A Jornada para a Indústria 4.0
Das 90 principais organizações que aplicam tecnologias da Indústria 4.0 conhecidas como “lighthouse”1 do Fórum Econômico Mundial, 63% conseguiram aumentar a produtividade adotando soluções tecnológicas, além de relatarem benefícios em termos de sustentabilidade, agilidade, tempo para entrada no mercado e customização. Em todos esses casos, com pouco ou nenhum gasto de capital, os lighthouses foram capazes de alavancar suas capacidades e crescer combinando soluções tecnológicas com um sistema de produção muito mais flexível.
Nossa pesquisa2 mostra que 62% das organizações não conseguem adotar e/ou escalar com sucesso uma transformação digital; destas, 60% afirmaram que não foram capazes de priorizar os casos de uso.
Desse modo, as organizações que conseguirem mapear melhor o potencial oferecido por alavancas tecnológicas e construir um plano de implementação robusto para efetivar esse potencial terão maior probabilidade de sucesso.
A Indústria 4.0 já vem produzindo impacto nas lighthouses em termos de maior crescimento, custos mais baixos e maior sustentabilidade (Veja Quadro 1, que mostra os benefícios da Indústria 4.0 para os lighthouses do WEF - World Economic Forum (Forum Econômico Mundial, em inglês). As novas demandas dos mercados, e também a crise da COVID-19, motivaram um número maior de organizações a embarcar nessa transformação. A Indústria 4.0 ajuda as organizações a capturar valor e aumentar os lucros melhorando seu rendimento e produtividade, reduzindo custos e aprimorando o planejamento.
Estudos mostram que, ao construir um plano de implementação detalhada para capturar o impacto identificado, uma organização pode planejar suas necessidades de capital e recursos, e também priorizar por onde iniciar a jornada de transformação. Essa etapa importante permite que a organização não só evite custos excessivos, atrasos e a frustração dos funcionários da linha de frente e da liderança (p.ex., pouca confiança nas iniciativas propostas, inadaptabilidade devido à falta de clareza quanto ao que se espera da jornada), mas também tenha uma visão clara das iniciativas e casos de uso.
A jornada de uma organização para a Indústria 4.0 consiste em 3 fases: (1) Mapeamento do valor a ser capturado, (2) Implementação do piloto e (3) Escalonamento de casos de uso para outros locais e unidades de negócio (Quadro 2). As três fases são estruturadas de modo a impulsionar ações concretas desde o planejamento até a execução.
Mapeamento do valor a ser capturado: o primeiro passo crucial da jornada
Sem uma visão clara de qual é e onde está o potencial da organização, a implementação de iniciativas tecnológicas produz resultados que ficam aquém do desejado. Organizações que tiveram sucesso em sua transformação digital atribuem o sucesso principalmente a dois fatores: compromisso da liderança com a transformação e clareza da estratégia de transformação (ou seja, a tradução da estratégia em iniciativas claras e acionáveis).
O Mapeamento do valor a ser capturado avalia onde e por que aplicar novas tecnologias na organização, os recursos necessários para tal e como fazê-lo.
Se a captura de valor não for devidamente mapeada, pelo menos um dos seguintes problemas ocorrerá:
- Menor captura do impacto. Se, em vez de buscar a solução certa para um problema, a organização buscar um problema que possa ser resolvido por solução tecnológica pronta para uso, a alocação de capital e a captura do impacto ficarão aquém do ideal e os custos operacionais poderão aumentar. Para efetivamente economizar, a organização precisa saber quais são os problemas mais importantes que possam ser resolvidos com novas tecnologias.
- Atrasos na implementação. A organização precisa ter uma visão clara dos recursos necessários e/ou do status da infraestrutura de TI/TO. Caso contrário, as iniciativas serão implementadas mais lentamente, o que aumentará a pressão sobre as equipes e provocará atrasos e custos excessivos. A organização deve planejar a implementação analisando seus recursos e os requisitos de TI/TO, e definindo com clareza os marcos principais e os prazos de implantação.
