A perspectiva de vacinas bem-sucedidas para a COVID-19 trouxe aos líderes empresariais de todos os lugares a esperança de que a pandemia possa estar finalmente chegando a um ponto de inflexão. E isso vem no momento certo: a adrenalina organizacional que ajudou muitas empresas a fazerem as coisas bem feitas e com rapidez no começo da pandemia vem sendo, em muitos casos, substituída por fadiga.
No entanto, apesar de os líderes estarem atuando para recarregar as baterias de seus funcionários e organizações, aqueles com mais visão de futuro estão enxergando uma oportunidade maior: a de desenvolver ainda mais as conquistas relacionadas à pandemia e reexaminar (ou mesmo reformular) a identidade, o funcionamento e o crescimento da organização.
A pressão pela mudança vinha aumentando havia anos. Bem antes da pandemia de COVID-19, os executivos seniores habitualmente receavam que suas organizações fossem demasiadamente lentas, divididas em silos, burocráticas e atoladas em estruturas matriciais complicadas. O que muitos líderes temiam, e a pandemia confirma, é que suas empresas estivessem organizadas para um mundo que está desaparecendo – uma era de padronização e previsibilidade que vem sendo substituída por quatro grandes tendências: uma combinação de maior conectividade, custos de transação mais baixos, automação sem precedentes e mudanças demográficas (Quadro 1). (Para mais informações sobre essas forças, vide “Organizing for the future: Why now?”) E, se as empresas estabelecidas não viam o futuro em si mesmas, elas o viam claramente na concorrência: empresas digitais em ascensão que continuam a inovar e a vencer de maneiras novas e ousadas.
No presente artigo, sintetizaremos lições provenientes de nossa experiência e de novas pesquisas sobre as práticas organizacionais de 30 empresas de melhor desempenho para destacar as melhores maneiras de as empresas se organizarem para o futuro. Embora nenhuma organização tenha decifrado o código ainda, a experimentação em andamento indica que as empresas prontas para o futuro têm em comum três características: elas sabem quem são e o que representam; atuam com foco na rapidez e na simplicidade; e crescem aumentando sua capacidade de aprender, inovar e buscar boas ideias, qualquer que seja a origem dessas ideias. Ao adotar esses fundamentos – por meio dos nove imperativos organizacionais que os respaldam –, as empresas aumentarão a probabilidade de prosperarem no novo normal.
A má notícia? As empresas não têm tempo nenhum a perder. Em um ambiente de negócios no qual, cada vez mais, o vencedor leva tudo – pesquisas da McKinsey constataram que até 95% do lucro econômico é obtido pelos 20% de empresas de melhor desempenho –, qualquer organização que não esteja em busca de novas abordagens está com os dias contados.
A boa notícia? Além de essas empresas de melhor desempenho constituírem exemplos de como uma organização pode melhorar, empresas de todas as partes estão reconhecendo que a pandemia constitui uma rara oportunidade de mudança. De fato, a tão esperada – e, sim, inevitável – transição do atual modo de crise da COVID-19 para o novo normal oferece aos executivos seniores uma oportunidade ímpar de saírem da paralisia. Ao aproveitarem essa oportunidade, as empresas poderão descobrir “desbloqueios” organizacionais e criar novos sistemas antifrágeis1, mais flexíveis, mais orgânicos, mais interconectados, mais dotados de propósito – e simplesmente mais humanos2.
Reinventar-se é preciso
Pergunte a um executivo sobre sua empresa, e é provável que ele lhe mostre um organograma. Não é de admirar. Os conceitos de gestão que o organograma exibe – coordenação, hierarquia, organização matricial – são aqueles com os quais os líderes cresceram e que eles conhecem melhor; idem para as gerações anteriores. O organograma original foi criado em 1854 para ajudar na administração da ferrovia de Nova York e Erie, na época da locomotiva a vapor.
É nele que está o desafio. As organizações da atualidade são constituídas na forma de hierarquias tradicionais ou organizações matriciais com raízes que remontam às revoluções industriais dos séculos 18, 19 e 20. Teoricamente, essas estruturas apresentam linhas claras de autoridade que partem dos funcionários da linha de frente e sobem através dos escalões executivos. Na realidade, as estruturas matriciais foram ficando cada vez mais complexas à medida que a complexidade dos negócios também aumentava – a ponto de, em algumas empresas, estarem tão complicadas que mal funcionam.
