Em vista da atenção recebida ultimamente, é fácil pensar que a inteligência artificial (IA) é uma descoberta nova. Na verdade, o conceito surgiu em meados da década de 1950. Por estar à frente da tecnologia disponível na época, ficou por anos na prateleira de “ideias interessantes”.
Hoje, a inteligência artificial é algo corriqueiro. Sistemas de navegação em carros, aplicativos de condicionamento físico, Alexa e Siri, Amazon, Netflix, previsão do tempo e negociação de ações em alta velocidade estão entre as aplicações de IA essenciais da atualidade. Agora, mesmo os fabricantes com ativos pesados, como empresas de cimento, estão iniciando projetos-piloto para determinar se e como a IA pode beneficiar suas operações.
Tradicionalmente, esses fabricantes financiam as melhorias como dispêndios de capital. A IA oferece uma alternativa menos onerosa, ao permitir que as empresas usem seus softwares existentes para analisar a imensa quantidade de dados que coletam rotineiramente e, ao mesmo tempo, customizar seus resultados. Ao fazerem isso, elas obtêm uma melhor compreensão das tecnologias em evolução atuais e do valor que elas oferecem.
Embora as tecnologias de IA tenham realizado melhorias palpáveis nos supply chains e nas funções administrativas, até agora elas tiveram pouca presença na produção – o que é interessante, já que as fábricas de cimento foram pioneiras na adoção de sistemas de automação e controle e usam sensores e sinais digitalizados há décadas.
Argumento a favor da aplicação de IA por fabricantes com ativos pesados
Há décadas, as empresas vêm “digitalizando” suas fábricas com sistemas de controle e supervisão distribuídos e, em alguns casos, controles avançados de processos. Embora isso tenha melhorado muito as visualizações para os operadores, a maioria das empresas com ativos pesados não acompanhou os últimos avanços em analytics e nas soluções de apoio à decisão que usam IA.
Os operadores ainda dependem de sua experiência, sua intuição e seu discernimento. Por exemplo, espera-se dos operadores de sala de controle, os quais hoje em dia trabalham em equipes reduzidas, que monitorem manualmente uma infinidade de sinais em várias telas e ajustem as configurações conforme necessário. Ao mesmo tempo, eles precisam resolver problemas e executar testes e ensaios, para citar apenas algumas das tarefas que desafiam os limites de sua capacidade humana. Como consequência, muitos operadores pegam atalhos e priorizam atividades urgentes que não necessariamente agregam valor.
Essa forte dependência da experiência dificulta a substituição de um operador altamente capacitado quando ele se aposenta. Como as diferenças na qualificação dos operadores podem afetar não apenas o desempenho, como também os lucros, a capacidade da IA de preservar, melhorar e padronizar os conhecimentos é ainda mais importante. Além disso, como a IA pode tomar complexas decisões operacionais de ponto de ajuste (setpoint) por conta própria, ela é capaz de fornecer, de forma confiável, outputs previsíveis e regulares em mercados que apresentam dificuldade em atrair e reter bons operadores.
No que diz respeito à melhoria operacional e à adaptabilidade dinâmica, a inteligência artificial é capaz de superar as tecnologias convencionais de apoio à decisão. Além disso, graças às novas ferramentas de software de alto desempenho, ao poder de processamento e à memória barata, a IA permite que as empresas criem e mantenham, internamente e de maneira econômica, seus próprios algoritmos e propriedade intelectual, o que é mais barato, mais versátil e mais adaptável aos equipamentos e condições de mercado em constante mudança. A IA é capaz de automatizar totalmente tarefas complexas e de oferecer pontos de ajuste ideais com constância e precisão no modo de piloto automático. Ela requer menos mão de obra para manutenção e – o que é igualmente importante – pode ser ajustada rapidamente quando a administração revisa a estratégia de fabricação e os planos de produção.
Como uma empresa de cimento se beneficiou dos otimizadores de ativos baseados em IA
Em reação à forte demanda do mercado, uma empresa de cimento iniciou um upgrade da capacidade de produção (throughput) no início de 2016. Os upgrades do hardware geraram um ganho de 8% na taxa de alimentação, e a instalação da solução padronizada de controle avançado de processos de um fornecedor de equipamentos trouxe um ganho adicional de 2%. Mas o cliente queria um avanço ainda maior.