- Frustração da liderança e das equipes. A falta de planejamento, estruturação e priorização pode criar não só a percepção, mas até mesmo a realidade de que a organização não terá sucesso em sua transformação. A clareza nos planos, estruturas e prioridades é importante para ajudar a liderança a se manter alinhada e focada na jornada. Do mesmo modo, comunicar esses elementos regularmente às equipes dará aos funcionários a confiança de que o novo sistema é capaz de melhorar seu trabalho.
Uma abordagem estruturada do Mapeamento do valor a ser capturado
Um Mapeamento do valor a ser capturado abrangente requer uma abordagem estruturada em torno de seis dimensões (veja Quadro 3). Essa abordagem possibilita um entendimento profundo do estado futuro desejado, do impacto potencial e da infraestrutura e recursos necessários. Também permite diagnosticar o que é preciso para garantir que novas maneiras de trabalhar sejam implementadas com um bom plano de gestão da mudança.
Essas seis dimensões se desdobram em subcategorias de ações concretas a serem empreendidas tão logo a implementação do piloto comece (ou seja, na Fase 2).
Embora o exercício de mapear a captura de valor possa fornecer uma visão abrangente das seis dimensões, o processo não deve durar mais do que 4 a 8 semanas. Na fase de Mapeamento do valor a ser capturado, é mais importante construir um roadmap do que um conjunto detalhado de casos de uso e iniciativas. Nessa fase, as equipes que adotarem uma mentalidade ágil (e forem implacáveis na priorização) aumentarão suas chances de sucesso, pois aumentará a adesão ao plano de captura de impacto e a adoção pela linha de frente, visto que não será um infindável exercício de planejamento.
As seis dimensões do Mapeamento do valor a ser capturado
1. Estratégia
A estratégia de negócios descreve em linhas gerais o plano para alcançar a visão da organização, os domínios de negócios necessários e o roadmap das mudanças para a transformação. Durante a fase de Mapeamento do valor a ser capturado, é possível que a organização tenha no início centenas de ideias, que todavia devem então ser reduzidas a uma seleção de casos de uso por meio de uma série de workshops de ideação, priorização e análise (veja Quadro 4).
O resultado será um conjunto de casos de uso priorizados bem definidos a serem utilizados para elaborar um roadmap da implementação da fase piloto (veja Quadro 5). Os casos de uso do roadmap devem ser selecionados de acordo com seu grau de impacto, viabilidade de implementação e contribuição para tornar realidade a estratégia de negócios e resolver os pontos problemáticos da organização.
2. Alavancas de valor
Quatro alavancas de valor são avaliadas na fase de Mapeamento do valor a ser capturado: advanced analytics (“AA”), automação, digitalização e sistema de produção lean.
Cada alavanca tem uma abordagem própria.
- Advanced analytics. As equipes mapeiam os casos de uso potenciais em diferentes domínios valendo-se de análises da variabilidade dos processos e de entrevistas com clientes para descobrir os pontos problemáticos. Em seguida, os casos de uso são priorizados de acordo com o impacto e viabilidade de cada um.
- Digitalização. As equipes avaliam o status e os pontos problemáticos a fim de priorizarem como a digitalização poderá ser utilizada para melhorar as atividades dos operadores/empregados(p.ex., eficiência da mão de obra direta na manutenção).
- Automação. As equipes identificam as melhores oportunidades para aplicar malhas de controle avançado e/ou automação de atividades, levando em consideração os custos do investimento.
- Alavancas tradicionais. As equipes avaliam o grau de maturidade do sistema de produção lean da organização e identificam oportunidades para desenvolvê-lo ainda mais. O sistema lean terá papel fundamental na implementação de todo caso de uso que envolva tecnologia.