A lição disso? Não devemos supor que esses modelos antigos sejam adequados ao propósito no panorama atual. Eles são deliberadamente mecanicistas, desenvolvidos em prol da uniformidade, burocracia e controle – objetivos que enfraquecem o que as empresas priorizam hoje em dia: criatividade, rapidez e prestação de contas.
A solução não é modificar os modelos antigos, mas substituí-los por algo radicalmente melhor.
Organizando-se para o futuro (no qual o vencedor leva tudo)
Para definir o que é “radicalmente melhor” para as organizações, nós – juntamente com nossos colegas da Prática de Organizações da McKinsey – iniciamos uma pesquisa em 2018 para entender como as empresas podem se organizar com sucesso para o futuro. Esse trabalho identificou nove imperativos, destacados no Quadro 2, que acreditamos distinguir as organizações prontas para o futuro.
O Quadro 3 mostra em que medida 30 empresas norte-americanas de melhor desempenho já estão tomando ou cogitando tomar medidas ousadas com relação aos imperativos. Essas empresas – todas entre as três primeiras de seu setor em termos do lucro econômico total obtido entre 2015 e 2019 – representam a vanguarda de um mundo no qual, cada vez mais, o vencedor leva tudo (vide coluna “O vencedor leva tudo”).
Como nossos colegas da Prática de Estratégia e Finanças Corporativas da McKinsey demonstraram em seu livro Strategy Beyond the Hockey Stick, de 2018, as empresas situadas no quintil superior do lucro econômico obtêm quase 90% dele. Uma análise mais recente mostra que essa parcela subiu para 95% – praticamente todos os retornos acima do custo do capital.
Claramente, a necessidade de reformular uma organização e realizar ações ousadas nunca foi tão evidente. Para ver como as empresas podem fazer as duas coisas, vamos nos voltar aos imperativos organizacionais e examinar as maneiras pelas quais eles ajudam as organizações a responder a três questões centrais: quem somos? Como atuamos? Como crescemos?
Quem somos: fortalecer a identidade
Em seu influente ensaio “The nature of the firm”3, de 1937, o economista Ronald Coase, que viria a receber um Prêmio Nobel, argumentou que as corporações existem para evitar os custos de transação do livre mercado. No entanto, como os custos de transação vêm despencando (devido ao aumento da conectividade), esse raciocínio não se sustenta mais. Por que, então, existem empresas?
A resposta é a identidade. As pessoas desejam pertencer, querem fazer parte de algo maior do que elas. As empresas que se fixam apenas nos lucros perderão espaço para as organizações que criam uma forte identidade que atende à necessidade de afiliação, coesão social, propósito e sentido por parte dos funcionários.
As organizações prontas para o futuro fazem isso de três maneiras: elas deixam claro seu propósito; sabem como criam valor e por que são ímpares; e criam uma cultura forte e distinta que ajuda a atrair e reter os melhores funcionários.
Imperativo 1: tomar posição com relação ao propósito
As organizações de melhor desempenho sabem que o propósito é um fator de diferenciação e algo indispensável. Um forte sentido de propósito corporativo é a afirmação de identidade específica de uma empresa – o porquê do trabalho4– e personifica tudo que a organização representa dos pontos de vista histórico, emocional, social e prático.
As empresas prontas para o futuro reconhecem que o propósito ajuda a atrair as pessoas a ingressarem em uma organização, permanecerem lá e se desenvolverem. Os investidores sabem por que isso é valioso e incluem o propósito em sua tomada de decisões: a ascensão dos fundos com critérios ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês de “environmental, social and governance”) é apenas uma das maneiras pelas quais eles reconhecem que o propósito está vinculado à geração de valor de forma perceptível.
Não obstante, são poucas as empresas que utilizam o propósito de modo pleno. Em um levantamento feito pela McKinsey com funcionários de empresas norte-americanas, 82% disseram que o propósito organizacional é importante, mas apenas metade dessas pessoas declararam que seu propósito causava impacto. Como transpor essa barreira? Tomar medidas para colocar o propósito da empresa em ação; ajudar a torná-lo real para as pessoas. Isso só acontece quando os funcionários se identificam com o propósito de sua empresa e se sentem conectados a ele. Embora essas conexões possam ser incentivadas e reforçadas por meio de ações significativas e simbólicas – por exemplo, a Amazon deixa uma cadeira vazia nas reuniões para representar o papel do cliente nas decisões5–, o propósito também deve ser forjado em escolhas e comportamentos tangíveis. Veja a opção da CVS Health por parar de vender produtos de tabaco, com o intuito de atingir mais plenamente o propósito de “ajudar as pessoas em seu caminho para uma saúde melhor”6.
