Fatores culturais e alinhamento organizacional são essenciais para o sucesso (e para evitar o fracasso) de fusões. Porém, os líderes geralmente não dão à cultura a atenção que ela merece — e essa falta de atenção pode levar a maus resultados. Cerca de 95% dos executivos citam a afinidade com a cultura como elemento crucial para o sucesso da integração. No entanto, 25% apontam a falta de alinhamento e coesão cultural como o principal motivo do fracasso das iniciativas de integração.
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Como as empresas podem abordar a cultura de maneira mais eficiente durante uma fusão? Como a oportunidade de transformação trazida pela fusão pode servir de base para construir uma organização saudável de alto desempenho?
Este artigo descreve nossa abordagem à cultura durante fusões — como compreendê-la e lidar com ela — e se concentra nas ações necessárias para combinar operações e entregar valor. Essa abordagem vem sendo aperfeiçoada nas mais de 2.800 fusões realizadas nos últimos cinco anos.
O que é cultura?
A cultura costuma ser definida como um dos seguintes itens, ou uma combinação deles: culturas nacionais (alemã em contraposição à norte-americana, por exemplo), artefatos (como terno e gravata em contraposição a jeans) e engajamento dos funcionários (incluindo níveis de satisfação). Acreditamos que essas definições de cultura acabam por nos distrair da questão central. Por isso, adotamos uma visão bastante prática, que transcende fronteiras nacionais. Definimos cultura como o resultado da visão ou missão que impulsiona uma empresa, os valores que orientam o comportamento de seu pessoal e as práticas de gestão, normas de trabalho e mentalidades que caracterizam a forma como se trabalha na empresa.
A visão e os valores de uma empresa são quase sempre claramente definidos durante uma fusão, geralmente pelo CEO, com a contribuição da equipe de liderança. Os verdadeiros desafios são gerenciar e alinhar a forma como se trabalha na empresa. Nesse nível, mal-entendidos, atritos e tensões podem dificultar ou impossibilitar que as equipes trabalhem juntas de forma eficaz e podem comprometer o sucesso do negócio (ver sidebar “Estudo de caso 1”).
Nossa abordagem à cultura
Existem três etapas principais para compreender e gerenciar a cultura durante uma fusão:
- Diagnosticar como se trabalha na empresa.
- Estabelecer prioridades.
- Incorporar a transformação e apoiá-la.
Para o sucesso da abordagem, as empresas devem iniciar logo esse processo — muito antes de fechar o acordo de fusão, se possível — e agir antes que a integração cultural se torne mais difícil. O processo deve ser conduzido a partir da equipe de liderança, que deve se comprometer com a iniciativa de alinhamento da cultura. Além disso, os funcionários devem estar fortemente engajados. Dito de forma simples, a cultura é assunto de todos; não é apenas mais um item na lista de tarefas do RH. Na verdade, o RH é apenas um facilitador. A cultura é a alma do negócio (ver sidebar “Os cinco principais fatores de sucesso”).
Etapa 1: Fazer o diagnóstico da forma de trabalhar
Uma vez iniciado o processo de fusão, os líderes devem, o quanto antes, aprender sobre a cultura das empresas envolvidas.
Do ponto de vista da estratégia, diversas questões centrais devem ser consideradas. Qual é o “tempero secreto” da empresa adquirida, quais são suas “pérolas”, ou seja, os fatores que devem ser preservados por serem intrínsecos ao valor que ela traz à adquirente? Como a adquirente pode se beneficiar da adquirida, do ponto de vista da cultura? Como a adquirida pode se beneficiar da adquirente, do ponto de vista da cultura?
Em relação à tática, é importante saber como se trabalha nas duas empresas: saber quais são suas práticas de gestão e normas de trabalho. Como são tomadas as decisões (é um processo centralizado ou descentralizado, por exemplo)? Como motivam seu pessoal (por meio de incentivos financeiros ou emocionais, por exemplo)? E como as pessoas são responsabilizadas — de forma individual ou coletiva (como equipe)?
É preciso usar uma abordagem científica para diagnosticar a cultura. A intuição dos líderes não basta para compreender plenamente a cultura de nenhuma das duas empresas.
