Enquanto a COVID-19continua a se espalhar e a provocar disrupções na vida normal, poucos líderes empresariais estão dando sinal verde para fusões e aquisições. Por excesso de cautela, muitas dessas operações foram adiadas ou deixadas totalmente de lado. Embora o número de fusões e aquisições deva permanecer limitado no curto prazo, esperamos que aumente drasticamente quando se tornar possível enxergar o caminho para a recuperação econômica.
Na esteira da crise financeira de 2008, uma onda de fusões e aquisições transformou os setores avançados da economia – incluindo os de veículos, máquinas, semicondutores e eletrônicos, para não falar nos setores aeroespacial e de defesa – e a onda pós-2020 promete ser maior e ainda mais disruptiva. Esta é a hora de um chamado à ação: os CEOs de empresas industriais precisam se preparar. Chegou o momento de olhar para a frente, moldar o futuro do setor e preparar o terreno para a próxima curva em S de inovação, crescimento e liderança.
Estudos da McKinsey sugerem que empresas que agem de maneira ousada, rápida e decisiva aumentam suas chances de superar os concorrentes no longo prazo. Para tanto, precisam conhecer com precisão qual é sua liquidez para realizar fusões e aquisições (“dry powder”), transformar sua abordagem de criação de valor e fortalecer sua capacidade programática para fusões e aquisições. Depois de quase três trimestres inteiros de decisões tomadas em alta velocidade, muitas empresas industriais ainda estão na fase de planejamento. Todavia, elas precisam rapidamente adquirir a convicção necessária para aproveitar as tendências que hoje estão moldando o futuro do setor – e que estão apenas acelerando.
Remodelando indústrias avançadas: tendências aceleradas pela crise da COVID-19
Aceleradas pela crise da COVID-19, quatro tendências estão reconfigurando os setores industriais. As empresas industriais devem considerar as mudanças descritas aqui ao planejarem suas fusões e aquisições.
Digitalização
As empresas industriais de alta performance vêm passando por transformações digitais há alguns anos, mas em ritmo desigual. Muitas concentram seus esforços em programas-piloto específicos – por exemplo, a utilização da internet industrial das coisas (IIoT) em fábricas, de engenharia baseada em digital threads [representação digital de elementos físicos] e de analytics preditiva em serviços –, o que lhes dá vantagem na automatização de processos ao mesmo tempo em que encantam o cliente e transferem as ações de vendas para os meios online do comércio eletrônico.
Com a digitalização, as empresas do segmento industrial conseguem aumentar suas receitas e margens em até 4% a 7%, o que se traduz em um aumento do lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (EBITDA) de até 9%. As empresas bem-sucedidas ressurgirão com tecnologia digital e alta velocidade (em inglês) incorporadas a sua organização, a seus produtos e ao ambiente em torno de seus produtos na forma como colaboram com os clientes e vendem para eles.
Disrupção da cadeia de suprimentos
Ao longo das duas ou três últimas décadas, as cadeias de suprimentos se tornaram cada vez mais globais, com cada elo da cadeia otimizado e pouca folga tolerada no sistema como um todo. Todavia, a digitalização da cadeia de suprimentos não seguiu o mesmo ritmo. Embora as empresas conhecessem bem seus fornecedores imediatos, elas não conseguiam enxergar todas as camadas e amplitude de seus fornecedores, de modo que não podiam conhecer todas as possíveis vulnerabilidades.
A pandemia de COVID-19 tornou a cadeia de suprimentos uma das prioridades máximas dos CEOs e conselhos de administração. Como resultado, a digitalização da cadeia de suprimentos vem aumentando e as empresas estão enxergando melhor suas cadeias de ponta a ponta. As empresas industriais estarão mais bem equipadas para entender a concentração de seus fornecedores e gerenciar os riscos. As lições aprendidas durante a crise também poderão estimular o desenvolvimento de capacidades locais avançadas para garantir que peças críticas estejam disponíveis em momentos de necessidade.
O impacto das tendências de ACES
Indústrias avançadas têm sentido o impacto das tendências de ACES (autonomia, conectividade, eletrificação e mobilidade compartilhada) há vários anos. Empresas de tecnologia trouxeram inovações significativas para o setor, mas ainda há muito trabalho a ser feito para transformar o hardware e a infraestrutura global em áreas capazes de lidar com essa mudança.
As tendências de ACES estão derrubando as fronteiras tradicionais entre as indústrias e estimulando o desenvolvimento de ecossistemas baseados na tecnologia. À medida que as fronteiras convencionais vão se tornando menos nítidas, a conectividade por meio da IIoT tenderá a crescer em ritmo sem precedentes – e as disrupções causadas pela crise da COVID-19 apenas acelerarão essa mudança.