Costuma-se dizer que “onde os seus talentos e as necessidades do mundo se cruzam, é lá que está a sua vocação”. De fato, os funcionários aspiram mais (e até vivem mais) quando suas energias são canalizadas para um propósito. Pesquisas da McKinsey constataram que as pessoas que afirmam estar “vivendo seu propósito” no trabalho têm probabilidade quatro vezes maior de relatar níveis mais altos de envolvimento do que aquelas que dizem não estar.
Quando centrado no âmago do trabalho, o propósito ajuda as pessoas a lidarem com a incerteza, inspira comprometimento e chega até a revelar potencial de mercado inexplorado. As organizações prontas para o futuro articulam claramente o que representam e por que existem e usam o propósito como a cola que une funcionários e outros stakeholders de maneiras que embasam suas escolhas empresariais.
Imperativo 2: aprimorar seu plano de valor
Embora toda empresa tenha uma estratégia para gerar valor7, poucas são capazes de mostrar com precisão como a organização o gera. As empresas prontas para o futuro, por outro lado, evitam esse dilema criando um plano de valor – um mapa que decompõe as ambições e metas da empresa em elementos organizacionais tangíveis, como unidades de negócios, regiões, linhas de produtos e até mesmo capacidades essenciais. De posse desse quadro, as empresas podem articular onde o valor é gerado na organização, o que diferencia a empresa das demais e pode inclusive impulsionar seu sucesso no futuro.
O segredo é usar o plano de valor para concentrar os esforços da organização e incutir em cada funcionário uma noção do que realmente importa. Quando as organizações são capazes de utilizar essa clareza – sabendo exatamente o que as diferencia de todas as outras –, os resultados são robustos e difíceis de imitar. Pense em como a Apple se empenha em oferecer a melhor experiência ao usuário. A obsessão da empresa quando se trata de agradar aos clientes inclui coisas óbvias, como o design dos produtos, mas se estende à maneira de embalá-los: a empresa tem uma pequena equipe dedicada apenas à embalagem para garantir que a experiência de abrir a caixa provoque a resposta emocional certa8.
O poder de um plano de valor claro não está apenas em ajudar a empresa a melhor alcançar suas prioridades estratégicas hoje, mas também em dar à organização uma visão de como redirecionar os recursos conforme as prioridades mudem. Afinal, as empresas de melhor desempenho realocam seu pessoal de forma agressiva, dinâmica e contínua de acordo com suas prioridades centrais, reconhecendo que essa atividade é tanto um motor econômico quanto um ponto forte concorrencial no longo prazo. De acordo com pesquisas da McKinsey, as empresas que realocam frequentemente os talentos a iniciativas de alto valor têm probabilidade duas vezes maior de superar seus pares no retorno total aos acionistas.
Imperativo 3: usar a cultura como seu “molho secreto”
Além de terem um porquê (propósito) e um quê (plano de valor) claros, as empresas que prosperarão no novo normal se distinguirão por sua cultura – o como de qualquer organização. Cultura é aquele conjunto singular de comportamentos, rituais, símbolos e experiências que descrevem coletivamente “como tocamos as coisas”. Nas empresas mais bem-sucedidas, a cultura é a espinha dorsal da saúde organizacional e impulsiona um desempenho superior constante ao longo do tempo: as empresas que têm uma cultura forte atingem retornos totais para os acionistas até três vezes maiores em comparação com as empresas que não têm.
Alguns sinais que revelam uma forte cultura de desempenho: líderes que exibem constantemente os comportamentos que a empresa almeja, práticas de trabalho que se destacam e parecem novas para quem observa de fora e abordagens inovadoras de momentos importantes – tudo, desde a integração de funcionários até a maneira de fazer reuniões. A Amazon, por exemplo, é famosa por impor sua “regra das duas pizzas”, que determina que nenhuma equipe deve ser maior do que duas pizzas são capazes de alimentar. A regra vai ao encontro da abordagem peculiar que a empresa aplica às reuniões: mantê-las pequenas, não usar PowerPoint e começar com silêncio para dar tempo aos participantes para relerem o memorando pré-reunião obrigatório (tempo a que o CEO, Jeff Bezos, se refere como “sala de estudo”). Essas abordagens podem parecer excêntricas, mas, na verdade, favorecem diretamente um objetivo empresarial valioso: ajudar a empresa a tomar decisões melhores e mais rápidas.
