Reportagens e redes sociais têm gerado buzz em torno da ideia de os robôs tornarem os seres humanos obsoletos em diversos setores, inclusive em gestão de ativos. A maioria das conversas sobre negócios é recheada de expressões como big data e advanced analytics. De fato, um vasto ecossistema intelectual de think tanks, cátedras e consultores surgiu a partir de uma obsessão com o impacto da inteligência artificial no futuro do trabalho e do comércio. Em 2017, havia quase 14 mil publicações de pesquisa no setor de gestão de ativos, que continham big data ou analytics como palavras-chave – quatro vezes a quantidade de 2012.
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Diante desse dilúvio de opiniões e declarações, empresas líderes em gestão de ativos podem enfrentar dificuldades para discernir os fatos da ficção e obter uma perspectiva clara do que realmente precisam fazer de maneira diferente nesta nova “era das máquinas”. Cinco anos atrás, a resposta seria: “não muito”. É fato que algumas empresas – principalmente fundos de hedge – vêm fazendo investimentos quantitativos ou sistemáticos baseados em analytics há algum tempo, mas a maioria das gestoras de ativos tradicionais com equipes de investimentos fundamentalistas ficou satisfeita em deixar que outros setores assumissem a liderança. Algumas estavam fazendo experimentos com o acesso a fontes alternativas de dados e criando pequenas equipes de ciência de dados, mas pouco havia sido feito em escala para alterar a maneira tradicional de criar valor no setor.
Agora, as coisas estão mudando. Nos últimos dois anos, a aplicação de advanced analytics a problemas comerciais específicos começou a gerar valor para as gestoras de ativos tradicionais – não por substituir os seres humanos, mas por permitir que eles tomem decisões melhores de forma rápida e constante. Um amplo conjunto de empresas está adotando novos métodos de analytics em múltiplos pontos da cadeia de valor da gestão de ativos – e para além dos casos de uso de geração de alfa preferidos pelas empresas quantitativas –, desde uma maior sofisticação na distribuição até uma melhor tomada de decisões de investimento e mudanças drásticas na produtividade do middle office e do back office (Quadro 1).
Distribuição
Com um pano de fundo de crescimento morno (fluxos líquidos orgânicos de 1,1% ao ano entre 2013 e 2018 nos Estados Unidos, gerados quase inteiramente por estratégias passivas), as gestoras de ativos têm questionado os modelos de distribuição tradicionais, do tipo “ir para a rua”. Algumas já estão usando dados e advanced analytics para reinventar seus modelos de distribuição, enquanto outras estão empregando essas ferramentas para turbinar suas forças de distribuição existentes e criar uma maior alavancagem operacional. Independentemente do alcance da transformação, a evolução no sentido de uma abordagem das vendas e do marketing mais baseada em dados já está bem encaminhada e continua ganhando força. No momento, as gestoras de ativos estão aplicando advanced analytics basicamente em três vetores principais, a fim de melhorar a distribuição:
- Otimização dos modelos de atendimento e distribuição. Muitas gestoras de ativos estão desenvolvendo enormes reservatórios de dados com características multidimensionais dos clientes para projetar modelos de atendimento e distribuição que lhes permitam atender melhor os clientes certos através dos canais certos e no momento certo. Em vez de dependerem do tipo ou do tamanho do cliente para determinarem se e como um cliente deve ser atendido, as gestoras de ativos estão usando dados para obter uma segmentação mais refinada: por exemplo, entre o consultor financeiro com conhecimentos digitais que segue quase exclusivamente os portfólios-modelo e o representante/criador de portfólios que está ávido por receber conselhos de criação de portfólios de forma presencial. Nosso trabalho com gestoras de ativos mostrou que esse tipo de segmentação dos clientes baseada no comportamento e a subsequente adaptação dos esforços de vendas podem liberar 15% ou mais da capacidade existente da força de vendas e aumentar em até 30% as vendas provenientes de relacionamentos com clientes prioritários.
