Mesmo quando a COVID-19 se tornar endêmica, como é provável que aconteça, os serviços de saúde nos Estados Unidos continuarão a passar por rápidas transformações. Todos os stakeholders devem se preparar para isso, pois a direção das políticas de saúde, as diretrizes de reembolso e o apetite dos investidores estão levando a entrega de serviços de saúde para direções distintas.
A 14ª Conferência Anual de Saúde da McKinsey, realizada em setembro de 2021 em Chicago, explorou a próxima onda de evolução do setor e o modo como as organizações de saúde terão que inovar para prosperar. Visando contribuir para os esforços de inovação das empresas líderes do setor de saúde, coletamos os insights e os pontos mais importantes dos principais palestrantes, e apresentamos também nossa própria pesquisa e experiência. Os resultados mostram que no futuro, fundamentalmente, os serviços de saúde caminharão para se tornar centrados no paciente, virtuais, ambulatoriais, domiciliares, baseados em valor e com assunção de riscos, impulsionados por dados e analytics, transparentes e interoperáveis, viabilizados por novas tecnologias médicas, financiados por investidores privados, e integrados, porém, fragmentados. Os serviços de saúde estão evoluindo fundamentalmente e, num futuro próximo, serão:
- Centrados no cliente
- Virtuais
- Ambulatoriais
- Domiciliares
- Baseados em valor e com assunção de riscos
- Impulsionados por dados e tecnologia
- Transparentes e interoperáveis
- Viabilizados por novas tecnologias médicas
- Financiados por investidores privados
- Integrados, porém fragmentados
Cuidados centrados no paciente
Como experiência no setor de saúde, o foco no paciente visa a conveniência, transparência e personalização, pois os consumidores esperam ser tratados como pessoas inteiras, com necessidades individualizadas, e não como problemas a serem resolvidos. E, de fato, os consumidores dos EUA já vêm tomando medidas proativas para gerenciar a própria saúde e bem-estar, gastando todos os anos entre $300 e $400 bilhões do próprio bolso com saúde (Quadro 1)1. Os gastos dos consumidores dos EUA em categorias de bem-estar2 (incluindo fitness, nutrição, aparência, sono e mindfulness) estão aumentando, pois 40% deles consideram essas categorias altamente prioritárias3.
Também estão exigindo mais acesso a serviços de saúde e uma experiência melhor e mais integrada. Por exemplo, mais de 60% dos consumidores querem poder marcar ou reagendar uma consulta de saúde, examinar seu prontuário e os resultados de exames, e renovar receitas médicas online4. Cada vez mais, esperam que as informações de saúde estejam facilmente disponíveis – expectativa que já vinha aumentando com a onipresença dos telefones celulares e se intensificou durante a pandemia com o aumento da telessaúde e do atendimento virtual.
A tecnologia torna possível o foco no paciente de três maneiras: aumentando a acessibilidade por meio da saúde virtual; criando experiências dedicadas ao paciente 24/7 por meio de atendimento remoto contínuo; e acumulando quantidades enormes de dados para possibilitar cuidados proativos.
As vantagens econômicas dos modelos centrados no paciente são incontestáveis. Nossas pesquisas mais recentes mostram que consumidores satisfeitos que utilizam modelos centrados no paciente são 28% menos propensos a mudar de provedor de serviços de saúde e são cinco a seis vezes mais propensos a utilizar outros serviços do mesmo provedor. Mais de um terço dos pacientes também afirma ter percebido irem a menos consultas médicas5. Pacientes satisfeitos se sentem mais aptos a se envolver em sua própria saúde e sentem que estão recebendo cuidados melhores, o que contribui para aprimorar os resultados de saúde de maneira geral.
Cuidados virtuais
A adoção da saúde virtual aumentou drasticamente desde março de 2020. As consultas virtuais cresceram mais de 3.000% no início da pandemia de COVID-19, com 150 milhões de pedidos de telessaúde em menos de dois anos (Quadro 3)6.
Esses números sinalizam o potencial do atendimento virtual para estimular grandes inovações nos serviços de saúde em geral, visto que a percepção favorável dos consumidores e os investimentos contínuos contribuem para o crescimento ininterrupto da saúde virtual. Estimamos que cerca de $250 bilhões em gastos ambulatoriais poderiam ser transferidos para ambientes virtuais por meio de avanços em modelos de atendimento mais complexos, incluindo atendimento especializado virtual, atendimento virtual longitudinal e diagnóstico virtual (Quadro 4)7. O potencial de economia é significativamente maior no caso de modelos virtuais de cuidados agudos – incluindo tele-UTIs (unidade de terapia intensiva) –, principalmente quando combinados com modelos inovadores de atendimento domiciliar (como monitoramento remoto de pacientes e modelos de “hospital em casa”). Muitas soluções de saúde virtual visam aumentar a conveniência e o acesso dos pacientes, mas também vemos que o atendimento virtual tem o potencial de melhorar os custos e resultados.