Os líderes que desejam criar uma forte cultura de desempenho precisam começar pela preparação do “molho secreto” exclusivo de sua organização. O ingrediente principal: comportamentos específicos e observáveis aos quais os funcionários de todos os níveis da empresa aderem.
Temas amplos não funcionam. Em vez disso, os comportamentos devem ser parte integrante das atividades empresariais centrais e das tarefas de trabalho específicas, sobretudo nos momentos que importam. Um fabricante global, por exemplo, queria que os trabalhadores de chão de fábrica vissem a disciplina operacional como uma tarefa de todos. Para fomentar isso, a empresa incentivou as equipes da linha de frente a se reunirem brevemente no início de cada turno para repassar as “regras de ouro de segurança” da empresa. No fim das contas, o fabricante criou intervenções sob medida para diferentes grupos de funcionários com base em suas respectivas funções e objetivos e até mesmo em mentalidades específicas que, de outra forma, poderiam limitar os funcionários.
A cultura não pode existir apenas em slogans pintados nas paredes ou em linhas de assinatura de e-mail chamativas. Princípios e modos de trabalhar definidos são essenciais para criar uma organização coesa e duradoura. E saibam os plagiadores culturais: uma cultura é dificílima de copiar e, em última análise, deveria ser exclusiva de cada organização. Quando os líderes escolhem – e criam – o tipo de cultura que desejam que a organização personifique, eles criam um círculo virtuoso, atraindo os talentos certos que se desenvolverão em sua cultura, desbloquearão seu plano de valor e “turbinarão” o desempenho.
Como atuamos: priorizar a rapidez
Visite uma organização pronta para o futuro, e você verá que a rapidez é, ao mesmo tempo, uma preocupação e um viés cultural. Você até a ouvirá no vocabulário da empresa, em expressões como “aumentar a velocidade do relógio”, “taxa metabólica” ou “propensão à ação”. Embora a crise da COVID-19 tenha transformado a rapidez em prioridade para muitas organizações, ela também enfatizou como é difícil dominar a rapidez. Depois que as organizações promovem a identidade, elas precisam se otimizar em termos de rapidez. Os modelos operacionais precisam ser rápidos, ágeis e sem atrito para criar formas de trabalho que promovam a agilidade e a simplicidade. Eles precisam permitir que uma rede de equipes dinâmicas e capacitadas encontre bolsões de valor, inclusive na “periferia” da empresa, onde os funcionários estão mais perto dos clientes.
Imperativo 4: nivelar radicalmente a estrutura
Com o aumento da complexidade e da interconexão do ambiente de negócios nos últimos anos, muitas empresas refletiram essas mudanças em sua estrutura organizacional, criando uma matriz cada vez mais complicada. Inconscientemente, elas estão apostando na complexidade organizacional para fazer frente à complexidade do mercado.
É uma aposta perdida. As organizações prontas para o futuro, ao contrário, estruturam-se de maneiras que as tornam mais adaptadas, mais niveladas, mais rápidas e muito melhores em desbloquear um valor considerável. Seu objetivo não é erradicar a hierarquia, mas torná-la menos importante como mecanismo organizador. Elas nivelam a organização e adotam a estrutura de P&L mais simples possível, reforçando os objetivos empresariais com uma gestão de desempenho forte e clara, além de outros mecanismos.
Veja a Haier, fabricante multinacional de eletrodomésticos e eletrônicos sediada na China, que passou de uma estrutura hierárquica tradicional para equipes emergentes e ágeis. A Haier tem uma das abordagens mais interessantes que já encontramos: é uma organização sem escalões, sem chefes tradicionais e sem gerência de nível médio; no entanto, a empresa é tudo menos um salve-se quem puder.
Em vez disso, milhares de “microempreendimentos” independentes – equipes pequenas e flexíveis que se formam por seleção mútua – colaboram em redes de plataformas e pessoas para atingir os objetivos da empresa. Há três formas de microempreendimentos: unidades transformadoras, que aspiram a reinventar produtos existentes; unidades incubadoras, que criam produtos totalmente novos; e unidades nós, que apoiam as outras com serviços e produtos componentes9.
