Quando pensamos na Black Friday, a primeira imagem que vem à mente é a de uma multidão fazendo fila nas portas das lojas ou passando madrugadas em claro à procura de descontos especiais na internet. Desde 2010, quando chegou ao Brasil, esse evento ganhou relevância, tornando-se uma das datas promocionais mais importantes do ano para o comércio do país. Em 2022, mesmo dividindo atenções com a Copa do Mundo e as eleições, o evento movimentou R$ 3,4 bilhões1.
No entanto, o furor tem diminuído e os varejistas se mostram incertos sobre qual estratégia adotar em 2023 diante do contexto atípico dos últimos três anos. Quem apostar em uma Black Friday forte, pode fechar o mês de novembro com dificuldades de concretizar o orçamento do ano; por outro lado, quem tentar diluir suas vendas ao longo de outras datas pode perder espaço no coração (e no bolso) do consumidor.
A partir de um panorama que mostra como as grandes datas promocionais estão evoluindo no Brasil e no mundo, apresentamos algumas reflexões para que as marcas se preparem diante de novos comportamentos e expectativas de consumidores, com bons resultados para seus negócios.
A evolução dos grandes eventos promocionais
Nascimento e maturidade
Em 2009, quando o Alibaba criou um evento comercial no Dia dos Solteiros na China, a ideia era simples: um dia de grandes descontos em todas as categorias para atrair novos clientes para as compras online. Ao criar um pico na demanda, a data acelerou inovações tecnológicas e melhorias na estrutura de pagamentos e de logística do negócio, o que resultou em um crescimento acelerado entre 2015 e 2018.
Já nos EUA, a Black Friday começou com foco nas lojas físicas e nas categorias de tíquete mais alto, como eletrônicos, que justificavam horas em filas – muitos se lembram de imagens marcantes de multidões disputando espaço dentro dos estabelecimentos. A resposta do comércio online foi a criação da Cyber Monday, logo após a Black Friday, e muitas lojas passaram a adotar o evento com uma duração mais extensa, chegando a uma semana. Com o passar do tempo, a participação das compras online durante a Black Friday passou de 18% em 2018 para 38% em 20212.
Enquanto isso, na China, o Dia dos Solteiros começava a mostrar os primeiros sinais de declínio depois de uma década, com taxas de crescimento abaixo dos anos anteriores. Para se diferenciar, em 2019 o evento imprimiu um aspecto de inovação. Metade dos lojistas do Tmall, marketplace do Alibaba, começou a usar transmissões ao vivo para vender produtos e os descontos foram estendidos a categorias de serviços, contando com a participação de agências de turismo e salões de beleza. Fundos de venture capital passaram a prestar atenção no evento para identificar as marcas mais promissoras. Em meio ao boom de entretenimento e inovação, para aumentar o engajamento e não perder margens, as lojas adotaram táticas complexas de gamificação para conceder descontos. Mais de um milhão de novos produtos foram vendidos na plataforma em 11/11 daquele ano, um recorde de 10% do total da plataforma. As taxas de crescimento voltaram a subir.
Na Europa, o evento também ganhou força rapidamente, chegando a 5% do total de vendas online no ano de 2022 em países como Alemanha, França e Reino Unido3. A principal categoria vendida durante o período de Black Friday ainda é a de eletrônicos e computadores, que representam entre 20 e 35% das vendas, a depender do país, mas os produtos de beleza e cuidados pessoais também estão crescendo em relação aos anos anteriores.
Auge e ressignificação
Na China, à medida em que a compra online se generalizava, restavam cada vez menos clientes a serem adquiridos e o crescimento perdeu força. Com táticas de gamificação cada vez mais complexas, os consumidores começaram a reclamar. Resultado: nas edições mais recentes, prevaleceram descontos menos relevantes e mecânicas mais simples. Para compensar, novos eventos de vendas com redução de preços similar foram criados no decorrer do ano. Essa mudança reflete um novo foco: se a atração de novos consumidores e o volume bruto de mercadorias (GMV) eram a prioridade no início, hoje os lojistas estão mais focados em engajar consumidores, protegendo as margens.
Nos Estados Unidos, um movimento de estagnação semelhante se instalou. A Black Friday cresceu a um ritmo de 20% a.a. até 2020, quando as taxas passaram a cair consideravelmente. Enquanto o Cyber Five (como são chamados os cinco dias entre a quinta-feira de Ação de Graças e a Cyber Monday) representava 21% das vendas online das festas de fim de ano (novembro e dezembro) em 2019, esse número caiu para 16% em 2021. Para manter o engajamento do público, alguns varejistas estão mudando suas estratégias e ressignificando a data. Companhias com foco em sustentabilidade estão promovendo maior conscientização do consumo, enquanto empresas menores criaram o Small Businesses Saturday no sábado após a Black Friday.