Existem diversas abordagens para o diagnóstico, de entrevistas com gestores a focus groups com funcionários para pesquisas. As pesquisas podem envolver um grande número de pessoas e dar voz a funcionários das duas empresas. Embora entrevistas individuais e focus groups direcionados possam dar insights mais específicos, eles são menos eficazes na identificação de tendências que perpassam toda a organização ou “bolsões” de comportamentos divergentes. Para obter uma visão holística, a melhor opção é usar uma combinação de abordagens diagnósticas. Porém, a estrutura e a terminologia usadas nesses métodos devem ser consistentes. Os objetivos são gerar uma base de fatos sobre as culturas existentes e construir uma única linguagem comum com base nesse entendimento. Quais são as semelhanças? Quais são as oportunidades? Que diferenças podem causar atrito?
Etapa 2: Estabelecer prioridades
Quando os líderes tiverem compreendido as culturas existentes, podem começar a estabelecer as prioridades culturais imediatas, que devem se basear em dois pontos focais. O primeiro são áreas em que a cultura pode ajudar a maximizar o valor da fusão (como adotar uma cultura que valorize o desempenho para atingir metas de vendas ambiciosas). O segundo são áreas em que as empresas devem gerenciar diferenças significativas na forma de trabalhar para construir uma única organização de alto desempenho. Elas muitas vezes são expressas na forma de mudanças “antes–depois” que são fáceis de comunicar. Com base nos dados do diagnóstico, a equipe de liderança deve desenvolver um ponto de vista sobre as mudanças. Esse alinhamento deve incluir, sempre que possível, líderes da empresa adquirida, pois o alinhamento e o exemplo da liderança são essenciais ao sucesso da implementação.
O passo seguinte é codificar um conjunto específico de comportamentos, ou práticas de gestão, que fortalecerão ainda mais a nova empresa. A articulação desses comportamentos é um passo importante para traduzir as mudanças “antes–depois” mais gerais em ações práticas e táticas. Uma mudança, por exemplo, poderia envolver afastar-se de uma abordagem de gestão do desempenho com responsabilidades e papéis pouco claros e passar para uma abordagem com papéis muito claramente definidos e metas de desempenho específicas para cada funcionário.
Artefatos culturais — como nova visão, missão e valores, reforçados por meio de símbolos, emblemas e branding — podem ajudar a sinalizar e estimular esses comportamentos. Esses artefatos são importantes pré-requisitos para acertar na cultura e devem ser desenvolvidos com uma ideia clara de exatamente quais comportamentos devem ser reforçados por meio deles.
Além disso, a equipe de liderança deve iniciar, rapidamente, a dar o exemplo da mudança de comportamento. Uma narrativa de mudança convincente e consistente deve ser desenvolvida de forma central e coletiva, e todos os membros da equipe de liderança devem personalizá-la com suas próprias experiências. Eles devem até mesmo usar essa narrativa para interagir com seus funcionários sempre que possível.
Depois que a equipe de liderança tiver entrado em acordo sobre o comportamento desejado, deve-se desenvolver um plano de mudança abrangente, estruturado com base em temas da cultura da empresa. Cada um dos temas pode se desdobrar em iniciativas concretas: atividades e ações que constituem o plano de mudança e que são monitoradas por meio de KPIs (indicadores-chave de desempenho) definidos. O objetivo poderia ser, por exemplo, criar uma força de vendas mais ágil e orientada por desempenho que trabalhe em conjunto para fazer o cross-selling (Quadro). Isso pode ser traduzido em temas da cultura que apoiem a iniciativa, tais como trabalhar bem em conjunto e tomar decisões rapidamente. Então podem ser desenvolvidas iniciativas e métricas específicas para cada um dos temas. Juntos, esses temas e as iniciativas que o compõem estimulam o comportamento desejado e promovem os objetivos gerais da fusão.