Outra abordagem interessante é a de “organização em hélice”. Nesse modelo, a subordinação é dividida em duas linhas de prestação de contas separadas e paralelas – uma com foco na estabilidade, e a outra, na rapidez. Para alcançar a primeira, um gerente de capacidades voltado a funções supervisiona o plano de carreira de longo prazo de um funcionário e o desenvolvimento de suas habilidades. Para a segunda, um “gerente de valor” voltado ao mercado define prioridades e executa a supervisão diária, assegurando que as pessoas possam ser mobilizadas com a flexibilidade necessária para atender às prioridades. Esse modelo permite a realocação ágil de pessoas, evitando as confusões da tradicional subordinação dupla.
Esses exemplos revelam uma visão do futuro na qual a estrutura organizacional não se concentra mais em caixas e linhas. Em vez disso, ela é centrada na conectividade – quem trabalha no que e com quem. A organizações prontas para o futuro necessitam de modelos concebidos, cultivados e desenvolvidos em torno de pessoas e atividades. Além disso, em virtude dos avanços na tecnologia digital, os chefes dos anos vindouros poderão se tornar verdadeiros treinadores e viabilizadores – não microgerenciadores – em amplitudes maiores de controle (é possível imaginar um gerente para 30 funcionários, em comparação com proporções muito menores). Quando as empresas têm uma identidade forte que embasa suas prioridades e maneiras de trabalhar, as responsabilidades e os direitos de decisão claros podem capacitar a equipe de linha de frente a tomar decisões em tempo real.
Por fim, repensar a estrutura significa repensar as equipes. Muitas empresas vêm criando redes de equipes capacitadas a operar fora das estruturas atuais, assumir algumas operações críticas e lidar com situações em rápida evolução. Empresas como o Google seguem uma abordagem de gestão de “soma não zero”, na qual o desenvolvimento de linhas de comunicação em todas as direções é mais importante do que as relações de subordinação10. Essas equipes reúnem habilidades multifuncionais e uma ampla gama de experiências, ao mesmo tempo que evitam a bagagem usual das mentalidades mais hierárquicas. As equipes são capazes de agir com rapidez porque são flexíveis. Elas se formam, se desfazem, se remodelam e fazem experimentos enquanto aprendem lições, cometem e corrigem erros e tentam novas abordagens.
Imperativo 5: turbinar a tomada de decisões
Um levantamento recente da McKinsey constatou que as organizações que tomam decisões rapidamente têm probabilidade duas vezes maior de tomar decisões de alta qualidade em relação às que são lentas na tomada de decisões. Por sua vez, as organizações que tomam decisões boas e rápidas regularmente têm maior probabilidade de apresentar um melhor desempenho do que seus pares. No entanto, apenas um em cada três entrevistados disse que sua organização toma decisões rápidas e de alta qualidade regularmente.
Ter qualidade e rapidez ao mesmo tempo é trabalhoso. Requer um sistema que aloque adequadamente as decisões aos executivos, equipes, pessoas ou mesmo algoritmos certos. O primeiro escalão precisa focar seu tempo e energia nas principais decisões empresariais que só ele pode tomar, como as iniciativas centrais para o plano de valor. Já os outros líderes devem passar mais tempo decidindo sobre a alocação de recursos e talentos para essas iniciativas. O que deve estar presente na mente de todos é quem está trabalhando no quê. Ao se gerirem os recursos disponíveis a partir do topo da organização, pode-se acelerar e aumentar a qualidade das decisões.
Para se prepararem para o futuro, muitas empresas precisarão redefinir seu modo padrão, desenvolvendo uma propensão à ação e a capacidade de diferenciar entre decisões transversais e delegáveis. A grande maioria das decisões deve ser delegada aos níveis mais baixos possíveis, atribuindo aos funcionários da periferia da empresa poder e prestação de contas com relação às decisões que estão preparados e mais bem posicionados para tomar. Por exemplo, a maioria das decisões operacionais da Alibaba é tomada por pequenas equipes respaldadas por machine learning e aplicações criativas de dados11. Os executivos líderes da empresa se concentram em decisões transversais, como a alocação de recursos para as principais iniciativas. Muitas decisões e processos precisam de menos da metade das etapas que os executivos julgam ser necessárias. Esse tipo de otimização é fundamental para aumentar a rapidez das decisões.