- Aumento da produtividade através de segmentação com precisão. As gestoras de ativos também estão investindo em analytics para gerar insights práticos sobre clientes, a fim de aumentar a produtividade dos esforços de vendas e marketing. Os exemplos vão dos algoritmos preditivos que identificam oportunidades de vendas cruzadas específicas àqueles que identificam clientes com risco de resgate para que se apliquem estratégias específicas. Esses algoritmos demonstraram ter mais de 80% de precisão em diversos casos, com resultados de vendas até 10 vezes melhores do que os dos grupos de controle que não usaram essas ferramentas analíticas.
- Melhoria da gestão do desempenho. Advanced analytics também está sendo usado pelas líderes em distribuição para gerenciar com eficácia o desempenho de suas equipes. Os dados oferecem uma transparência que permite que os executivos monitorem de perto a eficácia das atividades e campanhas de vendas e marketing e tratem rapidamente das que não estão funcionando. Algumas gestoras de ativos de ponta também estão usando advanced analytics em seus processos de talentos para identificar as características dos profissionais de alto desempenho, as quais são, então, incorporadas aos processos de contratação, retenção e desenvolvimento profissional.
A base desses casos de uso é um repositório de dados multidimensional e robusto (Quadro 2) referente aos clientes individuais, que combina o melhor dos dados externos (por exemplo, dados de terceiros) e internos (como o histórico de transações e a gestão de relacionamento com clientes).
Investimentos
Do lado dos investimentos, algumas gestoras de ativos tradicionais já estão tendo um maior envolvimento com o advanced analytics. Essas iniciativas estão focadas em três áreas:
- Eliminação dos vieses nas decisões de investimento. A eliminação de vieses sistemáticos no processo de tomada de decisões de investimento é, há muito tempo, um tema de interesse para os investidores. A capacidade de reunir um amplo conjunto de fontes de dados sobre o histórico de operações, os padrões de comunicação, os atributos psicométricos e as práticas de gerenciamento de tempo de uma pessoa ou equipe permite que as empresas identifiquem as alavancas de desempenho e as causas comportamentais em um nível mais granular e individualizado do que anteriormente. As gestoras podem, então, fazer melhorias operacionais com base nesses insights; por exemplo, sinalizando operações que se enquadram em padrões predefinidos e conferindo-as novamente antes da execução.
- Uso de fontes alternativas de dados para gerar alfa. A disponibilidade de maiores quantidades de dados está valorizando tanto as capacidades de aquisição de dados quanto as habilidades em ciência de dados para reunir essas fontes em modelos preditivos que melhoram a tomada de decisões (Quadro 3). A título de exemplo, essa abordagem está sendo aplicada no setor imobiliário, no qual a prevalência dos dados específicos de cada local, provenientes de uma variedade de fontes, está ajudando os investidores a prever métricas-chave, como valores de aluguel e taxas de desocupação, com grande precisão. Ao coletar avaliações no Yelp, informações sobre fluxos de tráfego e dados de gastos com cartões de crédito e associar tudo isso às características tradicionais nos níveis dos imóveis e do mercado, uma gestora de investimentos imobiliários líder de mercado aumentou para mais de 95% a precisão das previsões dos aluguéis para um prazo de três anos, precisão esta que antes era de 60% a 70%. E, embora o modelo preditivo não tenha sido usado para substituir o processo de subscrição existente, ele foi incorporado como um teste adicional antes de as decisões de investimento serem tomadas.