Cuidados ambulatoriais
O segmento crescente de atendimento ambulatorial representa um terço do faturamento dos provedores de serviços de saúde nos Estados Unidos, cerca de $750 bilhões8. Vários serviços diferentes atuam no sistema de atendimento ambulatorial, incluindo consultórios médicos, centros de saúde comportamental, centros de cirurgia ambulatorial e centros de atendimento de urgência, entre muitos outros. Estudos mostram que o atendimento ambulatorial também pode oferecer vantagens para os pacientes, p.ex., redução da duração média de uma consulta – 25% mais curta que a de uma consulta comparável em hospital – e índices menores de complicações, p.ex., 1,1% no caso de artroplastia de quadril (comparado com 5,2% para atendimentos hospitalares sem internação)9.
Embora internações hospitalares ainda sejam necessárias para situações mais complexas, pacientes e médicos estão descobrindo que muitos tipos de atendimento podem ser prestados com segurança em ambientes ambulatoriais. Uma determinação recente dos Centros para Serviços do Medicare e do Medicaid (CMS) eliminou 255 dos 267 códigos adicionados à sua Lista de Procedimentos Cobertos para Centros Cirúrgicos Ambulatoriais (ASC CPL) em 2021. Isso porque se julgou que os códigos haviam sido adicionados prematuramente, visto que os procedimentos correspondentes ainda normalmente envolvem internação ou monitoramento médico ativo de um dia para outro. No entanto, na mesma determinação, o CMS indicou que esperava “continuar expandindo a ASC CPL nos anos vindouros”10, o que aceleraria ainda mais tais mudanças. Vemos essas mudanças refletidas no pool de lucros dos provedores de saúde, pois de modo geral o cenário dos cuidados agudos vem enfrentando pressões contínuas sobre as margens, ao passo que as várias configurações ambulatoriais deverão crescer mais de 5% ao ano de 2021 a 202511.
Cuidados domiciliares
Está havendo um aumento das oportunidades de atendimento domiciliar, que incluirão novos perfis de pacientes e tipos de cuidados. Serviços mais comoditizados (p.ex., serviços tradicionais de cuidados pessoais e de atendimento domiciliar pós-agudo) ainda representam cerca de dois terços do faturamento do mercado ($75 a $85 bilhões em 2019)12. No entanto, novos segmentos de atendimento domiciliar – como infusões, diálise e cuidados primários domiciliares, além de modelos de hospital em casa – estão crescendo rapidamente. Não só esses segmentos em rápida expansão do mercado de cuidados domiciliares são mais complexos e fazem uso mais intensivo de tecnologia, como também, em muitos casos, a capacidade de dimensioná-los adequadamente ainda está sendo desenvolvida.
Hoje, a sofisticação das capacidades para atendimento domiciliar varia, mas espera-se que cresçam significativamente. Estimamos que, nos próximos três anos, os beneficiários do Medicare receberão três a quatro vezes cuidados em casa se as capacidades de atendimento domiciliar continuarem se transmutando em ofertas viáveis e em escala, e em 2025 representarão cerca de $265 bilhões ou mais dos gastos do Medicare com serviços de saúde prestados na casa dos pacientes (Quadro 5).
A expansão das capacidades de atendimento domiciliar também poderá atrair populações de pacientes de fora do sistema Medicare, e muitos dos serviços viabilizados pela tecnologia poderão ser adotados inicialmente por pacientes interessados nas tecnologias mais inovadoras. Para ilustrar como a jornada tradicional do paciente pode ser fundamentalmente alterada por modelos virtuais, ambulatoriais e domiciliares, vejamos uma jornada típica de cuidados durante a gravidez (veja box “Mudança na jornada tradicional de uma grávida”, p. 9).
Cuidados baseados em valor e com assunção de riscos
Os modelos baseados em valor continuam a crescer e esperamos que a proporção da população segurada por contratos com assunção de riscos continue a aumentar significativamente: 10% ao ano de 2021 a 2025, comparado com o crescimento de 1% da população segurada em geral no mesmo período. A aceitação dos cuidados de saúde baseados em valor já pode ser vista em vários modelos de atendimento (Quadro 6) e tipos de operadoras de saúde (Quadro 7).