As organizações líderes também dimensionam corretamente o número de tomadores de decisões e de vozes cruciais envolvidas em uma decisão. Cada participante deve ser incluído de maneira decidida, visando claramente eliminar os “espectadores” de decisões ou outras pessoas que não desempenhem um papel crucial no processo. Quem tem direito a voto? Quem tem voz? Observe-se que ter clareza sobre isso não significa necessariamente limitar o número de pessoas envolvidas nem eliminar perspectivas diferentes. Significa apenas garantir que haja um forte motivo para cada participante estar presente.
A crise da COVID-19 obrigou as empresas a “turbinar” a tomada de decisões por necessidade. A título de exemplo, a Sysco, a maior empresa de distribuição de alimentos dos Estados Unidos, fez uma reviravolta em seu negócio principal em apenas algumas semanas para prestar serviços ao setor de varejo de alimentos, utilizando sua expertise em supply chain12. Como confidenciou um executivo de outra empresa no começo da pandemia: “No momento, estamos tomando as decisões de um mês inteiro a cada dia”. Esses exemplos indicam que as empresas têm musculatura para acelerar a tomada de decisões. Agora, elas devem fortalecer e contrair esses músculos, incorporando o que estão aprendendo com a crise a processos de tomada de decisões reformulados para o futuro.
Imperativo 6: tratar os talentos como mais escassos do que o capital
O mundo do trabalho está mudando rapidamente. Alguns empregos estão sendo substituídos pela automação, enquanto outros, favorecidos por plataformas tecnológicas, estão se espalhando mundialmente. Essas mudanças vêm levando muitas empresas a repensar sua estratégia de talentos. As empresas de melhor desempenho ancorarão essa iniciativa em um princípio fundamental: nossos talentos são nosso recurso mais escasso. Depois, elas se concentrarão em três questões centrais: de que talentos precisamos? Como podemos atraí-los? E como podemos gerir os talentos de maneira mais eficaz para executar nosso plano de valor?
Responder à primeira pergunta (de que talentos precisamos?) será dificílimo para as empresas que ainda não tenham se dedicado a criar um plano de valor. Nossas pesquisas constataram que uma quantidade substancial de valor nas organizações está associada a apenas 25 a 50 funções, muitas das quais não estão nos escalões superiores da empresa. Os líderes precisam saber quais são essas funções. Se não souberem, podem estar desperdiçando os melhores talentos em funções que não geram um grande valor.
Criar um destino atraente para os melhores talentos significa promover uma experiência inclusiva para os funcionários. Isso influencia a permanência e o desenvolvimento dos funcionários, o que, por sua vez, afeta os resultados financeiros da empresa. Em um levantamento global recente da McKinsey, 39% dos entrevistados disseram que recusaram um emprego ou decidiram não ir atrás de um emprego devido à percepção de falta de inclusão na organização. E outra pesquisa da McKinsey constatou que as empresas situadas no quartil superior de diversidade racial / étnica e diversidade de gênero no nível executivo têm, respectivamente, 36% e 25% mais probabilidade de obter lucratividade acima da média em relação às empresas do quartil inferior.
Quando se trata de gestão de desempenho, os executivos seniores podem aprender com empresas como a Netflix, a qual afirma que sua prioridade é ter “astros e estrelas” em todos os cargos e em todos os níveis. Embora essa declaração possa parecer um lema vazio em outra empresa, na Netflix ela atende a uma necessidade importante: a cultura extremamente autônoma da empresa seria prejudicada se as pessoas erradas estivessem atuando. Para diminuir a probabilidade de isso acontecer, a Netflix incentiva ativamente a saída de quem tem desempenho “adequado”.
Por fim, as empresas prontas para o futuro percebem que os ecossistemas de talentos geralmente permitem a melhor gestão e alocação dos principais talentos. Em alguns casos, as empresas contam com marketplaces de base tecnológica para fazer uma melhor correspondência entre habilidades e projetos. Esses ecossistemas de talentos podem até ultrapassar as fronteiras corporativas tradicionais. Por exemplo, a Networking Academy da Cisco oferece treinamento em TI e desenvolvimento de habilidades de forma individualizada a fim de preparar os alunos para uma série de funções relacionadas à tecnologia e depois os conecta a oportunidades de emprego, inclusive com parceiros externos. Os participantes se beneficiam de maiores oportunidades de progredir na carreira. Mas a Cisco também ganha ao explorar um pool maior de talentos com habilidades específicas que a empresa prioriza.
