Nos últimos cinco anos, bancos digitais e fintechs transformaram o setor bancário brasileiro e a maneira como a população interage com os bancos no país. Com uma proposta de valor baseada em produtos e serviços mais simples, foco em qualidade e menor custo, as fintechs e os bancos digitais se disseminaram pelo mercado com modelos altamente escaláveis e promoveram uma grande inclusão financeira. Resultado: hoje, 52% dos brasileiros possuem contas em instituições financeiras digitais, um percentual muito mais elevado que o encontrado em outros mercados mais desenvolvidos ou da região.
Foram muitos os fatores que contribuíram para essa mudança – como, por exemplo, um alto custo de acesso ao sistema financeiro por parte dos usuários, uma agenda regulatória favorável à maior concorrência e uma alta disponibilidade de capital para financiar potenciais disrupções. As histórias de crescimento das fintechs foram altamente valorizadas pelo mercado e elas se mostraram bem-sucedidas em seus estágios iniciais de desenvolvimento. Se em 2018 os bancos incumbentes valiam, em conjunto, 44 vezes mais que os bancos digitais, em 2022 essa diferença caiu para 5 vezes.
A segunda metade de sua primeira década traz grandes desafios, principalmente em um momento no qual os ventos da economia global mudaram. Agora, além de ampliar portfólio, fortalecer as marcas e interagir cada vez mais com clientes, os bancos digitais enfrentam pressão por resultados, com desafios importantes a superar nos próximos anos. Com menor liquidez global, os fundos de venture capital passam a exigir maior capacidade de monetização e um intervalo de tempo consideravelmente menor entre as rodadas de investimento e os primeiros lucros. Nas condições globais atuais, que devem perdurar pelos próximos anos, todas as fintechs perderam valor ou precisam de mais capital, independentemente de serem pequenas ou grandes.
Mas, se aproveitarem bem as oportunidades, fintechs e bancos digitais podem consolidar ainda mais seus espaços no próximo capítulo da indústria bancária brasileira. Neste artigo, esboçamos um panorama geral do setor, apresentamos os principais desafios e oportunidades e, por fim, introduzimos quatro imperativos para guiar o próximo ciclo dessas instituições.
I. Os bancos digitais brasileiros
Bancos digitais e fintechs chegaram oferecendo uma proposta de valor baseada em produtos atrativos, uma experiência mais simples, tarifas baixas e menor tempo de abertura de conta e aprovação. Não por acaso, de acordo com os resultados da pesquisa de Bancos de Varejo realizada pela McKinsey, o fácil acesso é a principal razão para clientes usarem um banco digital no Brasil.
A proposta de valor diferente, a experiência simplificada e de baixo custo e o modelo operacional escalável permitiu aos bancos digitais crescerem de forma acelerada nestes primeiros cinco anos de vida, saindo de uma média de 200 mil novas contas abertas por mês em 2017 para 4,8 milhões de novas contas mensais em 2021. O volume de depósitos por parte dos clientes em bancos digitais cresceu em 23% anualmente nos últimos 3 anos. Boa parte desse crescimento ocorreu em camadas sociais mais carentes de serviços financeiros – um público historicamente pouco atendido por instituições tradicionais, cuja bancarização e digitalização foram aceleradas pela distribuição de auxílios emergenciais durante a pandemia, via contas digitais. Hoje, cerca de 80% dos usuários de bancos digitais são das faixas de renda mais baixas (C-D-E). Além disso, na média, os clientes destes bancos são mais jovens do que os clientes dos incumbentes – 78% dos clientes de bancos digitais têm até 44 anos de idade; nos incumbentes, esse percentual é de 56%.
Os arquétipos dos modelos digitais
Hoje contamos com cerca de 50 bancos digitais, um crescimento expressivo comparado a cinco anos atrás. O grande impulso aconteceu após 2017, quando um grupo de aproximadamente dez instituições atuava de forma ainda bastante incipiente.
