Acompanhando o movimento de consumidores, que passaram a confiar e usufruir da conveniência das compras digitais para suas casas, o varejo tradicional está recorrendo cada vez mais a plataformas digitais, que solucionam diversas ineficiências das operações. Esses ambientes digitais conectam vendedores, compradores e prestadores de serviço por toda a cadeia com oferta compartilhada de produtos, integração das operações logísticas e serviços complementares.
Com propostas de valor variadas, seu potencial disruptivo é grande e os números impressionam: a plataforma de uma grande indústria brasileira já conta com mais de 800 mil clientes, o que equivale a 85% dos seus clientes ativos comprando através da plataforma; um gigante do setor de bens de consumo alcançou a marca de 400 mil pequenos lojistas cadastrados em sua plataforma, que cresce 25% ao ano e movimentou mais de R$ 4 bilhões em 2021.
O modelo está em franca expansão pela América Latina e recebe o investimento de vários participantes da indústria de consumo, distribuidores e nativos digitais. Alguns vislumbram expandir o modelo até criar ecossistemas, onde uma extensa oferta de produtos e serviços em uma interface perene geram frequência, engajamento e oportunidades de monetização. Os ecossistemas têm avançado em vários setores de varejo – construção, petcare, vestuário, eletrônicos, restaurantes, móveis e autopeças são alguns deles, mas o modelo pode ser aplicável também a outras indústrias. A tendência é que os pioneiros levem vantagem na corrida para abocanhar a maior parte dos mercados.
Orquestradores e esferas de serviços
Para as empresas de consumo que atuam como fornecedores dos pontos de venda, as plataformas digitais trazem oportunidades de grande impacto, como a ampliação da base de atendimento, a adequação do sortimento à demanda via uso de dados e algoritmos, e a oferta de serviços financeiros para seus clientes.
Há, hoje, três tipos de plataformas B2B ganhando relevância:
- Plataformas orquestradas pela indústria de bens de consumo: indústrias que possuem relacionamento e detém participação relevante nas compras do varejo tradicional estão liderando a conversão digital destes varejistas. No Brasil, uma das principais plataformas apoiada por uma indústria de consumo, já transita 45% das suas vendas nesse tipo de plataforma.
- Plataformas orquestradas por distribuidores e atacadistas: intermediários que possuem relacionamento com o canal tradicional estão alavancando sua capilaridade e base instalada para liderar a digitalização de pequenos varejistas. Na América Latina, uma das principais empresas distribuidoras de bebidas já possui mais de um milhão e meio de pequenos pontos de venda migrando para o digitais.
- Plataformas orquestradas por nativos digitais: novos entrantes digitais estão utilizando tecnologia para oferecer soluções e experiência de usuário diferenciadas para pequenos varejistas, buscando explorar nichos de mercado ainda não penetrados. Na América Latina, um novo entrante do mercado já atua em Colombia, México e está entrando no Brasil. Atualmente ja atendem mais de 50 mil mom & pop pontos de venda e com SLA de entrega para o dia seguinte.
Essas plataformas oferecem quatro grandes esferas de serviços:
- Transações comerciais: venda de produtos próprios ou de terceiros, no modelo de marketplace
- Serviços financeiros: soluções de pagamento alternativo para varejistas, oferta de crédito para capital de giro e antecipação de recebíveis, apoio na gestão de fraude, disputas e cobranças, oferta de seguro, cartão de crédito, conta corrente, etc.
- Ferramenta de gestão de vendas e negócios: apoio nas decisões de negócios, alavancados pelo uso de inteligência analítica, que aumentam a eficiência das vendas do varejo, como definição do sortimento ideal, identificação do next product to buy e precificação otimizada; campanhas de marketing e atividade promocional na própria plataforma, com ferramentas para melhorar o atendimento de clientes e gerir programas de fidelidade
- Soluções logísticas: armazenamento dos produtos do parceiro, com potencial de redução de tempo de entrega; distribuição e logística, centralizando na plataforma para chegar em mais regiões e clientes, com soluções para otimizar a circulação e o retorno de mercadorias.
