Cadeias de suprimentos foram o grande palco da globalização nos últimos trinta anos, mudando completamente o perfil econômico dos países pelo mundo. Mas uma série de eventos recentes – tarifas de exportação, pandemia e guerra na Ucrânia, sobretudo – estão redefinindo prioridades. Se antes o norte dos líderes de suprimentos eram custos menores de produção, agora a bússola indica uma busca por resiliência.
Vemos cada vez mais empresas reformando suas cadeias de suprimentos, com múltiplas soluções. Em uma pesquisa da McKinsey com líderes globais de cadeias de suprimentos, o fornecimento de mais de um agente, o aumento de estoques e a regionalização da cadeia foram as soluções mais observadas.
Para as empresas operando no Brasil, a localização da cadeia merece destaque. Por aqui, fabricantes de componentes e montadoras automotivas vêm enfrentando desafios das mais variadas naturezas, incluindo:
- Riscos de ruptura - aumentos inesperados da demanda relacionados à pandemia criaram desafios para a produção de itens chave, como semicondutores, e dificuldades logísticas – o congestionamento nos portos diminuiu a capacidade de suprimento marítimo em 14%.
- Alta nos preços de commodities - a pandemia gerou oscilações que resultaram em uma apreciação repentina em até 70% para alumínio e cobre, por exemplo; estes desequilíbrios foram amplificados com a guerra entre Rússia e Ucrânia.
- Exposição à volatilidade cambial - 20 a 40% dos componentes usados por fabricantes brasileiros são importados. A inflação crescente, o aumento da taxa de juros e o risco de recessão aumentaram a volatilidade no câmbio, com uma desvalorização de mais de 20% no Real desde o início de 2020 – ou 80%, em termos reais, nos últimos 10 anos, afetando bastante as companhias com contratos mais atrelados ao dólar.
Além de todos esses fatores, temos uma conscientização crescente da agenda de sustentabilidade – a indústria assume cada vez mais compromissos climáticos. Cerca de 80% do PIB mundial está engajado em zerar a emissão de carbono até 2060.
Reunidos, os fatores de custo, disponibilidade e cobrança social contribuem para se considerar uma decisão estratégica de mudar a base de fornecimento e/ou o local de produção dos componentes para o Brasil.
I. Racional para localizar a produção
A McKinsey realizou um estudo para entender qual a melhor maneira de responder aos desafios enfrentados pelas montadoras. A partir de análises comparativas entre o Brasil e a China para a emissão de CO2 e o custo de fabricação de dois importantes componentes largamente utilizados na indústria automotiva – o tejadilho, feito de alumínio, e o eixo pinhão, de aço – entendemos que a nacionalização e a proximidade geográfica entre fabricantes e montadoras brasileiras pode gerar ganhos em diferentes partes da cadeia de valor:
- Redução do custo econômico e ganho de produtividade
- Limitação do risco cambial, com a menor exposição a moedas internacionais, e redução nos custos de proteção
- Racionalização logística e redução dos custos de importação
- Aumento de produtividade, com maior rapidez e flexibilidade no ajuste da demanda e na entrega de componentes
- Redução de emissões e ganhos em sustentabilidade
Para cada componente foi analisada a emissão de CO2, em kg de CO2 por peça produzida, e o custo completo de produção por peça. Os cenários compararam as condições de produção nos dois países, levando em conta as emissões de escopo 1, 2 e 3.
No caso do tejadilho, transferir a produção da China para o Brasil teria um custo ~5% menor e reduziria a emissão de CO2 de 21% a 57%, dependendo do alumínio utilizado. Para o eixo pinhão, o custo entre China e Brasil é equivalente, sendo ~0,5% mais caro no Brasil, mas a produção brasileira reduziria a emissão de gases entre 34% e 46%.
Nos diferentes elos da indústria, a realocação da produção gera uma série de oportunidades. Para os fabricantes, uma produção nacional reduziria em até 60% a emissão de CO2 de escopo 1 e 2, geraria um aumento da receita – com possibilidade de crescimento da demanda – e criaria novas oportunidades de produção. Para montadoras, seria possível reduzir a emissão de CO2 dos escopos 1, 2 e 3, reduzir o custo da rede logística em cerca de 5%, trazer a possibilidade de aumentar a capacidade produtiva – com a redução do tempo de espera do ciclo – e ainda flexibilizar a estratégia de cadeia de suprimentos, o que pode gerar uma eficiência operacional 5-7% maior.
II. Desafios para viabilizar a localização
É certo que a localização também traz desafios, e não são poucos. De início, é preciso acessar investimento, capacitar a rede local de fornecedores e garantir a escala necessária – sem escala, a produção de componentes no Brasil perde a competitividade econômica necessária frente a outras geografias.
É preciso levar em conta também um aumento potencial nos custos de capital, devido aos investimentos necessários para novas áreas produtivas. Com a taxa de juros em tendência de alta, financiar operações locais pode ser mais custoso do que usar capacidades em outras geografias. Para garantir os investimentos necessários, uma parceria entre fabricantes de componentes e montadoras é crítica.
Indo mais além, as organizações devem se preparar para enfrentar a complexidade regulatória, o custo de mão-de-obra e a menor produtividade brasileira. A estabilidade da estrutura regulatória é mais um fator, pois os investimentos para a localização exigem um plano de 5 a 10 anos.
São questões essenciais, mas que devem ser tangibilizadas em números pela sua capacidade de gerar crescimento sustentável e inclusivo no país. Esta provocação pode ser estendida a outras indústrias avançadas que enfrentam desafios em suas cadeias logísticas longas e complexas, como a aeroespacial e a eletrônica.