- Melhoria dos processos de pesquisa. A aplicação de técnicas como o processamento de linguagem natural (PLN) também está ajudando as gestoras de ativos a processar imensas quantidades de informações mais rapidamente do que antes – por exemplo, automatizando a ingestão e análise de registros públicos e sinalizando mudanças de opinião que podem ser estudadas por um analista. Esse é um exemplo de máquinas complementando o processo humano, em vez de substituí-lo – a tecnologia ajuda a indicar o que é relevante de uma maneira bastante similar ao que fazem os mecanismos de recomendação do Netflix e da Amazon e permite que o investidor gaste mais tempo com decisões de alto valor. Uma das principais gestoras de ativos alternativas investiu fortemente nesse conceito, criando um mecanismo de pesquisa de investimentos que permite aos analistas de investimentos registrarem automaticamente tudo a respeito de um potencial negócio ou portfólio por meio de um sistema front end. Esses dados são, então, enriquecidos com dados históricos pertinentes de fontes internas e dados estruturados fornecidos por terceiros e resultam em uma ferramenta de gestão de pesquisa e portfólio que fornece uma visão rica e em tempo real das potenciais oportunidades.
Nem todas as gestoras de ativos estão adotando big data e advanced analytics das maneiras descritas acima. Muitas confiam nos processos mais tradicionais. No entanto, algumas empresas e gestoras de portfólio estão levando isso a sério e começaram a fazer investimentos nessas capacidades.
Middle office e back office
Advanced analytics também está sendo usado para aumentar a produtividade no middle office e no back office de gestão de ativos. Com a crescente complexidade dos produtos, das pessoas jurídicas, dos veículos e dos mercados enfrentada pelas empresas, as economias de escala estão sendo pressionadas. Em reação a isso, as gestoras de ativos estão buscando maneiras de aumentar a produtividade de suas funções de middle office e back office por meio de soluções baseadas em advanced analytics. Duas áreas de foco específicas são:
- Automação de processos em tarefas demoradas. As empresas de gestão de ativos estão usando a PLN e outras técnicas para analisar comunicações de texto e voz e recomendar ações ideais para determinados processos, como sugestões de como lidar com violações de políticas captadas em conversas e implementação de conversas assistidas por computador para responder a perguntas operacionais comuns. Uma gestora de ativos líder implementou recentemente uma solução que carrega automaticamente centenas de documentos em um repositório central e utiliza técnicas de PLN para transferir informações relevantes a uma interface de relatórios que pode ser personalizada e consultada. A solução extrai mais de quatro milhões de elementos de dados únicos e levou a uma redução de 60% no tempo necessário para gerar relatórios relevantes. Esse tipo de automação baseada em analytics tem o potencial de aumentar substancialmente a eficiência das funções centrais em gestão de ativos.
- Aumento da qualidade da gestão de riscos. As novas regulamentações de negociação dos Estados Unidos (por exemplo, aquelas que impedem os operadores de se beneficiarem de antigas operações internas) vêm criando uma necessidade de maior conformidade na gestão de ativos. Algumas empresas estão implementando análises forenses para monitorar operadores e fazer verificação cruzada de transações com dados pessoais para descobrir casos de má conduta, efetuando varredura nas comunicações em busca de anomalias ou violações éticas e desenvolvendo conjuntos de dados com dados de operações, dados externos e dados pessoais de funcionários, a fim de aumentar a flexibilidade para ampliar o número de verificações ou executar diferentes cenários. As gestoras de ativos que implementaram essas técnicas observaram uma redução de 55% a 85% no tempo gasto em atividades de vigilância de operações e, sobretudo, uma melhora na identificação de riscos. Houve um caso no qual uma gestora de ativos descobriu que seu algoritmo de machine learning era significativamente melhor em detectar riscos do que um especialista experiente que analisasse os mesmos materiais.
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Indicadores de sucesso
As gestoras de ativos que extraem valor significativo de dados e advanced analytics têm uma série de características em comum:
- São intransigentes em definir as prioridades com base no valor comercial. As gestoras de ativos que obtêm valor de analytics começam com um foco em um pequeno conjunto de casos de uso em que há demanda comercial e potencial de impacto comercial mensurável. Elas costumam envolver múltiplos stakeholders em uma priorização rigorosa de possíveis casos de uso em relação a um conjunto de critérios “técnicos” (por exemplo, valor comercial, tempo de implementação, disponibilidade de dados e sponsor comercial comprometido).
