Desde a pandemia, as relações de trabalho nunca mais foram as mesmas. Após meses a fio de alta pressão, incerteza, taxas crescentes de burnout e múltiplas jornadas concomitantes, a força de trabalho está mais consciente do que é sustentável e do que não é para equilibrar vida pessoal e vida profissional. O resultado são expectativas mais altas – hoje as pessoas esperam por melhores condições de evolução na carreira, mais oportunidades de desenvolvimento, flexibilidade, segurança psicológica e propósito. Além disso, alguns segmentos têm atraído mais pessoas e criado novas oportunidades para os talentos, principalmente com capacidades digitais, analíticas e de tecnologia. Com novos anseios, os líderes também vão precisar mudar de perspectiva e encontrar novos paradigmas.
Uma tendência global
Dois movimentos têm ganhado força no mundo do trabalho pós-pandemia, principalmente nos EUA e na Europa. O primeiro é chamado de grande evasão – um número crescente de pessoas que pede demissão mesmo sem ter um segundo emprego em vista; quando a demissão não é uma opção, muitos recorrem ao segundo movimento, chamado de desistência silenciosa, que tem se repercutido principalmente entre os jovens – fazer apenas o mínimo necessário para manter sua função.
O estudo global da McKinsey, “Grande Evasão ou Grande Atração: a escolha é sua”, referência sobre o tema nos EUA e na Europa, mostra que a reavaliação da vida profissional é profunda e generalizada: 71% das pessoas estão considerando funções não tradicionais e 48% pensam em mudar de área. O trabalho híbrido também abriu o leque de possibilidades para trabalhadores de certas indústrias, aumentando a concorrência. Muitas empresas têm adotado uma postura de presumir que sabem o que seus colaboradores desejam, mas os dados mostram que existe uma grande incompatibilidade entre a perspectiva dos líderes e a dos funcionários.
Para aqueles que se perguntam se faz sentido discutir tais tendências no Brasil, onde 65 milhões de pessoas estão fora da força de trabalho, a taxa de desemprego bate os 10% e 30% dos jovens não têm emprego formal, os dados trazem um panorama surpreendente. A pesquisa da McKinsey, focada em médias e grandes empresas, mostra que cerca de um terço da força de trabalho brasileira considera deixar seus empregos nos próximos 3 a 6 meses, motivada principalmente pela falta de oportunidades de desenvolvimento e por uma remuneração inadequada. Esse movimento pode gerar um impacto de 10 a 15% sobre as receitas das empresas decorrente de custos de recrutamento, desenvolvimento e perda de produtividade.
A tendência afeta diversos grupos de modo bastante diferente. Os dados sobre a evasão brasileira indicam que, entre aqueles que têm um emprego em tempo integral, os jovens entre 18 e 35 anos têm uma probabilidade de saída 40% mais alta – quando ocupam cargos de liderança, essa probabilidade é ainda maior, chegando a +120%.
No extremo oposto, as mulheres brasileiras em posições de liderança se mostraram mais propensas a permanecer em seus empregos atuais – elas têm probabilidades de saída 40% menores do que os homens, uma diferença que também foi observada globalmente.
Os vários setores da economia também enfrentam desafios díspares: em serviços financeiros, 38% da força de trabalho considera deixar seus empregos; em educação, este percentual é de 35%; em energia/materiais básicos e varejo, os percentuais giram em torno de 30%. Serviços financeiros, educação e varejo são setores altamente afetados pela pandemia, o que pode oferecer uma explicação aos percentuais elevados. Os setores de energia e materiais básicos – que exigiram de muitos de seus colaboradores que mantivessem o trabalho presencial durante a pandemia – podem estar enfrentando novas expectativas sobre impacto ambiental, trabalho híbrido e diversidade. Já nos setores mais fortemente envolvidos com tecnologia, como mídia e telecomunicações, as probabilidades de saída são consideravelmente menores que a média, batendo os 23%.
