A pandemia provocada pelo coronavírus tem imposto demandas extraordinárias a líderes dentro e fora das empresas. O número de vítimas e o ônus humanitário da COVID-19 provocam medo entre funcionários e outros stakeholders. A escala gigantesca do surto e sua absoluta imprevisibilidade tornam excepcionalmente difícil para os executivos reagirem à altura. E, de fato, as características desse surto apontam para uma crise de proporções colossais: trata-se de um evento ou sequência de eventos inesperados, em escala gigantesca e rapidez avassaladora, resultando em altíssimo grau de incerteza e provocando desorientação, a sensação de perda de controle e forte perturbação emocional1.
Reconhecer que a empresa enfrenta uma crise é a primeira coisa que os líderes devem fazer. É um passo difícil, especialmente no início de crises que não chegam repentinamente mas surgem de circunstâncias familiares que mascaram sua real natureza2. Exemplos de tais crises incluem o surto de SARS em 2002-2003 e, agora, a pandemia do coronavírus. Para que, já no lento desenvolvimento da crise, os líderes consigam enxergar aquilo em que ela poderá se transformar, eles precisam superar o chamado “viés da normalidade”, que pode levá-los a subestimar tanto a possibilidade de a crise ser real como seus impactos3.
Após reconhecerem que se trata, efetivamente, de uma crise, os líderes precisam começar a montar uma resposta. Todavia, não devem responder como responderiam a uma emergência “de rotina”, isto é, seguindo planos previamente elaborados. Durante uma crise caracterizada por desconhecimento e incerteza, as respostas eficazes têm de ser, em larga medida, improvisadas4, e podem incluir uma ampla gama de ações: não apenas medidas temporárias (por exemplo, instituir políticas de trabalho remoto), mas também ajustes nas práticas de negócios existentes (por exemplo, adotar novas ferramentas que facilitem a colaboração) – práticas que talvez valham a pena manter, mesmo após a crise passar.
O que os líderes precisam durante uma crise não é um plano de resposta predefinido, mas sim comportamentos e mentalidades que os impeçam de reagir de maneira excessiva ou exagerada aos acontecimentos da véspera e os ajudem a olhar para o futuro. Neste artigo, exploramos cinco desses comportamentos e as mentalidades correspondentes que poderão ajudar os líderes a enfrentar a pandemia do coronavírus e também crises futuras.
O que os líderes precisam durante uma crise não é um plano de resposta predefinido, mas sim comportamentos e mentalidades que os impeçam de reagir de maneira excessiva ou exagerada aos acontecimentos da véspera e os ajudem a olhar para o futuro.
Organizando-se para responder a crises: a rede de equipes
Durante uma crise, os líderes devem abandonar a crença de que uma resposta vinda de cima possa gerar estabilidade. Em emergências de rotina, a empresa típica pode contar com sua estrutura de comando e controle para gerenciar corretamente as operações e colocar em prática medidas programadas. Porém, em crises caracterizadas pela incerteza, os líderes enfrentam problemas desconhecidos e mal compreendidos. Um pequeno grupo de executivos no topo da organização não é capaz de coletar informações ou tomar decisões com rapidez suficiente para apresentar uma resposta eficaz. Os líderes poderão mobilizar melhor suas organizações se estabelecerem prioridades claras para a resposta e capacitarem as pessoas para que identifiquem e implementem soluções que atendem a essas prioridades.
Para acelerar a resolução de problemas e a execução em condições caóticas e de alto estresse, os líderes podem organizar uma rede de equipes. Embora a rede de equipes seja uma estrutura bem conhecida, vale destacá-la porque relativamente poucas empresas têm experiência em implementar uma. Uma rede de equipes é uma congregação altamente adaptável de grupos, que se unem em torno de um propósito comum e trabalham juntos da mesma maneira como os membros individuais de uma equipe normal (Quadro)5.
Alguns elementos dessa rede realizam ações fora das operações regulares da empresa. Outros elementos identificam as implicações da crise para atividades rotineiras da empresa e efetuam ajustes – por exemplo, ajudando os funcionários a se adaptarem às novas normas de trabalho. Em muitos casos, a rede de equipes incluirá um centro de operações integrado abrangendo quatro esferas: proteção da força de trabalho, estabilização da cadeia de suprimentos, envolvimento dos clientes e testes de estresse das finanças (para obter mais informações, veja “Responding to coronavirus: The minimum viable nerve center”.
Qualquer que seja seu escopo funcional, redes de equipes eficazes possuem certas qualidades em comum. São multidisciplinares: a experiência mostra que as crises apresentam um grau de complexidade que torna necessário o envolvimento de especialistas de diferentes áreas. São projetadas para agir. Apenas solicitar o parecer de especialistas não é suficiente; os especialistas devem reunir informações, elaborar soluções, colocá-las em prática e aprimorá-las à medida que avançam. E as redes de equipes são adaptáveis – reorganizando-se, expandindo ou contraindo conforme as equipes forem aprendendo mais sobre a crise e as condições mudarem.