Em geral, em suas jornadas de crescimento, os bancos digitais surgiram ofertando um produto único. Conseguiram, assim, romper e fragmentar o relacionamento que os clientes historicamente mantinham centralizado em uma ou outra instituição financeira. Aos poucos, expandiram seus portfólios, convergindo cada vez mais para um arquétipo de banco completo - essa evolução tem acontecido de forma cada vez mais veloz. Apesar de não existir ainda um modelo claramente vencedor, os bancos digitais enfrentam agora o desafio de estender o sucesso inicial de suas relações para uma oferta mais ampla, reconquistando e centralizando as relações que por eles foram quebradas.
Nos últimos anos surgiram diversos novos bancos digitais e os arquétipos se fragmentaram, o que pode sugerir um espaço para consolidação. Mas outros modelos ainda podem nascer, e aqueles com uma proposta de valor realmente diferenciada podem conquistar espaço e se tornarem futuros vencedores.
O calcanhar de Aquiles: rentabilizar o cliente
A primeira fase dos bancos digitais no mercado brasileiro esteve baseada em crescimento, mas agora começa uma outra fase, focada em monetização – afinal, rentabilidade é o grande desafio dessas organizações. Enquanto os grandes bancos obtêm um lucro médio de R$ 370 ao ano por cliente, os bancos digitais ainda não são lucrativos e acumularam cerca de R$ 3,5 bilhões em perdas nos últimos 4 anos.
Apesar de deterem cerca de 45% das contas bancárias brasileiras, os digitais possuem apenas 2% do pool de receitas bancárias do mercado. Muito disso é reflexo da baixa receita que esses bancos são capazes de gerar por cliente. Os grandes bancos geram aproximadamente 9 vezes mais receita por clientes que seus concorrentes digitais.
Fontes de receitas e share of wallet ainda são limitados
Monetizar a base de clientes é mais difícil quando esses bancos ainda são pouco diversificados e, principalmente, têm baixa exposição a crédito. Se nos grandes bancos o crédito representa 65% das receitas, nos digitais a parcela é de 45%.
A expansão dessas operações tem se mostrado desafiadora, pois exige sólida expertise em riscos e modelos robustos. Ofertar crédito não é uma tarefa simples, e falhar na avaliação de risco pode impactar fortemente as operações. Esse não é um desafio apenas do modelo brasileiro – pesquisas indicam que a grande maioria das fintechs globais consideram seus modelos de risco de crédito imprecisos na maior parte dos casos.
Assim, os digitais ainda capturam um share of wallet limitado de seus clientes, e realizar venda cruzada ainda é desafiador. Enquanto nos grandes bancos cada cliente tem, em média, sete produtos, nos digitais cada cliente possui cerca de três. A penetração dos clientes de grandes bancos nos investimentos é quatro vezes maior; para seguro de vida, chega a ser 20 vezes maior.
Recorrência é bastante dependente de incentivos monetários
Um dos principais pilares de recorrência é o uso de cashbacks, um dos atributos mais valorizados pelos clientes. A pesquisa sobre Pagamentos Digitais no Brasil realizada pela McKinsey revelou que 44% dos consumidores valorizam o cashback como o principal benefício recebido.
Mas ainda é difícil reter clientes sem usar incentivos financeiros. O desafio está no custo associado ao cashback e seu imediatismo – excelente para engajar e gerar tração no curto prazo, mas custoso no longo prazo. Quem solucionar o desafio do engajamento sustentável também vai colher melhores resultados operacionais, lifetime value, receita por cliente e amor à marca. Alguns players já têm investido em programas de fidelidade e ecossistemas, além do marketplace que, em alguns casos, já atinge mais de R$ 1 bilhão de GMV (Gross Merchandise Volume, ou Volume Bruto de Mercadorias). Existem até casos de programas de fidelidade pagos, mas o espaço para inovação permanece vasto.
