Mesmo antes da crise humanitária e econômica provocada pela COVID-19 atingir a América Latina, a região sofria com o baixo crescimento econômico e a distribuição desigual de ganhos. Esse crescimento resulta principalmente de um aumento da mão de obra e não de uma melhor produtividade.
Portanto, os ganhos de produtividade se tornarão cruciais para a região manter e melhorar sua performance econômica ao longo do tempo. O amplo uso de aplicações de inteligência artificial e advanced analytics nas diferentes indústrias, domínios (por exemplo, comercial, operações, talentos em riscos, funções de suporte) e empresas (considerando grandes empresas dinâmicas e uma cauda longa de pequenas/médias empresas) pode desempenhar um papel significativo em gerar as melhorias e os investimentos de produtividade tão necessários.
Estimativas do McKinsey Global Institute indicam que o valor a ser liberado pelo uso de IA/AA na América Latina é de cerca de $0,6 a 1 trilhão anualmente em ganhos de produtividade. No entanto, nossas pesquisas mostram que a América Latina está defasada em relação a outras regiões na adoção de IA/AA. O Digital Quotient da McKinsey, um benchmark de maturidade digital, mostra que a região está em desvantagem em relação a líderes globais em todas as principais dimensões de Advanced Analytics. Em termos de indústrias, vemos setores B2C como bancos e telecom liderando como em outras regiões, e indústrias B2B acelerando o interesse e a adoção (por exemplo, agricultura, óleo e gás, mineração, energia), pois IA/AA podem gerar impacto significativo com menores investimentos de Capex.
Dentro dessas tendências, haverá vantagens significativas para essas empresas que têm aspirações ambiciosas e lideram a adoção de IA/AA em suas respectivas indústrias. Um estudo recente de colegas da McKinsey identificou que as organizações com fortes práticas e capacidades de AA registram taxa de crescimento anual composta para receita e EBIT 4,2x e 1,9x maior que de seus pares, respectivamente.
Adicionalmente, na esteira da crescente volatilidade e da profunda alteração do cenário econômico, e das preferências de clientes diante da COVID-19, usar IA/AA para proteger funcionários, melhorar fluxos de caixa e aumentar resultados está ajudando as empresas a sobreviver e prosperar nesse novo normal. Por exemplo, organizações líderes em nossa região estão utilizando IA/AA para avaliar o risco de infecção no nível local, permitindo que eles protejam melhor clientes e funcionários. Muitos bancos conseguiram identificar melhor clientes com necessidade de auxílio financeiro e oferecer a eles soluções proativas e customizadas. Líderes em varejo e bens de consumo estão usando IA/AA para entender melhor novas tendências e personalizar ofertas à medida que clientes e canais se digitalizam a um ritmo sem precedentes. Líderes de B2B utilizaram IA/AA para identificar oportunidades de melhoria em fluxo de caixa, economias em compras e otimização e resiliência de supply chain e logística.
Em suma, estas são oportunidades dimensionáveis criadas por IA/AA para melhorar a produtividade e gerar crescimento econômico no novo normal na região, assim como gerar vantagens competitivas sustentáveis para empresas líderes. Organizações na América Latina têm a oportunidade e o estímulo para aumentar significativamente suas ambições e acelerar o ritmo de adoção de IA/AA nos países da região.
As organizações líderes na América Latina podem extrair valor substancial da adoção de IA/AA em escala
A maioria das empresas líderes na região estão aplicando alguma versão de IA/AA para solucionar diferentes problemas de negócio, mas apenas algumas passaram de pilotos à adoção em escala para capturar seu pleno potencial e tornar-se realmente organizações movidas por dados.
Observamos muitas organizações na América Latina em um estado de “purgatório de pilotos”, que pode ser caracterizado como a execução de múltiplos pilotos de casos de uso fragmentados, sem vínculo claro com a maioria das prioridades críticas do negócio, com impacto financeiro e/ou estratégico limitado ou não comprovado, entregue por meio de vários protocolos e formas de trabalhar diferentes não escalonáveis e sem caminho claro para a implementação.