3. Infraestrutura de IT/OT
A organização precisa analisar a infraestrutura de TI/TO existente e determinar o que falta para alcançar o estado futuro desejado que permitirá e sustentará as mudanças. Em seguida, pode traçar um roadmap de iniciativas e projetos de Capex para atingir a maturidade de TI/TO necessária para a transformação. Nesse sentido, uma avaliação de TI/TO fornece um diagnóstico rápido, mas abrangente, das atuais capacidades tecnológicas e da maturidade funcional da IIoT (internet das coisas industrial).
4. Habilitadores organizacionais
Os habilitadores organizacionais incluem desenho organizacional, gestão de talentos e capacitação (Quadro 7). Durante a fase de Mapeamento do valor a ser capturado, as equipes precisam avaliar o pipeline de talentos, a possibilidade de capacitação interna e as mudanças na estratégia necessárias para garantir que a organização terá as pessoas e capacidades certas para implementar e manter as mudanças.
Quando tiver uma visão clara do estado atual, a equipe poderá começar a desenhar a organização digital avaliando quais os novos talentos digitais necessários. Ela também deverá elaborar um plano que não só atraia e retenha talentos digitais, mas também ofereça treinamento contínuo para todas as equipes.
5. Novas maneiras de trabalhar – Execução
A melhor abordagem para desenvolver novas maneiras de trabalhar começa com uma avaliação das maneiras atuais, que serão comparadas com as novas tecnologias e equipes a serem contratadas e construídas. Diante dessa comparação entre os estados atual e futuro, a equipe poderá desenhar um processo ágil e um modelo de governança adaptado às necessidades específicas da organização (Quadro 8).
6. Gestão da mudança
Por fim, a gestão da mudança conclui as seis dimensões de um Mapeamento do valor a ser capturado eficaz. A gestão da mudança é um capacitador crítico da transformação para a Indústria 4.0 e seu bom planejamento aumenta enormemente as chances de sucesso (Quadro 9).
Gerenciar mudanças é uma atividade contínua, que requer abordagens bem pensadas e capazes de envolver e inspirar as pessoas em relação ao “quê, porquê e como” das mudanças em toda a organização.
Durante o Mapeamento do valor a ser capturado, os líderes que servirão de modelo para todos os empregados precisam estar alinhados com os comportamentos e mentalidades desejados. É preciso desenvolver uma estratégia de comunicação que garanta, ao longo de toda a jornada, um diálogo aberto entre os funcionários e a liderança. Por fim, uma proposta para um programa de recompensas e reconhecimento deverá ser discutida a fim de reforçar e manter a energia da transformação ao longo do tempo.
Resultados da fase de Mapeamento do valor a ser capturado
O estado final da fase de Mapeamento do valor a ser capturado deve ser um plano estratégico que integre todas as seis dimensões (veja exemplo no Quadro 10), orientando a empresa ao longo da jornada e aumentando as chances de sucesso da transformação.
Ao embarcar na jornada para a Indústria 4.0, é importante que a organização tenha um caminho claro a seguir. Esse caminho vai além da mera avaliação das tecnologias a serem implantadas e requer um entendimento profundo do estado futuro, das alavancas disponíveis e das capacidades e recursos necessários. O Mapeamento do valor a ser capturado fornece uma estrutura robusta que garantirá que todos esses tópicos serão mapeados e que um roadmap adequado estará em vigor para dar suporte à implementação.
Neste artigo, compartilhamos as lições que aprendemos com análises de organizações do mundo inteiro que empreenderam jornadas para a Indústria 4.0 e orientamos como outras organizações podem se preparar melhor para suas respectivas jornadas. Uma organização deve começar a refletir sobre sua jornada fazendo-se 3 perguntas:
- Valor em jogo: temos uma visão clara do valor que a Indústria 4.0 pode gerar para nossas operações?
- Disponibilidade de recursos e infraestrutura de IT/OT: temos a infraestrutura e os recursos certos para iniciar a jornada?
- Capacitação: entendemos as possíveis lacunas que poderão impedir a adoção das novas maneiras de trabalhar trazidas pela Indústria 4.0?
A chave do sucesso é acertar já o primeiro passo.