Transição energética
Os apelos por medidas sérias para enfrentar a crise climática têm levado stakeholders das empresas, líderes industriais e reguladores governamentais a demandar mais intensamente uma transição energética. Cada vez mais, os clientes buscam produtos verdes e os OEMs do setor automotivo estão exigindo produtos ambientalmente responsáveis de seus fornecedores. As nações começam a exigir que as companhias aéreas reduzam suas pegadas de carbono em troca de apoio governamental, provocando ainda mais inovações no setor aeroespacial.
Um ponto de partida desigual: onde está o crescimento?
Está começando a haver uma recuperação econômica em forma de “K” em todos os setores industriais. A suscetibilidade e os aplicativos do mercado final deixaram alguns subsetores lutando para crescer, enquanto outros continuam no mesmo ritmo anterior à crise. Os setores que dependem de consumo em espaços públicos (por exemplo, a indústria aeroespacial) e aqueles focados em despesas de capital discricionárias foram particularmente atingidos.
Quanto à parte inferior da curva em K, o desempenho financeiro das empresas diminuiu significativamente em 2020. Por exemplo, as margens operacionais dos OEMs do setor automotivo caíram até 700 pontos-base. As expectativas de crescimento dos OEMs despencaram e seu faturamento anual deve encolher cerca de 2% a 3% nos próximos dois ou três anos. Do mesmo modo, OEMs e fornecedores do setor aeroespacial comercial estão sofrendo enormes quedas na demanda, pois o futuro das viagens aéreas permanece incerto. As empresas desses setores têm um ponto de partida inferior, mas as mesmas dúvidas permanecem: Quais empresas utilizarão esse tempo como uma oportunidade para se remodelarem e reinventarem? Quais continuarão apenas se preparando para novas situações difíceis que poderão surgir?
Empresas que resistiram bem às oscilações dos mercados e estão em posição financeira saudável (como acontece com as empresas do setor de defesa) até chegaram a ver novas oportunidades de mercado surgir ou se fortalecer. Elas estão excelentemente posicionadas para aumentar seu market share e superar o crescimento do mercado tanto organicamente como por meio de estratégias bem posicionadas de fusões e aquisições. Provavelmente veremos esses movimentos no caso de empresas industriais e do setor de defesa, e já podemos vê-los em empresas de semicondutores, em que várias operações de fusão e aquisição de grande porte estão em andamento.
Fusões e aquisições: mais importantes hoje do que nunca
Historicamente, as empresas industriais sempre buscaram crescer e criar valor por meio de fusões e aquisições, e realizaram inúmeras operações desse tipo ao longo da última década (Quadro 1). Muitas adotaram uma abordagem programática e realizaram várias transações desse tipo como parte de um programa sistemático de fusões e aquisições que sobreviveu aos ciclos econômicos.
Historicamente, a abordagem programática tem sido a estratégia de maior sucesso, gerando retornos totais aos acionistas (TRS) muito maiores, em média, do que as demais opções e com menos volatilidade e risco (Quadro 2). Na verdade, em todas as empresas industriais, vemos que fusões e aquisições programáticas são uma estratégia testada e comprovada para criar valor excedente em vários horizontes de tempo. Por sua vez, estratégias que dão preferência a grandes transações (e que foram elaboradas com forte lógica industrial subjacente) também apresentaram desempenho superior durante os ciclos de consolidação do setor (vertical ou horizontal), ainda que o rigor na execução e integração torna-se crítico no caso delas.
Quando a pandemia arrefecer, não será surpreendente vermos um aumento no volume das operações de fusão e aquisição. Ainda em 2019, na maioria dos subsetores, o número de tais transações se aproximou de recordes históricos, com um valor total de $167 bilhões. À medida que o novo normal for se tornando mais claro, esperamos que haja nas indústrias avançadas uma recuperação das atividades de fusão e aquisição para níveis pré-pandemia. Na verdade, já estamos vendo sinais de recuperação, visto que o número de operações anunciadas cresceu cerca de 70% entre o segundo e o terceiro trimestres de 2020, com um valor agregado de mais de $30 bilhões no terceiro trimestre (comparado com cerca de $1,5 bilhão no segundo trimestre). Esse salto enorme é consistente com mais de 20 anos de pesquisas da McKinsey (em inglês) que mostram não só que preservar uma abordagem voltada para o ciclo completo de fusões e aquisições gera um retorno total aos acionistas superior, mas também que algumas empresas de desempenho excepcional realizam duas vezes mais operações de fusão e aquisição durante recessões do que seus pares.
Várias características do cenário atual nos levam a uma perspectiva positiva:
- As baixas taxas de juros provavelmente vieram para ficar.
- Os governos parecem dispostos a apoiar o crescimento econômico por meio de políticas e verbas.