Modelo operacional é mais leve, mas falta escala para diluir as estruturas de custo
Bancos digitais operam com uma estrutura mais enxuta – além de não contarem com as estruturas físicas de agências, operam com um número de funcionários por cliente oito vezes menor que os incumbentes. Isso lhes permite atender clientes a um custo mais baixo – o custo de servir por cliente nos bancos digitais é, em média, quatro vezes menor do que nos bancos tradicionais, o que torna o modelo de negócio altamente escalável.
No entanto, apesar de possuírem uma estrutura de custos proporcionalmente menor, a ainda baixa monetização da base de clientes acaba por minar essa vantagem. Nos bancos digitais, os custos operacionais proporcionais aos ativos médios são três vezes maiores do que nos grandes bancos. A explicação: ainda falta aos bancos digitais a escala necessária para diluir sua estrutura de custo.
Para bancos digitais e fintechs enfrentarem com protagonismo seu próximo ciclo, contornando esses desafios, alavancando suas fortalezas e capturando as oportunidades que esse cenário também cria, listamos abaixo quatro imperativos norteadores.
II. Imperativos para a criação de valor
Criar fluxos de receita onde o cliente percebe valor e fortalecer a máquina de crédito
A disrupção causada pelos bancos digitais nos principais fluxos de receitas do setor bancário baseava-se em uma proposta de valor com produtos de tarifas mais baixas, visando serviços nos quais os clientes não percebem muito valor, como transferências. Para conseguir monetizar sua base de clientes, no futuro esses bancos terão que desenvolver alternativas que gerem receita a partir de serviços nos quais os clientes percebam um valor real.
Um dos caminhos naturais para essa próxima fase de monetização é aprimorar e fortalecer as capacidades em crédito. No entanto, conceder crédito com qualidade não uma tarefa fácil e implica em desenvolver uma governança sólida, com modelos robustos que alavancam tecnologia e fontes alternativas de dados dos clientes. Isso permite reduzir os riscos do crédito, aumentar as margens e acessar segmentos historicamente pouco atendidos.
Para manter a proposta de valor e, ao mesmo tempo, gerar resultado, modelos de monetização usados por players digitais não financeiros podem inspirar possíveis soluções. Além do crédito, é possível também combinar ofertas diferenciadas de produtos com estratégias de precificação, maior diversificação dos modelos de receita e outros serviços e produtos além dos financeiros. Nessa vertente, bancos digitais têm lançado seus marketplaces para aumentar seu ecossistema de serviços, resultando em maior recorrência e engajamento. Isso lhes permite estarem mais presentes na jornada de consumo, possibilitando uma oferta de serviços financeiros mais transparente, fluida e inserida no dia a dia do cliente.
Desenvolver e expandir esses ecossistemas pode fortalecer o envolvimento e promover maior monetização. São várias as alavancas de valor de um ecossistema: contribuir para o negócio principal, melhorar a adesão do usuário, promover a aquisição de novos clientes, aprofundar o share of wallet e exigir uma otimização operacional. Ecossistemas também abrem novos fluxos de receita, que vão desde tarifas de serviços e receita de publicidade até monetização de dados e licenciamento de tecnologia.
Cerca de 25% da economia total em 2030 pode vir de redes integradas afins, e 70% das maiores empresas do mundo estão construindo ecossistemas, percentual que tem a sua contrapartida – 71% dos clientes estão abertos ao uso de ofertas de ecossistema. No Brasil, os mercados mais visados pelos bancos digitais para seus ecossistemas são o B2C e o de patrimônio e proteção, mas há também grande oportunidade em serviços B2B, saúde, habitação e mobilidade.
Diferenciar para garantir a fidelização do cliente
O crescimento vertiginoso dos bancos digitais nos últimos cinco anos impactou não apenas a bancarização da população, mas também o número de contas bancárias por pessoa – com mais opções, os clientes foram testando novas propostas e, consequentemente, tornaram-se menos fiéis.