Como crescemos: desenvolver-se com vistas à escala
As organizações não podem simplesmente impor decisões sobre sua identidade ou seus modelos operacionais e declarar vitória. Com o aumento da conectividade e da automação e a mudança das expectativas das gerações mais jovens, as empresas deverão estar preparadas para uma adaptação ágil e constante se quiserem crescer continuamente.
Para tanto, é necessária interação constante com stakeholders, tecnologia e funcionários. A melhor maneira de garantir isso é aproveitar um ecossistema vibrante de parceiros fora das fronteiras tradicionais da empresa, desenvolver plataformas tecnológicas ricas em dados que apoiem o crescimento e a inovação e acelerar a aprendizagem para abastecer o motor de talentos de que elas precisarão para terem sucesso.
Imperativo 7: adotar uma visão de ecossistema
Em 2014, a Tesla tomou a decisão aparentemente radical de abrir suas patentes e incentivar outras empresas a usar a propriedade intelectual dela. Em retrospecto, essa escolha é um modelo brilhante das decisões voltadas ao ecossistema que todas as empresas prontas para o futuro devem tomar. A montadora reconheceu que não conseguiria crescer sem parceiros que construíssem estações de recarga e oferecessem serviços para criar a infraestrutura de apoio aos veículos elétricos. Ao se colocar no centro de um ecossistema crescente de parceiros, a Tesla lançou as bases de seu próprio crescimento exponencial.
As organizações preparadas para o futuro levarão esses exemplos a sério, reconhecendo que os entendimentos tradicionais sobre o que é uma organização e onde estão seus limites vêm sendo derrubados. A ideia antiga consistia em ganhar influência e controlar o supply chain. Cada vez mais, no entanto, o valor é criado por meio de redes nas quais os parceiros compartilham dados, códigos e habilidades e nas quais comunidades de empresas geram valor e antifragilidade juntas.
O reconhecimento subjacente que as melhores empresas adotam (e que as retardatárias têm dificuldade em aceitar) é que as fontes de valor mudarão constantemente – de maneiras que não poderão ser exploradas apenas pelos negócios centrais tradicionais de uma empresa. As empresas bem-sucedidas precisam se esmerar em borrar as fronteiras, adotar uma visão sistêmica no lugar da mecanicista e adotar a fluidez no lugar dos planos fixos.
As organizações prontas para o futuro veem os parceiros como extensões de si mesmas. Esses relacionamentos são caracterizados por fronteiras porosas e altos níveis de confiança e dependência mútua para compartilhar valor e permitir que cada parceiro se concentre no que faz melhor. A Amazon, por exemplo, incentivou a formação de novas empresas de entrega, lançando um programa de trecho final de entrega que oferecia capital inicial, aluguel de vans e treinamento aos funcionários de melhor desempenho. Embora esses parceiros do sistema de entrega sejam autônomos, a Amazon os vê como uma extensão de seu ecossistema de logística e uma nova forma de parceria desenvolvida localmente13.
As parcerias devem ser cultivadas no longo prazo para desenvolver melhor a antifragilidade que ajuda os parceiros a resistir a choques. Por exemplo, o JLABS da Johnson & Johnson oferece a startups promissoras suporte e recursos em compliance, mercados, ciência e outros assuntos. Ao fazer isso, a empresa apoia e desenvolve relacionamentos com empreendedores nas “frágeis linhas de frente da inovação”14. Em vez de relacionamentos transacionais nos quais alguém sempre sai perdendo, modelos como esse adotam parcerias motivadas pelo sucesso compartilhado.
Imperativo 8: desenvolver plataformas tecnológicas ricas em dados
As empresas preparadas para o futuro levam os dados a sério. Para elas, os dados não se limitam a relatar o que está acontecendo na empresa nem a responder a uma pergunta empresarial. Os dados são a empresa.
A ascensão da Netflix é um bom exemplo, como demonstra sua transformação de pequena fornecedora de DVDs pelo correio em multifacetada plataforma global, serviço de streaming e criadora de conteúdo. A Netflix atingiu seu crescimento utilizando seus dados de usuários nos poderosos algoritmos que criaram seu mecanismo de recomendação15. O sistema de recomendação da empresa já é responsável por 80% do tempo que os clientes passam fazendo streaming de conteúdo da Netflix16. As empresas prontas para o futuro entendem que os dados podem fortalecer continuamente as decisões e o plano de valor de maneiras inesperadas, mas promissoras.