Ao observar a frequência de busca do termo no Google, nota-se que a tendência de diminuição de interesse na Black Friday aconteceu também na Europa. Em todos os países analisados, o pico de buscas foi em 2019-2020, com queda considerável nos últimos dois anos (voltando a patamares inferiores de pré-pandemia).
Apesar de a Black Friday ainda ser o evento do ano mais significativo para o e-commerce na maior parte dos países, ela vem perdendo espaço para novas campanhas, como o Prime Day, evento da Amazon, que ocorreu em julho e outubro de 2023. Especificamente na Itália, o Prime Day de julho de 2022 foi o maior evento de e-commerce do ano4.
O que está acontecendo no Brasil
Nos últimos cinco anos, a Black Friday no Brasil viveu momentos de apogeu e incerteza. Após o crescimento consistente no volume de vendas acima de 20% entre 2018 e 2020, os anos seguintes tiveram um cenário muito diferente. Em 2021, o evento teve crescimento tímido de 4%, em um ano de inflação de 10% (IPCA); em 2022, a queda foi expressiva – com um mês de novembro atípico, entre eleições presidenciais polarizadas e Copa do Mundo, poucos deram atenção ao evento e as vendas caíram 19%, voltando aos níveis de 2019, sem contar a inflação.
O contexto macroeconômico, político e social especial criou nos últimos três anos eventos de Black Friday que não podem ser adotados como padrão. A falta de base de comparação gera incertezas e faz os varejistas se perguntarem qual estratégia adotar para 2023.
Pode ser o início de uma fase de transição para um mercado com comportamento como o da China e o dos EUA, passando de vendas concentradas em um único dia para um modelo de eventos (e promoções) diluídos ao longo do ano. Qualquer transição implica trade-offs. Para manterem-se relevantes, os negócios precisam adequar-se aos comportamentos e expectativas de consumidores, mesmo em um cenário no qual não podem contar com a Black Friday para alavancar as vendas.
Percepção de consumidores e varejistas
E como essas mudanças são percebidas por quem compra e quem vende na Black Friday brasileira? Realizamos uma pesquisa com 500 consumidores e conversamos com representantes de oito varejistas de grande porte para avaliar essa percepção.
- Relevância para consumidores e objetivos dos varejistas
Apesar da queda no volume de vendas registrada no ano passado, a Black Friday ainda ocupa um lugar importante no imaginário do consumidor, que considera a data como o evento promocional mais relevante no ano. Entre os varejistas, há um sentimento semelhante: a maioria tem a expectativa de crescimento de receita em 2023.
Um motivo que parece embasar essa enorme relevância é que 75% dos consumidores enxergam a Black Friday como uma forma de adiantar suas compras de Natal gastando menos. Aqui, há alinhamento com as pretensões do comércio: entre os varejistas, aumentar as vendas é uma das principais motivações das ações promocionais, citado por todos como principal objetivo na data. O aumento da penetração da data nos canais online aparece em segundo lugar, citada por metade dos varejistas.
- Duração
Em vez de estar concentrado em apenas um dia, o período promocional vem se estendendo por uma semana ou um mês inteiro: 70% dos respondentes afirmaram ter feito suas compras na semana do evento ou ao longo do mês de novembro. A maioria dos varejistas manteve as ações promocionais da Black Friday em 2022 por mais de duas semanas.
- Canais
O comportamento do consumidor evidencia a importância de uma estratégia multicanal. Fontes de informação tradicionais – como a TV e as vitrines de lojas – e digitais – como redes sociais e sites – têm relevância semelhante como meios para disseminação de ofertas e promoções.
Na hora da compra, a omnicanalidade também aparece: apenas 9% afirmaram ter feito compras exclusivamente em lojas físicas, frente a 69% que compraram tanto on como offline. Com grande parte dos respondentes afirmando dividir suas compras entre esses dois canais, os espaços físicos permanecem importantes na Black Friday brasileira, mesmo com uma digitalização crescente.
- Descontos
A expectativa de encontrar grandes descontos e oportunidades de compra pode gerar frustração. Entre quem não fez compras na última edição da Black Friday, a falta de promoções atraentes – de modo geral ou para produtos em específico – soma mais da metade das respostas.