As organizações de serviços de gerenciamento (que oferecem suporte técnico e administrativo a provedores de saúde que desejam adotar modelos com assunção de riscos [risk-bearing models]) devem crescer rapidamente nos próximos anos, totalizando 9% das vidas seguradas até 2025 (comparado com 5% hoje)13. [Num modelo de assunção de riscos, o provedor ou a operadora assumirá a responsabilidade financeira de fornecer um conjunto definido de benefícios mediante recebimento antecipado de alguns ou todos os custos dos cuidados prestados.] A situação é semelhante para os modelos de risco capitados para médicos assalariados, embora estes constituam o menor segmento dos modelos de assunção de riscos. [No sistema de “capitação”, pouco utilizado no Brasil, o profissional ou a instituição recebe um valor específico por vida para atender um grupo de pacientes em sua área de atuação.] As organizações assistência médica também deve crescer em ritmo constante até 2025. No cômputo geral, entre 2021 e 2025, a parcela dos contratos baseados em valor deverá crescer de 15% para 22% das vidas seguradas, cobrindo quase 65 milhões de pessoas nos Estados Unidos14.
Vai demorar para ajustarmos o modo como treinamos os médicos [para cenários baseados em valor]. Dizemos a eles quando ingressam: ‘Vamos colocá-los de novo em treinamento por cerca de um ano, e vocês terão que aprender a prevenir problemas’. Não se trata apenas de cuidados agudos. Pílulas, procedimentos e encaminhamentos contribuem com apenas cerca de 15% para a saúde de uma população. Estilos de vida e comportamentos são um componente enorme. A insuficiência cardíaca é a causa número um ou dois de internamento hospitalar nos Estados Unidos, e acreditamos que seja mais de 90% evitável – mas não por cardiologistas, e sim por cuidados primários tradicionais, bons e baratos. Nós temos que aprender a fazer isso.
Cuidados impulsionados por dados e tecnologia
De modo geral, as novas tecnologias na área da saúde agregaram custos ao invés de removê-los. Contudo, à medida que as tecnologias vão se aprimorando e se tornando mais úteis para escalar as inovações em saúde, essa tendência pode mudar. Se o setor de serviços de saúde puder contar mais com ganhos de produtividade da mão de obra do que com a expansão da força de trabalho para atender ao crescimento da demanda, em 2028 os gastos com saúde poderão ser cerca $280 a $550 bilhões menores do que sugerem as projeções atuais de gastos nacionais com saúde15.
Melhorias contínuas nas tecnologias de prestação de cuidados de saúde certamente desempenharão papel significativo na captura desses ganhos de produtividade.
Hoje a tecnologia permite que o atendimento seja: mais virtualizado, graças a avanços em áreas como monitoração remota de pacientes; mais vinculado ao valor, disponibilizando mais dados ao fluxo de trabalho no momento do encontro com o médico; mais personalizado, com analytics e insights para entregar a mensagem certa para o paciente certo no momento certo; e mais aprimorado, integrando capacidades e experiências ao longo de toda a jornada do paciente.
Cuidados transparentes e interoperáveis
À medida que as recentes mudanças regulatórias vão entrando em vigor, começamos a ver a primeira onda de dados e de respostas do setor. Três temas principais estão surgindo: transparência de preços, interoperabilidade de dados e acesso a dados.
Maior transparência de preços é algo que está na agenda dos órgãos regulatórios há anos, mas só recentemente informações sobre preços negociados vieram enfim à luz. Em janeiro de 2020, os hospitais começaram a publicar informações sobre valores cobrados – cerca de 70% dos hospitais (segundo uma análise da McKinsey de cerca de 320 provedores de saúde) divulgaram alguma forma de preços negociados por operadora de saúde16. Em 2022, outra onda de informações sobre preço negociados será divulgada, desta vez da parte das operadoras17.
Dados e analytics contribuirão para criar um sistema de saúde no qual prevenir um AVC seja mais lucrativo do que tratá-lo. Não é por acaso que, neste exato momento, existe um vasto conjunto de agentes disruptores do atendimento baseado em valor que está utilizando a tecnologia e desenvolvendo uma infraestrutura de dados que colocamos em ação dez anos atrás para escalar modelos baseados em valor.
Regras de interoperabilidade18 entraram em vigor em 202119, incluindo a proibição do bloqueio de dados entre provedores, e a obrigatoriedade de as operadoras regulamentadas pelo CMS disponibilizarem dados sobre consultas e pedidos aos associados por meio de APIs acessíveis ao público. Além disso, novas exigências para fornecedores de prontuários eletrônicos entrarão em vigor no final de 202220, disponibilizando aos consumidores dados estruturados, incluindo componentes clínicos. Terceiros (incluindo operadoras, provedores e empresas de tecnologia) também poderão acessar esses conjuntos de dados, proporcionando a esses grupos insights adicionais para aprimorar a tomada de decisões.