Os líderes devem promover a colaboração e a transparência em toda a rede de equipes. Uma maneira de fazer isso é eles próprios atribuírem autoridade e compartilharem informações, isto é, demonstrando pessoalmente como as equipes devem operar. Em situações de crise, o instinto de um líder talvez seja o de consolidar a autoridade de tomar decisões e controlar as informações, fornecendo-as somente a quem efetivamente precisar. Fazer o oposto incentivará as equipes a seguirem seu exemplo.
Outra parte crucial do papel do líder, especialmente no ambiente tenso e carregado de emoções que caracteriza uma crise, é promover a segurança psicológica para que as pessoas possam discutir abertamente ideias, dúvidas e preocupações sem medo de repercussões. Isso permite que, graças a uma salutar troca de ideias, a rede de equipes entenda melhor a situação e como lidar com ela.
Elevando os líderes durante uma crise: o valor da “calma deliberada” e do “otimismo contido”
Assim como os executivos seniores da organização devem estar preparados para transferir temporariamente algumas responsabilidades da hierarquia de comando e controle para a rede de equipes, eles também devem capacitar outras pessoas a liderarem vários aspectos da resposta da organização à crise. Isso significa conceder-lhes autoridade para tomarem e implementarem decisões sem prévia aprovação. Uma função importante dos executivos seniores é estabelecer rapidamente uma arquitetura para a tomada de decisões, de modo que a responsabilização fique clara e as decisões sejam tomadas pelas pessoas apropriadas nos diferentes níveis.
Os líderes seniores também devem assegurar que capacitarão as pessoas certas para tomar decisões de resposta à crise em toda a rede de equipes. Como os tomadores de decisões provavelmente cometerão alguns erros, é preciso que sejam capazes de aprender rapidamente e de efetuar correções sem exageros e sem paralisar a organização. No início de uma crise, os líderes seniores terão de nomear os tomadores de decisões que liderarão a resposta à crise. Mas, à medida que a crise evolui, novos líderes de resposta à crise surgirão naturalmente na rede de equipes, e esses novos líderes nem sempre serão executivos seniores.
Em emergências de rotina, a experiência talvez seja a qualidade mais valiosa que os líderes têm a oferecer. Entretanto, em uma crise de escala colossal, é o caráter que é de máxima importância. Os líderes da resposta à crise devem ser capazes de unificar as equipes em torno de um único objetivo e de delimitar as questões que elas investigarão. Os melhores líderes precisam ter inúmeras qualidades. Uma delas é a “calma deliberada”, isto é, a capacidade de desapegar-se de uma situação preocupante e de pensar com clareza sobre como enfrentá-la6. A calma deliberada é uma qualidade que costuma ser encontrada em pessoas judiciosas e bem equilibradas, que sejam humildes mas nem por isso menos vigorosas.
Outra qualidade importante é o “otimismo contido”, ou seja, confiança combinada com realismo. No início da crise, se os líderes demonstrarem confiança excessiva em face a condições obviamente periclitantes, eles podem perder a credibilidade. É mais eficaz que os líderes transmitam confiança de que a organização encontrará um caminho para a situação difícil, mas também mostrem que reconhecem a incerteza da crise e que já começaram a enfrentá-la coletando mais informações. Quando a crise passar, o otimismo será mais benéfico (e não precisará mais ser contido).
Assim como os executivos seniores da organização devem estar preparados para transferir temporariamente algumas responsabilidades da hierarquia de comando e controle para a rede de equipes, eles também devem capacitar outras pessoas a liderarem vários aspectos da resposta da organização à crise. Isso significa conceder-lhes autoridade para tomarem e implementarem decisões sem prévia aprovação.
Tomando decisões em meio à incerteza: faça uma pausa para avaliar e antever; e então aja
Esperar que surja um conjunto completo de fatos antes de determinar o que fazer é outro erro comum que os líderes cometem durante as crises. Como uma crise envolve muitas incógnitas e surpresas, é possível que os fatos não se tornem claros no prazo exigido para que as decisões sejam tomadas. Contudo, os líderes não devem recorrer apenas à intuição. Eles lidarão melhor com a incerteza e a sensação de jamais vu (o oposto de déjà vu) coletando informações continuamente enquanto a crise se desenrola e observando como suas respostas funcionam.
Na prática, isso significa fazer pausas frequentes no gerenciamento da crise, avaliar a situação de vários pontos de vista, antecipar o que poderá acontecer em seguida e, então, agir. O ciclo pausar-avaliar-antecipar-agir deve ser contínuo, pois ajuda os líderes a manter um estado de calma deliberada e a evitar reações exageradas às novas informações que forem chegando. Embora alguns momentos da crise exigirão ação imediata, sem que haja tempo para avaliar ou antecipar, os líderes também encontrarão ocasiões para parar, refletir e pensar antes de adotarem outras medidas.
