Para limitar o aquecimento global a 1,5°C e neutralizar as emissões anuais de gases do efeito estufa (GEE) globais até 2050 é necessária a rápida tomada de ações por parte de todos os setores da economia. Sessenta e cinco países representando aproximadamente oitenta por cento do PIB mundial já se comprometeram em alcançar neutralidade de carbono entre 2050-60, incluindo países como China, Estados Unidos e a maioria dos países europeus.
Essa jornada requer não apenas uma redução significativa de emissões, mas também o sequestro em escala de carbono da atmosfera. Nesse contexto, tanto a redução de emissões associadas ao desmatamento quanto a captura de carbono associada à restauração ambiental terão um papel crítico no alcance desse objetivo global.
Até 2050, 5-10 GtCO2 devem ser sequestradas da atmosfera para atingir a meta de 1,5°C. Para tanto, há três formas principais de captura: a primeira consiste no mecanismo de DACCS (Direct Air Carbon Capture and Storage) que se refere à captura do CO2 e seu posterior armazenamento, por exemplo, em poços de petróleo inativados. Essa tecnologia ainda é imatura, tem custo alto e requer elevado consumo energético. A segunda, refere-se ao mecanismo conhecido como BECCS (Bioenergy with carbon capture and storage), que promove a captura de CO2 por meio de sua transformação em biomassa, como ocorre no ciclo da cana-de-açúcar no Brasil. O método BECCS tem limitação de disponibilidade de biomassa colhida de forma sustentável e custo de transporte e armazenamento do carbono. A terceira forma é a captura de carbono por meios naturais conhecidas como NCS (Natural Climate Solutions) e consistem na captura no solo, oceanos ou através do reflorestamento, que hoje já possuem alta viabilidade e prontidão para captura em escala.
Oportunidades e desafios da proteção de florestas e do reflorestamento
O grande desafio relacionado à proteção de florestas e reflorestamento é o financiamento do investimento necessário para viabilizar iniciativas de prevenção de desmatamento e sequestro de carbono por meio da restauração de florestas. No entanto, há uma perspectiva positiva para o desenvolvimento de mercados voluntários e regulados de carbono, impulsionados pelo crescente comprometimento de empresas com o abatimento de suas emissões e a possível regulamentação do Acordo de Paris.
No mercado voluntário de carbono, no qual as empresas compram créditos para compensar suas emissões, os créditos associados à proteção de florestas e restauração florestal já representam 40% do mercado. Esse mercado ainda é pequeno, da ordem de menos de US$ 350 milhões por ano, mas tem crescido em média 20% ao ano com potencial de crescimento de 15 vezes até 2030, atingindo uma compensação de mais de 1 GtCO2 por ano, segundo estudo realizado pela McKinsey em conjunto com o Taskforce on Scaling Voluntary Carbon Markets do World Business Council.
Os mercados regulados de carbono, por sua vez, apresentam uma grande oportunidade para proteção de florestas, mas ainda carecem de uma maior padronização de regras e mecanismos para a certificação de créditos advindos de florestas. O valor monetário estimado, ligado às emissões de GEE em mercados regulados, já atinja mais US$ 270 bilhões anualmente, principalmente na forma de impostos sobre carbono através dos mercados regulados de comercialização de emissões ou ETSs (Emissions Trading Schemes) que são regionalizados e formados atualmente por 21 legislações que abrangem 29 jurisdições. Nos próximos anos, esse cenário se tornará ainda mais granular, uma vez que novas jurisdições devem desenvolver seus próprios ETSs com regras próprias e independentes. O setor florestal também enfrenta restrições na maioria dos sistemas regulados. Como exemplo, o próximo ETS revisado da UE prevê potencial limitado para compensação florestal. Mesmo quando aceitam contribuições advindas de florestas, na maioria das vezes, a regulamentação restringe as contribuições realizadas dentro das fronteiras que a jurisdição abrange, na qual muitas vezes o potencial de florestas é baixo por questões de custo, disponibilidade de terras para restauração ou potencial real de captura. A regulamentação do Acordo de Paris, que potencialmente será definida na próxima COP26, em novembro deste ano, pode eventualmente trazer maior padronização entre mercados e aceitação de mecanismos associados a florestas.
O crescimento sustentável dos mercados voluntários e regulados de carbono será fundamental para o aumento de iniciativas ligadas à redução de emissões e captura de carbono ligadas a florestas, pois se faz maior previsibilidade para investidores que queiram realizar contribuições nesse setor visto perfil único dos projetos que demoram, em média, de cinco a sete anos para emitirem o primeiro crédito. Ao ganhar escala e padronização, espera-se também que a dinâmica de preço seja mais favorável. Atualmente, mais de 50% do mercado voluntário está precificado abaixo de US$ 10 por tonelada de carbono equivalente capturado com grandes variações (de US$ 1 a US$ 120/t).
