortáveis com o fato de que uma solução clara pode não estar visível imediatamente – as grandes respostas podem não surgir em anos. E eles terão que ajudar seus funcionários a se adaptarem, oferecendo um conjunto de orientações com princípios e critérios para avaliar soluções e ideias. (Para mais informações sobre o que os líderes podem fazer, leia “Return as a muscle: How lessons from COVID-19 can shape a robust operating model for hybrid and beyond (em inglês).”)
Negar a desconexão não é uma boa estratégia
Seria muito bom se os funcionários estivessem dando pulos de alegria com a perspectiva de um retorno total ao escritório. E seria ótimo se o futuro se revelasse tão glorioso e estável como às vezes imaginamos ter sido o passado. Mas trata-se apenas de fantasias nostálgicas. Não significam nada além de um sólido alicerce para a construção de uma empresa pronta para o futuro.
No momento, muita idealização está conduzindo o retorno do trabalho remoto para o presencial. Com notáveis e comoventes exceções, muitos líderes se mantiveram isolados da pandemia da COVID-19. Eles acham que é fácil e desejável que as empresas sigam em frente o quanto antes. Entretanto, suas pessoas não estão implorando para discordar. Elas estão votando com os pés no chão.
Se as lideranças não aceitarem o fato de que não sabem o futuro formato do trabalho híbrido, seus talentos continuarão indo embora. Mas os líderes têm uma escolha: eles podem continuar acreditando que irão entregar porque sempre entregaram no passado ou podem abraçar essa oportunidade única de mudança e trabalhar com sua equipe – de maneira próxima e transparente, com curiosidade, respeito e desejo de aprenderem juntos ao invés de impor – e descobrir uma nova e melhor forma de trabalho.