Fomos contratados para criar e instalar otimizadores em tempo real nos principais ativos da empresa – o forno, o moinho vertical de cru e os moinhos de acabamento. Trabalhando na forma de uma equipe ágil e mista composta por cientistas de dados e consultores em digital e analytics da McKinsey, além de especialistas em engenharia de processos e engenheiros de fábrica da empresa de cimento, criamos a IA usando dados de processos internos gratuitos, uma metodologia estruturada exclusiva e o software e a plataforma operacional de um parceiro de tecnologia.
Para este artigo, ilustramos nossa abordagem passo a passo da usina de vertical de cru. Para criar e instalar os otimizadores de ativos em tempo real, fizemos o seguinte:
- Capturamos milhões de linhas de dados de centenas de variáveis de processos
- Preparamos e analisamos os dados usando ferramentas e técnicas de advanced analytics
- Mapeamos os dados em relação aos fluxos dos processos de automação
- Construímos o otimizador offline usando softwares de design e aplicando redes neurais e outras técnicas e algoritmos de advanced analytics
- Criamos a versão do otimizador online e conectamos o otimizador de ativos ao sistema de automação e controle por meio de interfaces de dados
- Entramos online no modo de piloto automático após uma série de testes e ensaios, com o otimizador de ativos operando de maneira autônoma, sem a intervenção de operadores
A instalação aumentou os lucros substancialmente dentro de algumas semanas. As análises de desempenho realizadas quatro e oito meses após a instalação mostraram que o otimizador de ativos baseado em IA tinha superado sistemática e substancialmente o sistema avançado de controle de processos existente, em termos tanto da taxa de alimentação como do consumo de energia específico (Quadro 1). A ativação da IA impulsionou o desempenho dos ativos e o lucro por hora tanto no moinho vertical quanto no forno, ao mesmo tempo em que respeitou as restrições de ponto de ajuste de maneira precisa e segura.
Como os operadores agora podiam alternar facilmente do modo de informação de ponto de ajuste visual na tela para o modo autônomo, eles desenvolveram uma preferência pelo modo de piloto automático, pois isso lhes permitia se concentrar em tarefas complexas e deixar para a inteligência da máquina o ajuste fino voltado a obter o desempenho ideal. O modo de piloto automático também garantiu máxima captura de valor, pois o sistema operava de forma contínua e independente de quaisquer variações em termos de experiência, atenção ou outras influências negativas.
Os resultados da empresa de cimento confirmaram que algoritmos e modelos criados com técnicas de advanced analytics podem melhorar significativamente o rendimento, o consumo de energia e a capacidade de produção de operações com ativos pesados e aumentar imediatamente o lucro. Especificamente, usando softwares e informações existentes, a IA pode oferecer melhorias sem as dispendiosas atualizações de equipamentos e, assim, gerar retornos atraentes com rapidez. Além disso, a IA gera um machine learning fácil de ser transferido a ativos e sites semelhantes, o que contribui para sua atratividade como investimento.
As soluções de otimizadores de ativos foram desenvolvidas e implantadas com sucesso em produtos químicos, metais, mineração e outros ambientes de manufatura pesada, comprovando que as soluções baseadas em IA são viáveis e economicamente atraentes para diversos tipos de empresas com ativos pesados. À medida que a experiência contínua e as novas implantações aumentem, prevemos que os otimizadores baseados em IA irão se desenvolver e operar ainda mais rapidamente e se tornarão predominantes em um número crescente de fábricas – e cada vez mais empresas irão desenvolver seus próprios sistemas para atender às suas necessidades específicas.
De que os fabricantes com ativos pesados precisam para terem independência em IA
A jornada em direção à independência em IA começa por um projeto-piloto de demonstração para fins de observação e aprendizagem, seguido de criações em conjunto e, finalmente, de autocriação, sem ajuda externa, uma vez que as habilidades internas tenham sido desenvolvidas (Quadro 2).
É importante perceber que, apesar de todos os seus algoritmos integrados de inteligência artificial e machine learning, o sucesso ou fracasso dos otimizadores de ativos em tempo real depende das pessoas que os criam, usam e mantêm, desde os operadores que conduzem os processos até os engenheiros de processos que usam insights profundos para gerar melhorias, passando pelos gerentes que supervisionam o desempenho e pelos altos executivos. Uma abordagem holística, voltada ao futuro e orientada às pessoas pode liberar um poder enorme quando indivíduos, tecnologias digitais e advanced analytics trabalham juntos.