Dois comportamentos cognitivos podem ajudar os líderes a avaliar e antecipar. Um deles – atualizar – envolve revisar ideias com base nas novas informações coletadas pelas equipes e no conhecimento que elas vão adquirindo. O segundo – duvidar – ajuda os líderes a refletir criticamente sobre ações presentes e futuras, e a decidir se elas precisam ser modificadas, adotadas ou descartadas. Atualizar e duvidar são atitudes que ajudam os líderes a mediar dois impulsos discordantes: o de conceberem soluções com base no que fizeram anteriormente e o de criarem novas soluções sem aproveitar as lições passadas. O ideal, evidentemente, é que os líderes aproveitem bem suas experiências e também aceitem os novos insights que surgirem.
Quando os líderes decidirem o que deve ser feito, é preciso que ajam com determinação. Uma postura resoluta não apenas aumenta a confiança da organização nos líderes, como também motiva a rede de equipes a persistir na busca de soluções para os desafios que a organização enfrenta.
Demonstrando empatia: trate a tragédia humana como a prioridade máxima
Em uma crise de escala colossal, a mente das pessoas se volta primeiro para a própria sobrevivência e outras necessidades básicas. Será que vou ficar doente ou coisa pior? E minha família? O que acontecerá depois? Quem cuidará de nós? Os líderes não devem designar o pessoal de comunicações ou do departamento jurídico para lidar com essas questões. É durante uma crise que se torna ainda mais importante que os líderes exerçam um aspecto vital de seu papel: o de fazer uma diferença positiva na vida das pessoas.
Isso requer que os líderes reconheçam os desafios pessoais e profissionais que os funcionários e seus entes queridos enfrentarão ao longo da crise. Em meados de março de 2020, a COVID-19 já provocara tragédias na vida de incontáveis pessoas, ceifando milhares de vidas. Mais de 100.000 casos haviam sido confirmados e um número muito maior estava sendo projetado. A pandemia também provocou poderosos efeitos de segunda ordem. Vários governos proibiram viagens e decretaram quarentenas, medidas importantes para proteger a saúde pública, mas que também podem impedir que as pessoas ajudem parentes e amigos ou busquem conforto em grupos comunitários ou locais de culto. O fechamento de escolas em muitas jurisdições extenua pais e mães que precisam trabalhar. Como cada crise afeta as pessoas de maneiras diferentes, os líderes devem dedicar muita atenção ao modo como as pessoas estão enfrentando a situação e tomar medidas correspondentes para apoiá-las.
Por fim, é vital que os líderes não apenas demonstrem empatia, mas também se abram à empatia dos outros e continuem atentos ao próprio bem-estar. À medida que estresse, cansaço e incerteza vão se acumulando ao longo da crise, os líderes talvez descubram que sua capacidade de processar informações, manter o equilíbrio e exercer discernimento diminui. Eles terão mais condições de combater esse tipo de declínio funcional se incentivarem os colegas a expressarem suas preocupações – e acatarem as advertências que receberem. Dedicar tempo ao próprio bem-estar permitirá que os líderes mantenham sua eficácia ao longo das semanas e meses que a crise poderá perdurar.
É durante uma crise que se torna ainda mais importante que os líderes exerçam um aspecto vital de seu papel: o de fazer uma diferença positiva na vida das pessoas. Isso requer que os líderes reconheçam os desafios pessoais e profissionais que os funcionários e seus entes queridos enfrentarão ao longo da crise.
Comunicando de modo eficaz: mantenha a transparência e forneça atualizações frequentes
Em uma crise, as comunicações dos líderes costumam errar feio no tom. Vemos repetidamente líderes adotarem um tom superotimista e confiante nas fases iniciais de uma crise – e levantando suspeitas entre os stakeholders sobre o que eles de fato sabem e se estão lidando corretamente com a crise. Figuras de autoridade também são propensas a não emitir comunicados por longos períodos, até que mais fatos surjam e decisões sejam tomadas.
Nenhuma dessas abordagens é tranquilizadora. Como Amy Edmondson escreveu recentemente, “Transparência é o ’trabalho número um’ dos líderes em uma crise. Deixe bem claro o que você sabe, o que não sabe e o que está fazendo para saber mais.” Comunicações frequentes e criteriosas mostram que os líderes estão atentos à situação e ajustando suas respostas à medida que aprendem mais. Isso os ajuda a mostrar que estão alertas e ativos diante da crise, tranquilizando os stakeholders. Os líderes devem ter cuidado especial para assegurar que as preocupações, dúvidas e interesses de cada público sejam levados em conta. Pode ser particularmente eficaz fazer com que os membros da equipe de resposta à crise falem em primeira mão sobre o que estão realizando.
As comunicações não devem cessar quando a crise passar. Oferecer uma perspectiva realista e otimista pode ter efeitos poderosos sobre os funcionários e outros stakeholders, inspirando-os a apoiar a recuperação da empresa.
A pandemia do coronavírus está pondo à prova os líderes de empresas e organizações de todos os setores ao redor do mundo. Suas consequências poderão ser mais duradouras e gerar mais dificuldades do que se imagina. A incerteza prolongada é um motivo a mais para os líderes adotarem as práticas descritas neste artigo. Aqueles que o fizerem ajudarão a instituir ou reforçar comportamentos e valores que darão suporte a suas organizações e comunidades durante essa crise, por mais que ela se estenda, preparando-as para o próximo desafio em grande escala.