A oportunidade para o Brasil
O Brasil se destaca como país com maior potencial e competitividade para captura de carbono por meio da preservação e restauração florestal. Se o país conseguir explorar essa oportunidade, poderá aliar uma atividade de desenvolvimento sustentável com geração de empregos e renda em regiões de baixo desenvolvimento socioeconômico, além de benefícios como a mitigação do aquecimento global, recuperação da biodiversidade e regulação de chuvas, reduzindo riscos à nossa produção agrícola que dependem do regime de chuvas gerado primariamente por nossas florestas.
O Brasil pode se posicionar como líder global em emissão de créditos de carbono associados à conservação (REDD+) quanto de restauração florestal (ARR). De fato, o país não somente possui a maior cobertura florestal tropical do mundo (488 Mha), que hoje captura aproximadamente 600 MtCO2eq, como também possui 30% do potencial de reflorestamento (47 Mha) do mundo, podendo capturar aproximadamente 700 MtCO2eq por ano. Em um preço de mercado de US$ 20/tCO2, o tamanho total do mercado poderia chegar a US$ 26 bilhões, o que representa mais de duas vezes a exportação de carnes brasileira. Esse potencial está centrado sobretudo no bioma amazônico e na Mata Atlântica. Tais regiões apresentam características de clima e solo propícias para maior captura e possuem áreas com baixa competitividade econômica para agricultura e pecuária. Adicionalmente, o Brasil é competitivo em termos de custos quando comparado a outras regiões do mundo – uma tonelada de carbono gerado por restauração florestal, considerando o custo da terra, plantio e manejo, custariam no Brasil o equivalente a US$ 10-15/tCO2 em comparação com US$ 17/tCO2 nos Estados Unidos.
Implicações para o Brasil
Criar esse valor ambiental e socioeconômico para o Brasil é possível, porém não será simples. Existem cinco fatores importantes a serem abordados pelo governo, iniciativa privada e setor acadêmico. O primeiro é o fomento de uma regulamentação global e comum para o mercado de créditos de carbono que inclua o manejo florestal. Neste caso, será fundamental contar com um papel de liderança na COP26 em novembro deste ano por meio de uma força-tarefa público-privada.
O segundo é a coordenação com agências de emissão de créditos de carbono para redução do custo e complexidade de emissão de créditos através de tecnologias como inteligência artificial aplicada a imagens de satélites.
O terceiro é o desenvolvimento de técnicas que permitam uma “manufatura” da restauração florestal, pois precisamos ser capazes de reflorestar aproximadamente 700 árvores por minuto para atingir a marca de 47 Mha reflorestados até 2050. Esta escala nunca foi atingida para florestas, o que requererá o desenvolvimento de técnicas novas e de equipamentos adequados, bem como capacitação da mão de obra. Sabemos que o desafio parece insuperável, mas não é muito diferente do alcançado em outras lavouras arbustivas ou não, como laranja, café, soja e milho, que se desenvolveram ao longo dos últimos 30 anos.
O quarto e último fator é o fomento a práticas sustentáveis de exploração de florestas com produtos não madeireiros, como castanha do Brasil, açaí e cupuaçu, entre outros, que podem gerar renda adicional para populações locais, propiciando um desenvolvimento econômico mais inclusivo. Muitos desses produtos florestais não madeireiros ainda têm uma demanda limitada e enfrentam desafios significativos de cadeia logística que devem ser trabalhados para que a atividade atinja seu pleno potencial.
A oportunidade ambiental e socioeconômica do desenvolvimento de um mercado vibrante de carbono florestal é significativa, porém os desafios são igualmente importantes. A iniciativa privada, em colaboração com o governo e o setor acadêmico, terá um papel importante no desenvolvimento desse mercado no médio e longo prazo. No curto prazo, já existem oportunidades tangíveis, principalmente para setores exportadores, de reduzir suas emissões por meio da captura de carbono em florestas, uma vez que eles podem posicionar seus produtos como de carbono reduzido ou neutro. Executivos devem refletir sobre três perguntas acerca desta oportunidade: (i) Qual a oportunidade no curto prazo para posicionar meus produtos como neutros ou de baixo carbono? (ii) Em quais oportunidades de criação de novos negócios e cadeias produtivas ligadas à manutenção e recuperação de florestas faz sentido investir? (iii) Quais parcerias devemos desenvolver para capturar essa oportunidade?