Para aproveitar os dados ao máximo, as organizações líderes devem enfrentar um conjunto complexo de tarefas. Elas devem criar abordagens atraentes da governança de dados, transformar processos em aplicações modulares, aproveitar os benefícios da tecnologia de nuvem, que é escalonável, e respaldar tudo isso por meio de orçamentos de tecnologia de custo variável que são realocados dinamicamente. Ao tirarem proveito da capacidade dos dados de se conectar e escalar, essas empresas poderão desenvolver novos produtos, serviços e até negócios em ciclos rápidos de lançamento e upgrade – do mesmo modo que a Tesla atualiza seus produtos remotamente várias vezes por ano17.
Imperativo 9: acelerar a aprendizagem enquanto organização
Explorar novas abordagens dos dados requer habilidades modernas de DevOps, bem como outras capacidades que serão novidade para a maioria dos líderes. Isso ressalta a urgência do imperativo organizacional final, aquele que ajuda a dar impulso aos outros: acelerar a aprendizagem. As empresas precisam acertar na aprendizagem para abastecer seu motor de talentos e criar uma força de trabalho capacitada e fluente na arte de “fracassar rápido, aprender, repetir”18. As empresas de alto desempenho promovem uma mentalidade de aprendizagem contínua, que incentiva e ajuda as pessoas a se adaptarem e se reinventarem para atender a necessidades em constante mudança.
Chegar a esse nível requer incutir uma mentalidade de crescimento, além de curiosidade, e abertura à experimentação e ao fracasso. O CEO da Microsoft, Satya Nadella, descreve isso como um teste de hipótese. “Em vez de dizer: ‘Tenho uma ideia’”, observa Nadella, “você poderia dizer: ‘tenho uma nova hipótese; vamos testá-la, ver se é válida, perguntar com que rapidez podemos validá-la’. E, se não for válida, seguir para a próxima”19. Essa abordagem e o correspondente empenho da empresa para mudar sua mentalidade coletiva de “saber tudo” para “aprender tudo” são emblemáticos de uma organização que aprende.
Os ambientes de experimentação e aprendizagem estimulam o crescimento e aperfeiçoamento pessoal acelerado dos funcionários. Eles podem fomentar inovações benéficas, como mostra a famosa política de “20% do tempo” do Google, que incentiva os funcionários a trabalhar em suas próprias ideias para o Google durante 20% do tempo (essa abordagem contribuiu para a criação do Gmail e do Google Maps, entre outros)20. O valor real desses programas é que eles sinalizam para a organização que a aprendizagem, a experimentação e a inovação fazem parte do trabalho diário de todos, e não são estão a cargo de uma equipe de projetos de ponta ou outro grupo especializado.
Como as instituições de ensino tradicionais não são capazes, por si próprias, de oferecer as habilidades de que as empresas necessitam, as organizações precisam olhar para dentro. Em vez de criarem programas centralizados e monolíticos dos quais as pessoas participam antes de voltarem ao trabalho diário, as empresas voltadas ao futuro desenvolverão jornadas de aprendizagem com uma combinação de conteúdo comum e conteúdo individualizado, oferecidos quando as pessoas precisam e na escala necessária21. E, seguindo as lições aprendidas durante a pandemia, esses programas devem funcionar nos ambientes de trabalho virtuais de hoje.
Em direção ao futuro
Para a maioria das organizações, a pandemia de COVID-19 e suas consequências transformaram a vida que conhecíamos. A dor, o pesar e o desarranjo econômico resultantes ainda serão sentidos por muito tempo. A maior prioridade dos líderes, portanto, é liderar com empatia e compaixão enquanto revigoram e recarregam as baterias de sua equipe e sua organização exaustas.
No momento em que as empresas enfrentam um panorama pós-crise incerto, nós as exortamos a relembrar as palavras de incentivo de Albert Einstein: em meio a cada crise há uma grande oportunidade. À medida que as organizações passem de uma mentalidade de enfrentar a situação para uma de concorrer, as melhores empresas aproveitarão a oportunidade única de sair da paralisia para imaginar – e criar – novos sistemas e modos de organização que sejam mais flexíveis, integrados, resilientes e, em última análise, mais humanos. Essas organizações se verão como sistemas interconectados em uma busca constante de experimentar, fracassar, aprender, crescer – e reiniciar o processo quando o mundo invariavelmente mudar de novo.