Essas organizações normalmente não contam com as competências necessárias para escalonar o desenvolvimento e a implementação de IA/AA, como talentos, dados e tecnologia especializados, e enfrentam desafios significativos para realizar a mudança cultural necessária para garantir a adoção de IA/AA pela gerência e as linhas de frente. Na maioria dessas situações, as percepções iniciais de progresso e domínio de IA/AA rapidamente se transformam em frustração e falta de confiança, à medida que a abordagem de “purgatório de pilotos” não consegue atingir as expectativas e investimentos feitos.
No entanto, também observamos muitas empresas líderes na América Latina que são avançadas em sua jornada para uma adoção ampla e escalonável de AA. Esses líderes dissonantes iniciaram verdadeiras transformações de analytics, aplicando práticas e princípios-chave para acelerar a jornada de captura de valor, capacitação e adoção pela linha de frente.
Em nossa experiência com organizações líderes na América Latina, extraímos algumas lições essenciais para adotar IA/AA em escala, que descrevemos a seguir.
1. As organizações líderes definem altas aspirações e seguem uma abordagem transformacional fundamentada em um roadmap claro e alinhado de casos de uso
Líderes em adoção de IA/AA definiram para si aspirações ambiciosas e uma mentalidade de transformação e construíram seus planos focando nas prioridades estratégicas mais importantes em toda a sua cadeia de valor. Em seguida, desenvolveram um roadmap de casos de uso concreto e baseado em fatos que é priorizado em relação às necessidades do negócio considerando o potencial impacto e a viabilidade e é sequenciado para gerar impacto de curto prazo por meio de 3 a 5 casos guia em 3 a 6 meses. Esse roadmap é cocriado com os principais líderes de negócio e de funções e conduzido e apoiado pelo CEO e a equipe executiva por sua materialidade e impacto potencial.
Por exemplo, um banco líder chamou seu roadmap de casos de uso de plano de “oportunidade de $1 bilhão”, criando alinhamento e motivação entre os executivos em torno de três iniciativas concretas para gerar rápido impacto, foco e investimentos. Um produtor de commodities líder começando sua jornada de IA/AA desenvolveu um roadmap claro de transformação de ponta a ponta com valor concreto alinhado com o CEO e o conselho e iniciou com um projeto referência em otimização da produção que tinha potencial significativo de criação de valor. Uma grande empresa de mídia e telecom que enfrentava pressões significativas de receita avaliou seu roadmap anterior para aumentar rapidamente as vendas e reduzir o churn, combinando modelos de previsão avançados que eram facilmente entendidos, tinham adesão e eram aplicados por suas equipes comerciais.
Os líderes não apenas transformam seu negócio principal com IA/AA, mas também geram inovação que transforma a indústria e lançam novos negócios movidos por IA/AA. Uma empresa de agricultura líder regional e uma empresa global de óleo e gás não apenas redefiniram sua principal proposta de valor e eficiência operacional utilizando modelos de IA/AA, mas também lançou novos negócios com potencial significativo de valor, movida por suas competências superiores de IA/AA.
2. As organizações líderes contratam e desenvolvem talentos multidisciplinares diferenciados
As organizações precisam repensar os talentos de analytics para incorporar papéis técnicos e preparar os líderes do negócio em todos os níveis para interpretar, incorporar e liderar organizações de forma a serem realmente centradas em dados.
Algumas organizações desenvolveram talentos de AA timidamente e esperavam que contratar alguns cientistas de dados seria suficiente para criar impacto. No entanto, o campo se especializou muito mais. Empresas líderes nas indústrias de B2C e B2B na região construíram centros de excelência de analytics durante as fases iniciais de sua jornada, nos quais elas contrataram, treinaram e desenvolveram carreiras atrativas para novos perfis técnicos, como engenheiros de dados, arquitetos de dados, cientistas de dados, engenheiros de machine learning e designers. Além disso, as empresas também desenvolveram “tradutores”, que garantem que IA/AA atendam as necessidades do negócio e sejam adotados por funcionários das linhas de frente. As pessoas nesses papéis devem ter a senioridade certa e a experiência profissional futura para garantir a captura de valor e o coaching necessários, mentoring e experiência comprovada para seus colegas menos experientes.