Cuidados viabilizados por novas tecnologias médicas
As tecnologias médicas possibilitam inovações no atendimento ao paciente de três maneiras principais. Novos produtos e serviços estão criando oportunidades de autoatendimento. Produtos como wearables capazes de monitorar o nível de glicose no sangue (para pacientes que não têm diabetes) ainda não se tornaram predominantes, mas em breve poderão facilitar uma série de oportunidades de autoatendimento, como cuidado contínuo para controle de doenças crônicas.
Avanços na automação estão reduzindo o número de pontos de contato com o paciente necessários para prestar cuidados. Tecnologias como monitoração remota de pacientes, telemetria domiciliar e tecnologias robóticas permitem combinar atendimento virtual e domiciliar. A tecnologia também favorece a mudança para locais de atendimento de menor acuidade – por exemplo, em cirurgias de substituição articular, robôs podem ajudar a tornar os procedimentos mais previsíveis e, portanto, possíveis de serem realizados em ambientes ambulatoriais; ou dispositivos médicos vestíveis capazes de detectar precocemente certos problemas de saúde podem reduzir a necessidade de internação. Novas tecnologias médicas também estão ajudando a reduzir os custos dos atendimentos de saúde. Por exemplo, adesivos de monitoração cardíaca podem ser utilizados para identificar arritmias por um custo cerca de 90% menor do que o de um looper implantável (Quadro 8)21. Cologuard, uma tecnologia de autoatendimento, também reduziu bastante o custo dos exames de câncer de cólon em comparação com a colonoscopia tradicional, de acordo com nossas entrevistas com especialistas.
Cuidados financiados por investidores privados
Os investimentos privados em saúde evoluíram tematicamente na última década. Durante grande parte da década de 2010, os investimentos se concentraram na consolidação de ativos fragmentados e na otimização das funções de back-end22. A partir de 2018, investimentos na expansão do modelo de negócio tornaram-se mais frequentes, como se pode ver no financiamento de modelos de plataforma ou na integração de ofertas secundárias23. Hoje já vemos investimentos significativos na inovação dos serviços de saúde, incluindo o redesenho da jornada do paciente por meio da capacitação digital, serviços prestados em ambientes ambulatoriais e domiciliares, e modelos de atendimento baseados em valor.
Nos Estados Unidos, o volume de negócios de private equity na área da saúde também está crescendo muito mais depressa do que a média de outros setores. Na área da saúde, os negócios envolvendo private equity e capital de risco cresceram a uma taxa anualizada de 29% entre 2014 a 2021, em comparação com apenas cerca de 2% para todos os outros negócios envolvendo private equity e capital de risco (Quadro 9)24.
Cuidados integrados, porém fragmentados
Para enfatizar o foco no paciente e acessibilidade sob demanda, os serviços de saúde nos Estados Unidos estão evoluindo e deixando de ser altamente fragmentados. Podemos ver isso já no surgimento de empresas inovadoras de atendimento completo [one-stop shop] para gerenciamento e coordenação dos cuidados de saúde. Essas empresas formam parcerias com operadoras de saúde, provedores e, em alguns casos, empregadores para facilitar a navegação dos consumidores em jornadas de cuidados complexos, como atendimento pré-natal ou controle de doenças renais.
Embora a prestação de serviços de saúde possa se tornar menos fragmentada para algumas jornadas de pacientes, a adoção de modelos mais integrados levará tempo. Mas a consolidação já está ocorrendo. Por exemplo, operadoras estabelecidas têm investido em start-ups de prestação de cuidados orientada por dados, e os sistemas hospitalares continuam adquirindo grupos de provedores de saúde e buscando parcerias ou joint ventures com provedores de cuidados pós-agudos e ambulatoriais visando fortalecer estratégias de atendimento baseadas em valor. Contudo, a fragmentação provavelmente persistirá no curto prazo, pois o sistema de saúde dos EUA ainda está mudando seu foco da especialização para modelos mais baseados em valor e mais focados no consumidor. Com o tempo, porém, veremos nascer um novo tipo de ecossistema integrado, porém fragmentado, no qual locais atomizados de atendimento atuarão em conjunto, no qual plataformas tecnológicas permitirão transferir e compartilhar dados com mais facilidade25, no qual o atendimento clínico será harmonizado e no qual os pacientes avançarão sem falhas de uma parte da jornada de atendimento para a seguinte, melhorando assim sua saúde e bem-estar.
As mulheres tomam 80% das decisões sobre saúde em suas famílias. Quem puder contribuir para que elas tomem decisões melhores poderá transformar o sistema de saúde como um todo.