Líderes de negócios responsáveis devem conduzir todas as iniciativas ao invés de delegá-las a grupos de comunicações ou ao RH. As iniciativas devem conter um mix de medidas hard (tais como incentivos estruturados) e medidas soft (tais como comunicação e comemoração). É importante lembrar que mudar a cultura de uma empresa geralmente exige muitos ganhos incrementais que se reforcem mutuamente. Muitas das iniciativas serão — e deverão mesmo ser — muito táticas. Introduzir uma abordagem disciplinada à forma como as reuniões são realizadas, por exemplo, pode ajudar a incutir uma cultura de respeito pelo tempo das outras pessoas. A definição clara dos direitos de decisão pode aumentar diretamente o senso de empoderamento e agilizar a tomada de decisões. No entanto, o verdadeiro poder dessas ações específicas está no seu efeito cumulativo. Por isso, elas devem fazer parte de uma abordagem estruturada.
Etapa 3: Incorporar a transformação e apoiá-la
Quando uma série de temas e iniciativas coerentes tiver sido identificada, ela pode ser incorporada ao modelo operacional e às práticas diárias da nova empresa (ver sidebar “Estudo de caso dois”). Para o sucesso da mudança, o redesenho de políticas, processos e modelos de governança deve refletir esses aspectos culturais importantes. O cultivo de uma cultura de respeito, por exemplo, pode se refletir em declarações de valores e políticas da empresa. Isso poderia também se tornar um critério em avaliações de desempenho e cálculos de remuneração individuais. E, ao final de cada reunião de governança, os participantes podem refletir sobre terem se sentido respeitados — ou não — pelos outros durante a conversa. Multiplicar e reforçar as mudanças culturais desejadas por meio de uma série de iniciativas que se reforcem mutuamente ajuda as empresas a modificar comportamentos rapidamente e estabelecer o ‘novo normal’.
Para gerenciar adequadamente a integração cultural, a equipe da fusão também deve garantir que as mensagens e o comportamento corretos se multipliquem na nova empresa. Isso exige mais do que apenas transmitir mensagens de cima para baixo. Estruturas formais nem sempre são a melhor maneira de influenciar uma organização, e os executivos nem sempre entendem quem são os verdadeiros influenciadores. Ao identificar os funcionários mais influentes, os líderes podem recrutá-los como agentes da mudança e dar a eles o treinamento e as habilidades necessárias para desempenhar esse papel com eficácia. Isso deve incluir instruções sobre como comunicar a narrativa da mudança e como dar o exemplo do comportamento exigido das áreas do negócio em que o influenciador trabalha. Iniciativas peculiares envolvendo a equipe de liderança também podem ajudar a enfatizar seu compromisso e criar um senso de esforço comum. Isso pode incluir tornar o dress code da nova empresa semelhante ao da empresa adquirida, sinalizando a mudança dos dois lados.
As empresas geralmente deixam a desejar ao tentar realizar suas aspirações culturais durante essa terceira etapa. Elas devem acompanhar a implementação dos temas e iniciativas com o mesmo rigor que usam para as metas financeiras. Os líderes devem desenvolver marcos claros, incorporá-los a um plano diretor monitorado centralmente e acompanhá-los de perto. Os KPIs também devem ser monitorados regularmente para medir se os objetivos da integração cultural estão sendo alcançados, e os líderes devem realizar ações corretivas quando necessário. Pesquisas e focus groups adicionais com funcionários podem monitorar o efeito sobre o pessoal. A equipe principal deve assumir a propriedade do processo, responsabilizando os líderes dos temas e lidando com os pontos problemáticos de forma proativa.
Uma fusão oferece uma oportunidade única de transformar uma organização recém-combinada, moldar sua cultura de acordo com prioridades estratégicas e garantir sua saúde e desempenho nos anos seguintes. Ao estabelecer uma clara base de fatos e compreender as culturas existentes, os líderes podem usar uma linguagem comum para definir a os rumos da cultura de um nova empresa de alto desempenho. Uma equipe de liderança alinhada pode começar a dar o exemplo do comportamento específico necessário e liderar um programa de iniciativas claro e coerente que comunique e incorpore o comportamento de forma mais ampla. Ao acompanhar o efeito dessas iniciativas, as empresas podem tomar outras medidas para corrigir o rumo conforme necessário.
Como vimos, no longo prazo, empresas com culturas corporativas alinhadas e forte saúde organizacional proporcionam, em média, retornos totais aos acionistas três vezes maiores do que empresas cujas culturas e saúde organizacional não estejam intimamente conectadas. Dada a magnitude do benefício, o alinhamento cultural deve ser central a qualquer integração durante uma fusão.