Organizações mais avançadas estão migrando para um modelo “hub-spoke” a fim de democratizar analytics, como demonstrado por alguns bancos líderes na região. Hub é uma equipe central responsável por entregar casos de uso complexos e inovadores em áreas divididas em silos (por exemplo, modelos de precificação individuais) e por desenvolver competências padronizadas e escalonáveis para protocolos de entrega ágil, talentos (por exemplo, capítulos/guilds), infraestrutura tecnológica (por exemplo, nuvem) e dados (por exemplo, data lake). Spoke são responsáveis por entregar e melhorar continuamente casos de uso mais padrão e bem conhecidos, utilizando a maioria das competências do centro de excelência.
3. As organizações líderes usam um protocolo de entrega ágil replicável, escalonável e multidisciplinar
Desenvolver e implementar soluções de IA/AA que levam a um impacto escalonável e à adoção não é uma tarefa fácil. Muitas empresas na região apostaram que contratar alguns perfis técnicos talentosos era suficiente para gerar impacto, subestimando as complexidades e os riscos de entregar casos de uso de IA/AA, levando assim a uma frustração crescente devido à falta de resultados, fragmentação dos esforços, cronogramas atrasados e adoção limitada.
Como a Fórmula 1 comprova, equipes de elite competem com protocolos. Por exemplo, o tempo necessário para fazer um pit stop pode ser a diferença entre vencer ou perder uma corrida. As equipes de Fórmula 1 seguem um protocolo muito rígido, estudado e intensamente pesquisado, realizando com precisão inacreditável uma coreografia de dezenas de processos (por exemplo, levantar um carro, retirar ou recolocar porcas das rodas), utilizando várias tecnologias (por exemplo, macacos pneumáticos, parafusadeiras, estabilizadores) e exigindo uma equipe de 10 a 20 mecânicos de diferentes especialidades (por exemplo, retirada de pneus, movimentação de pneus, macacos hidráulicos, extintores de incêndio) em 1 a 2 segundos.
Algumas empresas líderes em B2B e B2C na região começaram a usar protocolos padronizados para entregar efetivamente casos de uso em escala e mitigar riscos. Após desenvolver o roadmap priorizado de casos de uso durante uma fase de geração de ideias, os líderes passam para um breve trabalho de “inteligência” para fazer uma due diligence detalhada de cada caso de uso, seguido de uma fase de concepção para criar modelos e pilotos e conduzir uma fase de “intervenção” para lançar pilotos, refinar modelos e escalonar a adoção.
As organizações líderes também executam seus protocolos padrão em sprints ágeis e formam equipes multidisciplinares (por exemplo, cientistas de dados, engenheiros de dados, tradutores, responsáveis de áreas de negócio), que seguem processos passo a passo muito claros, bem coreografados e replicáveis. Essas líderes também aprenderam que incluir líderes de áreas de negócio e usuários finais desde o início é crucial para gerar impacto concreto no negócio, ganhar credibilidade dos usuários finais (usando as técnicas mais recentes de IA) e garantir ampla adoção.
Adicionalmente, os protocolos permitem evolução e inovação mais rápidas no uso de IA/AA. Empresas regionais fazem amplo uso de modelos descritivos ou preditivos simples, mas algumas conseguem usar modelos preditivos mais sofisticados e/ou prescritivos. Mesmo bancos, o setor mais avançado em termos de adoção de IA/AA na região, estão defasados no amplo uso de técnicas IA/AA que são dominantes na América do Norte, Ásia e Europa.
4. As organizações líderes desenvolvem competências em dados e tecnologia para permitir a conclusão da transformação de IA/AA
O Digital Quotient da McKinsey também identificou que tecnologia e dados não capacitaram plenamente as organizações para implementar iniciativas de digital e analytics em escala em nossa região. Vimos muitas organizações regionais fazendo investimentos plurianuais significativos em data lakes caros ou infraestrutura de analytics/dados de última geração (por exemplo, nuvem, pipelines, workbench), e não conseguirem atingir resultados concretos.
Os líderes desenvolvem competências em dados e tecnologia para seguir e possibilitar uma estratégia de negócio, apoiando efetivamente a execução das prioridades do roadmap de transformação de analytics. Um dos bancos líderes da região desenvolveu seu data lake apenas após uma priorização consciente de domínios de dados e infraestrutura necessários para entregar os casos de uso de maior impacto (incluindo requisitos regulatórios e legais) e implementou uma abordagem disciplinada para fornecer uma governança adequada de dados e qualidade e acesso a dados, com modelo operacional bem estruturado e alguns recursos dedicados.