- Reconhecem que analytics é um esporte de equipe. Iniciativas de analytics bem-sucedidas exigem habilidades multifuncionais (por exemplo, negócios, dados, tecnologia, operações e conformidade) e funcionam melhor quando lideradas por equipes pequenas e ágeis com responsabilidade de ponta a ponta pela entrega de um produto de analytics. As equipes são mais eficazes quando o product owner é um executivo que será usuário ou beneficiário direto do produto e quando os recursos de analytics são incorporados a essas equipes e considerados parte delas, em vez de operarem em um modelo mais centralizado.
- Concentram-se na adoção por quem está na ponta. Uma armadilha comum no desenvolvimento de capacidades de analytics pelas gestoras de ativos é focar na criação de modelos e nos dados subjacentes, mas tratarem a adoção dos recursos de analytics pelos usuários finais como algo secundário. A questão de como os usuários finais realmente se ocuparão do analytics deve ser abordada logo no começo do processo. Pensar bem nessas questões e planejar como o analytics será integrado aos fluxos de trabalho existentes e que sequência de ações deve ser desencadeada aumenta em muito a probabilidade de um impacto sustentado no longo prazo. Também é crucial para a iniciativa de gestão de mudanças o sponsorship visível por parte de influenciadores-chave (por exemplo, gerentes de portfólio ou os melhores profissionais de vendas). O poder do advanced analytics é liberado quando os dados e modelos são adotados pelos usuários finais para gerar impacto comercial (Quadro 4).
- Adotam uma mentalidade de “produto mínimo viável”. O sucesso das capacidades de dados e advanced analytics depende de uma mentalidade de teste e aprendizagem. Em vez de esperarem até terem o conjunto completo de recursos de talentos e dados necessário para desenvolver um modelo robusto de advanced analytics, as gestoras de ativos que adotaram essa tecnologia com sucesso são voltadas à ação e estão dispostas a testar e aprender – e a fracassar – rapidamente. Em outras palavras, as empresas aprendem mais participando do jogo do que observando de fora.
- Investem em talentos de nível superior nas áreas de dados e analytics. Um dos maiores desafios que as gestoras de ativos enfrentam é recrutar e reter talentos especiais nas áreas de dados e analytics. As que conseguem, reconhecem que os recursos comuns de analytics geralmente são insuficientes e que atrair e reter talentos especiais costuma exigir uma comunidade vibrante e um ótimo plano de talentos (por exemplo, planos de carreira e desenvolvimento profissional robusto).
- Criam uma visão integrada do estado-alvo em termos de dados e analytics. As organizações mais maduras vão além dos casos de uso individuais e criam um mecanismo autossustentável de dados e analytics que gera valor comercial mensurável. Embora o desenvolvimento de uma capacidade normalmente ocorra de forma incremental, ter uma visão clara de qual é o estado final integrado que se tem como meta – em governança e gestão de dados, ferramentas de analytics, desenvolvimento tecnológico e adoção comercial – ajuda a evitar a duplicação e a acelerar o desenvolvimento.
Nos últimos anos, a aplicação de advanced analytics à gestão de ativos passou do âmbito da ficção científica para o da ciência. Empresas líderes estão aplicando essas ferramentas e insights para melhorar a eficácia da distribuição, o desempenho dos investimentos e a produtividade no middle office e no back office. Enquanto algumas empresas estão usando analytics para aumentar a produtividade das práticas existentes, outras estão tirando proveito dessas novas capacidades para fazer perguntas mais fundamentais sobre seus modelos operacionais. Como seria uma abordagem de distribuição baseada em analytics? Como as organizações de pesquisa podem mudar com o uso de novas ferramentas e a disponibilidade de fontes alternativas de dados? Apesar de ainda haver alguma incerteza em torno da extensão e do ritmo em que o analytics afetará a gestão de ativos, acreditamos que capacidades superiores em analytics serão uma alavanca-chave para o sucesso no setor futuramente.