Criar e manter de forma bem-sucedida sua própria IA envolve reunir as pessoas certas. Conceber, desenvolver, conectar, aprimorar e manter uma solução de IA como o otimizador de ativos requer pessoas com habilidades e experiência sólidas, visão ampla e habilidades interpessoais para trabalharem de maneira colaborativa em prol de um objetivo comum. Como talentos desse calibre estão em alta demanda e, portanto, escassos, as empresas podem considerar a capacitação dos funcionários atuais, como engenheiros experientes em dados, ou a contratação de especialistas externos.
Independentemente de onde adquiram esses talentos, há certos papéis que a alta gerência deve preencher para ter sucesso com a IA (Quadro 3).
Gerentes de projetos (tradutores) e especialistas em criação de IA multifuncionais, com habilidades técnicas, de negócios e de gestão de mudanças, têm importância crucial. Tradutores e especialistas em IA trazem os conhecimentos e os insights para integrar a engenharia de processos, a ciência de dados e a expertise em gestão à solução de IA. Também trazem uma perspectiva objetiva das mudanças transformacionais e do processo de incorporação de mentalidades, pessoas e objetivos de negócios à solução de IA.
Os especialistas nesse campo, como os engenheiros de processos e de produção, entendem como os processos se comportam e como as fábricas são configuradas e operadas. Especialmente relevantes para a otimização em tempo real baseada em IA, eles devem ser treinados para trabalhar de modo produtivo com profissionais com uma perspectiva diferente, como tradutores, engenheiros de dados e cientistas de dados, e para oferecer insights úteis sobre os modelos de otimização.
Desenvolver uma sólida equipe interna de especialistas em TI e dados é uma prioridade, pois a formação deles é focada nos principais elementos da IA: ciência da computação, bases de dados, arquitetura de dados, modelagem, estatística, analytics e matemática. Nesse grupo, você pode pensar em ter engenheiros de dados, capazes de gerir e lidar com soluções e protocolos de armazenamento de dados, e cientistas de dados, capazes de interpretar e processar dados e de criar algoritmos e modelos para resolver problemas complexos com múltiplas variáveis.
Lidar com big data de forma eficiente requer ferramentas novas e poderosas de visualização, limpeza e classificação de dados, além do design de modelos de dados. Caso seja difícil atrair e reter os melhores talentos em ciência de dados, existem ferramentas fáceis de usar nas áreas de manipulação de dados e de design de IA que podem preencher essa lacuna e, ao mesmo tempo, capacitar seus talentos internos em engenharia.
Diferentemente das linguagens de código aberto, como R ou Python, essas novas ferramentas de design de IA automatizam muitas tarefas demoradas, como extração de dados, limpeza de dados, estruturação de dados, visualização de dados e simulação de resultados. Como consequência, elas não exigem conhecimento especializado em ciência de dados e podem ser usadas por engenheiros de processos experientes em dados e por outros usuários experientes em tecnologia para criarem bons modelos de IA.
O custo de oportunidade de não investir na adoção da IA
A inteligência artificial é uma mudança de paradigma – de soluções dispendiosas, inflexíveis, codificadas permanentemente e baseadas em princípios fundamentais para soluções adaptáveis e que aprendem sozinhas, baseadas em grandes quantidades de dados e em algoritmos de machine learning. As empresas que perceberam o potencial da IA logo de início, como Google e Amazon, superaram em muito seus pares e apresentaram um forte crescimento devido, em grande medida, à sua capacidade superior de prever e se adaptar continuamente às mudanças das condições e de gerar margens mais altas.
Para empresas com margens voláteis e pressões do mercado de capitais, o risco e o custo de oportunidade de não se adaptar são altos. Fabricantes com ativos pesados que forem incapazes de ler, interpretar e usar seus próprios dados gerados por máquinas para melhorarem o desempenho ao atenderem às diferentes necessidades de clientes e fornecedores logo sairão perdendo para seus concorrentes ou serão adquiridos.
A boa notícia é que as fábricas do setor de processos estão capturando e armazenando rotineiramente grandes quantidades de dados de máquinas, dados estes que elas podem explorar de imediato para criar algoritmos. Isso significa que, embora possam ter ficado para trás no aspecto tecnológico, com a orientação de especialistas externos e o uso de recursos externos provisórios como ponte, as fábricas de cimento e os fabricantes com ativos pesados podem recuperar rapidamente o terreno perdido.