De forma semelhante, um conglomerado desenvolveu uma estratégia de dados voltada para o negócio, criando um data lake centralizado que permitiu às equipes terem uma visão 360º dos clientes de toda a organização para permitir uma captura significativa de valor. O desenvolvimento dessa estratégia melhorou substancialmente a performance de IA/AA e diminuiu fortemente o time-to-market. As equipes não batem mais à porta para suplicar por dados ou pedir projetos de TI para priorizar seus dados. Agora, elas podem acessar rapidamente todas as fontes de verdade e reutilizar facilmente todas as variáveis pré-fabricadas para seus modelos.
Os líderes da região também entendem que ter um data lake com dados de qualidade impecável em todos os domínios não é um pré-requisito para iniciar sua jornada. Como uma empresa de óleo e gás demonstrou, é possível desenvolver as competências necessárias de dados e tecnologia em paralelo com o desenvolvimento dos primeiros casos de uso de referência, garantindo que os primeiros esforços não apenas capturem valor rapidamente, mas também forneçam e usem competências escalonáveis de dados e tecnologia que sustentem todo o programa de transformação.
5. As organizações líderes investem significativamente em adoção e mudança cultural
As soluções e os insights de analytics mais promissores não poderão gerar valor, a menos que processos de tomada de decisão, práticas da linha de frente e mentalidades e comportamentos mudem radicalmente na organização.
Nossa experiência com líderes na América Latina e globalmente mostra claramente que essa é uma das dimensões mais desafiadoras de sua transformação de IA/AA, com mais de 70% das organizações não conseguindo capturar totalmente o valor de seus investimentos em IA/AA. As razões dessa impossibilidade incluem a resistência em mudar processos de tomada de decisão de longo prazo com base na experiência, a complexidade para alinhar agendas e incentivos de diversos stakeholders com agendas potencialmente divergentes, a incapacidade de atrair e incorporar novos perfis e o foco limitado em mudar mecanismos formais necessários (por exemplo, processo, sistemas, incentivos).
Observamos que 85% dos “dissidentes” afirmam que mais de 50% de seu orçamento de IA/AA está na parte final da capacitação e da mudança cultural, gerando um programa de gestão da mudança bem estruturado e proativo que abrange todas as práticas discutidas acima e gera uma profunda transformação cultural. Organizações bem-sucedidas nas indústrias em nossa região mostram que aplicar as seguintes práticas de forma coordenada e proativa melhora excepcionalmente todas as chances de sucesso:
- Todos os líderes, incluindo responsáveis, conselhos, equipes de executivos e gerência, servem de exemplo em mentalidades e comportamentos, alinhados em seu roadmap e prioridades definidos.
- Todos na organização entendem claramente e concordam com a importância de aplicar IA/AA e o que se espera delas, tendo o reforço de uma “história da mudança” clara e bem articulada que é comunicada constantemente em todos os canais de comunicação formal e informal.
- Processos, tecnologias, estruturas e gestão de performance apoiam a implementação de soluções de IA/AA escalonáveis que podem ser executadas “em produção” todos os dias.
- Os talentos necessários especializados e multidisciplinares são totalmente integrados no dia a dia da cultura e da operação, apoiados por novas competências para contratar, desenvolver, treinar e motivar esses novos perfis.
Inteligência artificial e Advanced Analytics podem criar até US $ 1 trilhão de dólares em valor para nossas economias, o que se faz especialmente necessário considerando os impactos da crise do COVID-19. As organizações latino-americanas nos setores público e privado têm uma oportunidade única de criação de valor e liderança para acelerar e ampliar a adoção de AI / AA, melhorando os níveis de produtividade necessários para ajudar nossas economias a se recuperarem da crise atual e sustentar taxas de crescimento econômico mais elevadas no “próximo normal”, e posicionando as empresas latino-americanas na vanguarda da competitividade, produtividade e inovação. Entretanto, somente aquelas organizações com grandes ambições, uma mentalidade verdadeiramente de aprendizado e a execução de um programa holístico de transformação de AI / AA serão capazes de desbloquear o potencial de valor significativo da AI / AA na América Latina.