Se observarmos os descontos praticados pelo varejo em janeiro de 2023 no Brasil, veremos que estes foram ainda maiores do que os descontos da Black Friday em 2022. Por exemplo, o desconto médio dos modelos mais procurados de celulares nos primeiros dias de 2023 foi de 16%, enquanto o desconto durante a Black Friday foi de 15%5. Grandes esforços de comunicação na data descasados de descontos percebidos como reais são um risco de reputação que as marcas precisam evitar.
Do lado dos varejistas, a maioria dos pesquisados tem expectativas de que os descontos praticados na Black Friday nos próximos anos sejam iguais ou menores que os atuais. Ainda assim, as empresas acreditam que a representatividade das vendas online irá aumentar.
As mecânicas usadas pelas empresas ouvidas tendem a ser mais tradicionais. Todas citaram o uso de descontos simples (um percentual sobre o valor do produto) como a principal estratégia. Mecânicas como descontos cumulativos e promoções do tipo “leve 3, pague 2” ou ativadas por gamificação apareceram de forma pontual entre os entrevistados.
- Categorias
Roupas e acessórios, juntamente com celulares e computadores, apareceram entre os respondentes como as categorias com mais compras na última edição da Black Friday.
O comportamento do consumidor não é homogêneo em relação às diferentes categorias de produtos. Eletrônicos – como TV, aparelho de som, celulares e computadores – representam a categoria em que os consumidores mais se planejam para comprar. Para roupas e produtos de beleza, como perfumes e cosméticos, a tendência é da compra por impulso. Os varejistas precisam entender e considerar esses comportamentos em suas estratégias.
Em sua maioria, os consumidores preferem comprar durante a Black Friday em lojas e marcas que já conhecem, mas existe uma oportunidade para desenvolver novos relacionamentos na venda de eletroportáteis e vestuário – principais categorias em que os clientes estão abertos a conhecer novas lojas e marcas.
Como se preparar para o que vem pela frente
Considerando a visão de consumidores e varejistas, é inegável que a relevância do evento permanece alta. Apesar de as vendas terem caído nos dois últimos anos, o evento ainda é “top of mind” para os consumidores. Com a perspectiva de um novembro menos atípico do visto nos últimos anos, a Black Friday de 2023 deve indicar a tendência da data para os próximos anos.
De todo modo, seja qual for o resultado, varejistas mundo afora têm criado oportunidades contínuas ao longo do ano para não dependerem demasiadamente de um único evento capaz de fazer a diferença no resultado anual. Entre as oportunidades para conquistar maior sustentabilidade dos negócios, identificamos cinco frentes de ação mais relevantes.
1. Ressignificar a Black Friday
Varejistas podem aproveitar a oportunidade de um maior tráfego online e nas lojas físicas durante a Black Friday para dar um novo sentido ao evento, diferenciando-se do restante do mercado.
Uma possibilidade é transformá-la em um evento de inovação, como o Dia dos Solteiros na China, quando empresas lançam novos produtos e serviços exclusivos. Outra alternativa é utilizar a Black Friday para promover temas da pauta ESG, cada vez mais importantes para o consumidor, oferecendo descontos para produtos sustentáveis ou fazendo doações para causas ambientais ou sociais a cada compra realizada. Uma grande varejista de artigos esportivos dos Estados Unidos, foi além: na Black Friday de 2015, fechou todas suas lojas físicas e o comércio online, incentivando que as pessoas passassem o dia com familiares e amigos em atividades ao ar livre, ao invés de irem às compras.
Independentemente da estratégia escolhida, é fundamental que a ressignificação esteja alinhada à proposta de valor da marca, dando uma nova perspectiva aos consumidores, porém sem perder a sua essência.
2. Chamar a atenção ao longo do ano
Uma das razões pelas quais a Black Friday e o Dia dos Solteiros estão em declínio na China, nos EUA e na Europa é que os consumidores encontram oportunidades de compra com descontos semelhantes ao longo do ano. O Prime Day, criado pela Amazon em 2015 para celebrar os 20 anos da empresa, é um exemplo dessa prática. Outra iniciativa é o Super Brand Days, da chinesa Tmall, uma data em que diversas marcas oferecem promoções e experiências únicas. Já o marketplace Shopee promove eventos promocionais em todos os dias em que o número do dia e do mês coincidem.