- Apesar das aparências, muitas empresas industriais estão financeiramente fortes, com baixa alavancagem e volumes significativos de dry powder [liquidez para investir]. Na verdade, o setor tem mais de $400 bilhões prontos para investir.
A caminho da prosperidade: pensando grande e transformando por meio de fusões e aquisições
À medida que as empresas industriais atualizam e adaptam suas estratégias de crescimento para o cenário pós-pandemia, acreditamos que muitas considerarão as fusões e aquisições essenciais para seus esforços de criação de valor. Também esperamos ver mais claramente sete grandes temas, isto é, áreas em que fusões e aquisições são necessárias para a empresa aplicar sua estratégia e nas quais é possível agregar valor às metas. Esses temas refletem tendências capazes de definir um setor:
- Alavancagem das fusões e aquisições com vistas à escala e à consolidação. As empresas se consolidarão nos níveis dos OEMs e da cadeia de suprimentos para reduzir custos fixos, obter escala competitiva, aumentar a resiliência a retrações, e fortalecer as cadeias de suprimentos.
- Realinhamento de portfólios, produtos e canais. As empresas abandonarão as localidades não lucrativas e os negócios não essenciais, especialmente ao focarem os ativos estratégicos de seus portfólios. Eles irão se expandir para novos produtos construídos em torno de seus negócios essenciais e dependerão cada vez mais de processos autônomos e eletrificação.
- Expansão para o setor de serviços. Também entrarão nas áreas de manutenção, reparos e operações; de serviços de aftermarket; e de negócios de peças.
- Digitalização e aprimoramento das capacidades digitais. As empresas implementarão analytics de dados para dar suporte à experiência do cliente e aos serviços de valor agregado que oferecem. Também utilizarão software de última geração, telemática e recursos digitais que permitam melhorar produtos e operações.
- Inovação e aquisição de tecnologias. As empresas investirão desde o início em segmentos de mercado atraentes, como inteligência artificial e machine learning, a IIoT e o futuro da mobilidade.
- Regionalização da cadeia de suprimentos. As empresas reformarão suas cadeias de suprimentos (por exemplo, por meio de onshoring e do controle de exportações).
- Compromisso com a sustentabilidade. As empresas adotarão infraestruturas de mobilidade elétrica, tecnologias de baterias de mobilidade elétrica, mobilidade aérea urbana, sistemas de voo autônomo e propulsão elétrica para atender às demandas por sustentabilidade. As empresas que conseguirem seguir convictamente essas tendências e executar suas estratégias de fusão e aquisição estarão à frente das demais durante a recuperação. Aquelas que buscam uma performance no quartil superior ampliarão ainda mais sua maneira de pensar e verão que este é o momento certo para uma verdadeira transformação.
Preparando-se para a próxima onda: cinco passos
As fusões e aquisições serão a base para a transformação de muitas empresas industriais nos próximos anos. Para manter-se à frente e aproveitar a próxima onda de fusões e aquisições, as empresas devem dar cinco passos hoje:
- Rever as estratégias corporativas e de negócios (em inglês), submeter o portfólio a testes de pressão em vários cenários econômicos, e revisar as habilidades financeiras e organizacionais para efetuar transações.
- Atualizar o plano de fusões e aquisições (em inglês) perguntando e articulando como as fusões e aquisições promovem a estratégia corporativa.
- Traduzir os objetivos das fusões e aquisições em temas específicos e priorizados, e adotar uma visão ampla sobre a criação de valor – as empresas devem pensar em utilizar as fusões e aquisições como uma oportunidade de transformação, levando em consideração tanto as sinergias combinatórias como as transformacionais (Quadro 3).
- Fortalecer a capacidade de realizar fusões e aquisições, e formar equipes exclusivas para monitorar oportunidades e conduzir atividades de pré-due diligence.
- Garantir o alinhamento da organização como um todo e entre os gestores e o conselho de administração no que diz respeito ao papel das fusões e aquisições.
Nos mercados de hoje, afetados pelas incertezas da pandemia de COVID-19, os CEOs e os conselhos de empresas industriais estão precisando lidar com muitas prioridades e desafios ao mesmo tempo. Entretanto, as fusões e aquisições ainda deveriam ser uma de suas prioridades máximas. Já de longa data, o setor de indústrias avançadas vem se valendo do poder das fusões e aquisições para gerar crescimento e criar valor, e algumas empresas com visão de futuro estão se preparando para aproveitar a próxima onda. Quando o caminho para a recuperação econômica se tornar mais claro, essas empresas já estarão prontas para executar de forma rápida e eficaz o ciclo completo de suas estratégias de fusão e aquisição. O futuro logo confirmará que as empresas que se prepararam hoje para fusões e aquisições serão as histórias de sucesso de amanhã. Você estará pronto?