E por que as pessoas deixariam seus empregos? Os principais fatores que motivam a saída são ausência de desenvolvimento na carreira e remuneração inadequada. Mais de metade dos trabalhadores brasileiros consideram a falta de progressão de carreira como a principal razão para sair de um emprego; a remuneração inadequada vem logo na sequência, seguida por líderes não inspiradores, falta de trabalho significativo e falta de flexibilidade no local de trabalho. A situação é alarmante, pois 57% dos brasileiros que estão dispostos a sair do trabalho atual o fariam sem necessariamente ter outro trabalho em vista – em linha com os percentuais observados no mundo.
Mas algumas diferenças entre Brasil e resto do mundo saltam aos olhos. Os números no Brasil são menores – nos EUA e na Europa, o percentual de empregados em tempo integral que considera deixar seus empregos chega a 40%, e a remuneração tem menor importância; no Brasil, desenvolvimento de carreira e remuneração são igualmente importantes para 50% dos que pensam em sair. Mas também observamos pesos diferentes para a remuneração entre as regiões brasileiras. No Sudeste, a remuneração não está entre os três principais motivos para pedidos de demissão; já nas demais regiões, a remuneração é o principal motivo.
Para entender o que os funcionários têm em mente quando pensam em desenvolvimento e progressão na carreira, a pesquisa apresentou uma série de possibilidades aos respondentes. Ficou claro que os vários fatores têm pesos distintos para diferentes grupos, mas é maior para as mulheres do que para a média geral, conforme mostra o gráfico abaixo.
O tema da flexibilidade, que ficou em terceiro lugar de importância para definir a permanência no cargo, consiste em uma série de opções que, mais uma vez, são mais valorizadas pelas mulheres.
O que fazer
Para endereçar este desafio, é preciso antes de tudo reconhecê-lo. Metade das empresas brasileiras afirma não possuir os talentos certos para alcançar seus objetivos estratégicos para os próximos 5 anos – e com as expectativas mais altas, será preciso oferecer as vantagens certas para conseguir atrair esses talentos. A boa notícia é que, atualmente, o CHRO é pelo menos duas vezes mais influente do que quatro anos atrás e consegue dedicar mais tempo a atividades e decisões estratégicas. Desenvolver pessoas é a principal prioridade das empresas para os próximos 3 anos. Ou seja, a aspiração e o foco estão afinados. Agora, o desafio é agir.
O primeiro passo essencial é ouvir – a pesquisa da McKinsey identificou uma desconexão aguda entre empregadores e empregados.
Essa escuta depende de um espaço seguro para a força de trabalho expressar seus medos e anseios. A partir das respostas obtidas, líderes devem repensar a jornada do colaborador e podem se guiar por algumas perguntas de referência:
- Estamos reconhecendo nossos colaboradores de forma adequada?
- Os funcionários querem planos de carreira e oportunidades de desenvolvimento, podemos fornecer?
- Nosso ambiente de trabalho é transacional? Como estamos construindo nosso senso de propósito?
Finalmente, não podemos deixar de destacar o papel das lideranças. Em períodos de mudança, complexidade e incerteza, a reação natural é recorrer à experiência prévia e ao que já foi testado e aprovado. Mas com tantas novas expectativas no mundo do trabalho, as soluções anteriores podem não ser as mais adequadas, e apegar-se neste momento aos padrões reconhecidos pode atrapalhar mais do que ajudar.
Se líderes e organizações reconhecerem agora que o mundo do trabalho está em transformação e que, portanto, empresas e lideranças também precisam mudar, terão diante de si uma oportunidade única para fazer deste desafio uma grande oportunidade. Uma frase de Ayrton Senna traz a metáfora perfeita para esse momento de mudança de paradigma: “Você não consegue ultrapassar 15 carros com um tempo ensolarado, mas quando está chovendo, você consegue”. Enquanto todos estão com medo e pisando no freio, é hora de lembrar do essencial que nos motiva, o que nos faz amar o que fazemos. E acelerar.