3. Desenvolver motores de personalização para oferecer os produtos corretos
Personalização importa mais do que nunca, principalmente depois que a pandemia aumentou a expectativa dos consumidores em relação a suas experiências digitais. Uma pesquisa realizada pela McKinsey mostrou que 71% dos consumidores esperam que as empresas entreguem uma interação personalizada e 76% ficam frustrados quando isso não acontece. Além disso, a personalização tem um enorme potencial de melhorar o desempenho: empresas que se destacam em personalização geram 40% mais receita com essas atividades do que empresas que não investem nessa prática. Na Black Friday, em especial, a personalização é uma ferramenta relevante para a criação de uma estratégia promocional assertiva e que garante a proteção de margens.
Empresas que executam bem a personalização focam em três pontos:
- Escolher o produto certo para cada consumidor: entender as preferências de cada perfil de consumidor é o primeiro passo para oferecer não apenas ofertas relevantes, mas toda uma jornada digital personalizada;
- Oferecer descontos na dose certa: alguns consumidores estarão mais propensos a realizar a compra se receberem cupons de desconto; já outros, comprariam independentemente disso. É importante entender essas diferenças de comportamento para aumentar as vendas sem prejudicar a rentabilidade;
- Criar experiências personalizadas que vão além do desconto: empresas que entendem bem o perfil de seus clientes podem enviar brindes relevantes, dar acesso a um produto antes de seu lançamento, convidar para eventos exclusivos, entre outras vantagens.
4. Investir em fidelidade para conquistar mais frequência e engajamento
Programas de fidelidade são ainda pouco explorados e podem se mostrar uma importante alavanca para melhorar o desempenho. Nossa pesquisa mostrou que os melhores programas de fidelidade conseguem aumentar as receitas dos consumidores que usam seus pontos em 15 a 25% anualmente, aumentando tanto sua frequência de compra como o tíquete médio.
Existem diversos formatos de programas que vão além do modelo tradicional de acumular pontos por troca de descontos, brindes ou cashback. Empresas de diversos setores, inclusive varejistas, têm investido no conceito de programas de fidelidade com missões em que o consumidor é premiado pelo seu engajamento além do momento da compra. Por exemplo, receber recompensas por realizar atividades como recomendar a marca para um amigo, seguir nas mídias sociais e participar de eventos.
Quando o nível da recompensa é aderente à dificuldade das missões, os clientes se sentem ainda mais engajados com a marca. A empresa, por sua vez, acumula mais dados sobre o comportamento do consumidor e consegue personalizar a forma como interage com ele, que passa a comprar mais ou de forma mais recorrente. Isso cria um círculo virtuoso de ganha-ganha entre o consumidor e a empresa.
5. Desenvolver uma experiência omnicanal diferenciada, de fato
O comércio online permite ao consumidor comparar preços e serviços com facilidade, o que torna a concorrência mais acirrada e exige que os varejistas apostem claramente em fatores diferenciais.
Um deles é o tempo de entrega. Grandes plataformas de e-commerce e marketplaces revolucionaram a entrega rápida e conseguem hoje enviar mercadorias em um dia, uma hora ou até mesmo em poucos minutos. Empresas que se destacam com prazos de entrega curtos podem ter taxas de conversão de vendas 30 a 50% maiores.
Se por um lado a redução do tempo de entrega aumentou a expectativa dos consumidores, por outro, eles se dividiram claramente em dois grandes grupos: aqueles que preferem frete rápido e aqueles que preferem frete grátis (em um prazo razoável). Para se diferenciar, a escolha não é por um ou outro, mas oferecer os dois.
Além do prazo e do custo de entrega, outras alavancas também se tornaram importantes, como a experiência de devolução e retorno de produtos ou a variedade de canais de entrega (por exemplo, retirar na loja, em parceiros ou por meio de armários de entrega). Nesse contexto, a loja física passa a ganhar importância como um vetor de experiência e engajamento de consumidores para além dos descontos puramente.
Por um lado, o varejo passa por mudanças expressivas e um momento de grande incerteza. Por outro lado, apesar do ceticismo, consumidores seguem atraídos por boas promoções e estão dispostos a engajar com as marcas que lhes proporcionarem claro valor em troca. Ressignificar a Black Friday e ir além de puros descontos pode ser um ganha-ganha. Cabe aos varejistas dar o primeiro passo.
Para saber mais, conheça a prática do NeXT Commerce da McKinsey, focada em alcançar um crescimento lucrativo e sustentável para a nova geração do e-commerce.