Novo papel de vendas
Essa digitalização do varejo tradicional está transformando o papel de vendas nas indústrias de bens de consumo – otimizando a prospecção de novos pontos de venda, trazendo maiores vendas por cliente por maior frequência de compra, e otimizando a gestão de preços e descontos. . Para as equipes internas de administração de vendas, isso significa maior disponibilidade de informaçao, com maior granularidade e ferramentas self-service para melhor guiar. Ao desenvolver capacidades analíticas, implantar automatizações e adotar um modelo ágil de operação, as equipes de apoio se redefinem, apresentam menos camadas de aprovação e podem se dedicar a decisões de maior valor agregado, como a priorização de clientes e alocação de recursos.
Para as equipes externas que atuam diretamente na força de vendas, a abordagem muda também: o vendedor mantém uma frequência semelhante de interação com os clientes, mas com outro enfoque, apoiando na introdução de produtos, compartilhamento de insights com o ponto de venda, e alavancando dados e inteligência analítica para melhorar o sortimento e o uso de recursos.
Enquanto isso, o diretor comercial passa a dedicar mais esforço em perguntas estratégicas e menos em questões operacionais. O foco passa a ser em perguntas como que tipo de tecnologia pode trazer para seus processos, qual melhor forma de definir sua estratégia de preços, onde deve otimizar sua alocação de produtos.
Três posicionamentos estratégicos frente às plataformas
A postura das empresas de consumo em relação às plataformas digitais B2B dependem de três fatores: a participação da categoria nas vendas no varejo tradicional; o nível de acesso direto aos varejistas que o fabricante possui; e maturidade das plataformas B2B existentes no segmento. Em função disso, as empresas de consumo podem ter posicionamentos customizados de acordo com características específicas de seus canais, geografia e categorias.
A. Liderar a construção de plataforma B2B: quando o fornecedor possui fatia relevante das vendas junto a varejistas alvo, detém relacionamento direto com estes varejistas e ainda não existe uma plataforma incumbente servindo este mercado, podem existir condições apropriadas para que o fornecedor lidere o desenvolvimento de uma plataforma B2B para atender o varejo, com uma gestão sob medida de ponta a ponta. Aqui é imprescindível atrair parcerias ao longo de toda a cadeia de distribuição para aumentar a atratividade da plataforma para varejistas.
B. Atuar com parcerias para capturar valor em espaços vazios: quando existem vantagens claras em expandir a distribuição e acessar dados ou insights da plataforma B2B, é importante firmar parcerias com as plataformas existentes, que permitem acessar novos mercados. Os dados e insights das plataformas B2B são importantes para fortalecer a proposta de valor de um fornecedor, expandir a penetração de produtos em um mercado, aprimorar o nível de serviço para o cliente, etc.
C. Tornar-se digital para atender “em qualquer hora e lugar”: em determinados segmentos de varejo, a digitalização é uma realidade em evolução, porém ainda não se formou um racional estratégico robusto para estabelecer plataformas B2B. Nestes casos, a estratégia mais adequada é expandir as rotas de relacionamento entre fornecedores e varejistas para canais físicos e digitais. Além disso, é importante atentar constantemente às melhorias no nível de serviço, como redução de prazos de entrega, programas de fidelidade do varejo e ofertas de crédito, de maneira a reduzir o risco de disrupção por concorrentes ou novos entrantes.
Principais aprendizados de empresas que embarcaram nessa jornada
Tendo acompanhado diversas jornadas de empresas de consumo na discussão estratégica sobre adoção do eB2B mundo afora, acreditamos que uma empresa de consumo deve ter três pontos de atenção ao longo da jornada
Ao definir o modelo de negócios e construir seu roadmap, é fundamental escolher parcerias estratégicas de maneira assertiva, seja você o orquestrador de uma plataforma B2B ou seu integrante. Ao avançar com parcerias, deve-se levar em consideração como cada integrante complementa a proposta de valor da plataforma para os demais participantes.
Na fase piloto, prefira falhar rápido e buscar aperfeiçoamento contínuo. Organizações ágeis se mostram mais adequadas para estes desafios e se saem melhor para construir um MVP escalável e capacitar equipes.
strong>Quando chega a hora de ganhar escala, uma mentalidade de crescimento acelerado permite a velocidade e o apetite de risco devidos. Mais serviços de valor agregado promovem adesão e engajamento. Essa fase exige bastante foco no crescimento do negócio.
Com diversos modelos de interação possíveis, as plataformas B2B oferecem propostas de valor distintas e os integrantes do mercado estão posicionado suas estratégias. Varejistas que ainda não repensaram sua atuação nesse cenário podem encontrar aí uma oportunidade de acelerar crescimento e atingir novos mercados.