O processo de cadastro digital mais simples e a ausência de tarifas de manutenção permite aos usuários manterem relacionamentos com diversas instituições ao mesmo tempo, trocando facilmente para aquela que melhor atenda a suas necessidades. Agora os bancos precisam reconquistar essas relações que foram fragmentadas. E para acelerar a diferenciação nesse novo ciclo, bancos digitais podem criar casos de uso mais sólidos com base em novas tecnologias e inovações recentes, como blockchain, web3 e moedas digitais. Por exemplo, alavancar essas tecnologias para tokenizar ativos, permitindo novos modelos de colaterização de crédito e novos produtos de investimento; fazer uso de smart contracts, que trazem segurança e agilidade para executar contratos; e criar moedas digitais para fortalecer relacionamento e programas de fidelidade.
Buscar novos mercados e oportunidades para consolidação
Os bancos digitais têm concentrado sua atuação, sobretudo, em atender as necessidades de um público desbancarizado ou de menor renda. Com a evolução desse posicionamento, os bancos digitais precisam agora expandir para outros segmentos, ou seja, atender um público de renda mais alta, o qual ainda não sabem muito bem como servir. Esses clientes possuem um custo de aquisição mais elevado e são mais difíceis de reter, mas já demonstraram abertura para utilizarem os bancos digitais – desde que isso inclua uma melhor experiência e uma oferta multiproduto completa, que atenda às suas necessidades. Além do segmento de clientes de renda mais alta, os bancos digitais também podem solidificar o caminho para servir o segmento de empresas.
Os modelos digitais mais leves e escaláveis também facilitam a abertura de novas avenidas de crescimento internacionais, o que permite explorar novos mercados com custos de entrada menores e maiores opções de expansão. A partir de uma abordagem de internacionalização relativamente padronizada, com proposta de valor, portfólio de produtos, tecnologia e processos já estabelecidos e testados em seus mercados locais, o modelo pode ser iterado com aquisições e escala. Alguns bancos digitais ao redor do mundo já estão neste processo.
Em busca de escala, um caminho a ser considerado é explorar as oportunidades de consolidação de mercado. Os grandes bancos tradicionais de hoje construíram sua liderança através de um longo histórico de aquisições, aproveitando as oportunidades e os movimentos de consolidação da indústria. Esse movimento ainda não aconteceu com os bancos digitais globalmente, mas eles precisam estar prontos para aproveitá-lo quando as oportunidades surgirem.
Otimizar estrutura operacional e priorizar iniciativas
Apesar de seu modelo mais enxuto, o tema da produtividade tornou-se chave para o atual estágio de maturidade dos bancos digitais e fintechs. As empresas de rápido crescimento geralmente adiam a busca por maior produtividade enquanto se concentram em outras dimensões centrais, mas isso não é sustentável por muito tempo. No contexto atual, atingir os melhores níveis de produtividade e excelência é obrigatório.
Isso pode incluir iniciativas tais como: comparar a estrutura operacional e de custos com os melhores pares, sejam eles fintechs ou de outros setores (por exemplo, despesas administrativas por área funcional, otimização de contrato de fornecedor), de modo a identificar as áreas que podem se beneficiar de uma alavancagem operacional; revisar a escalabilidade e a resiliência da tecnologia para a próxima onda de crescimento, incluindo catalogar as principais operações e priorizar soluções de automação.
Outra etapa essencial nesse estágio de maturidade é introduzir um modelo de priorização de iniciativas dentro das estruturas que mais estão ganhando musculatura e complexidade.
Os bancos digitais são hoje um reflexo de uma evolução positiva do mercado bancário brasileiro, mas precisam ser eficientes e ágeis para explorar as oportunidades que estão na mesa. As empresas que emergirem com sucesso deste período mais volátil e desafiador serão aquelas que vão mudar de forma decisiva o foco do crescimento para a lucratividade. Isso requer decisões complexas em diversas áreas e esferas, mas que precisam ser implementadas e decididas antes que os desafios de liquidez forcem ações ainda mais difíceis.