Poucos setores da economia são tão próximos da rotina dos brasileiros quanto o varejo de alimentos. Qualquer mudança nos hábitos do consumidor tem um reflexo direto e rápido na dinâmica do mercado. Assim, não seria exagero afirmar que esse segmento mudou mais nos últimos cinco anos do que nas duas décadas anteriores.
E essas transformações levaram a uma nova configuração, com a consolidação dos atacarejos, o fortalecimento das redes regionais e a maior capilaridade das lojas de conveniência – com traços cada vez mais fortes de omnicanalidade. Esses são os destaques da nova edição do estudo State of Grocery da McKinsey, que analisa o varejo de alimentos no Brasil.
Grande no tamanho, na capilaridade e na economia
No cenário de orçamento apertado e pressão inflacionária dos últimos anos, os brasileiros invadiram os gigantes do varejo em busca de preços mais atraentes. E, mesmo com a retomada parcial do poder de compra, os consumidores não dão sinais de querer esbanjar na hora de abastecer a despensa. A economia conquistada nos atacarejos parece ser mesmo um caminho sem volta.
Esse formato vencedor segue expandindo para novas áreas, como centros urbanos, e convertendo players regionais. Em seis anos, sua participação na receita total do varejo alimentar brasileiro saltou de 27% para 46%, enquanto a fatia dos hipermercados encolheu de 21% para 11%.
O grande desafio do segmento agora é impulsionar as vendas nas mesmas lojas (same store sales) que desaqueceram no último ano. Para retomar o crescimento mais vigoroso, é preciso fidelizar o cliente, ajustando a proposta de valor para oferecer mais produtos e serviços, e melhorar a experiência.
Regionais e gourmets turbinados
As redes regionais estão consolidando seus pontos fortes, inovando nos formatos e repensando a execução na loja para melhor atender o propósito de compra dos consumidores – sejam compras de abastecimento, reposição ou de urgência.
Serviços adicionais, sortimento mais amplo, programas de fidelidade e personalização de ofertas são algumas das estratégias usadas para abordar novas ocasiões de compra. E o esforço trouxe resultados: recentemente, todas as três principais redes de cada região do Brasil faturaram mais de R$1 bilhão. E os 20 principais pequenos e médios varejistas têm apresentado taxa média de crescimento de 20% ao ano.
Se o maior volume de gastos está concentrado nas categorias econômicas, o ticket médio está mais alto nas categorias premium, reflexo da dualidade no perfil de compra do novo consumidor zero meio-termo. Além das marcas que já nasceram premium, supermercados de diferentes tamanhos abriram lojas gourmet nos últimos anos para atender um público que busca exclusividade, conforto na loja, indulgências, além de uma maior variedade de itens frescos. Esse nicho ganha força com a expansão das regiões urbanas de alto padrão e já representa 30% do segmento de supermercados.
A urgência que impulsiona a conveniência
Com o número cada vez maior de unidades, as lojas de conveniência e superproximidade têm a vantagem de estar sempre no caminho dos consumidores e crescem também nas compras com entrega em domicílio e naquelas de última hora. Como o recurso mais escasso hoje é o tempo, os consumidores recebem de bom grado a possibilidade de resolver as pequenas faltas do dia a dia a alguns passos de casa ou mesmo dentro do seu condomínio.
Os três maiores players do segmento conveniência inauguraram quase 1.000 lojas no Brasil em 2024, especialmente na Grande São Paulo, interior de São Paulo e região Sul. Em São Paulo, a penetração desse formato chega a 25% nas classes A/B.
Multiplicidade de canais
Apesar de ainda ser pequeno, o e-commerce segue como destaque em crescimento e vem evoluindo em termos de penetração – já chegando a mais de sete milhões de lares. Os varejistas do setor que vêm investindo no online já alcançam mais de 10% do total das suas vendas neste canal.
A maior integração do físico e do digital – que permite ao cliente pesquisar um produto antes de sair de casa ou comprar via app ou WhatsApp, por exemplo – consolida a presença da omnicanalidade na jornada do consumidor. Seja pela alta de mais de 40% nos preços em relação ao período pré-pandemia ou pelo novo perfil de consumidor que quer fazer economia em uma ponta e gastar mais na outra, o fato é que os brasileiros visitam 20% mais canais hoje do que há cinco anos – são, em média, seis canais visitados ao longo do ano.
Para crescer além da curva
Para crescer, quatro itens que não podem faltar na “dieta” de quem quer se sobressair no varejo alimentar:
- Estratégia granular de preço e promoção. É preciso praticar uma precificação competitiva para os itens formadores de percepção de valor. Além disso, a precificação dinâmica, apoiada por dados e advanced analytics, e as promoções em tempo real, personalizadas para o cliente de acordo com o canal e a ocasião de compra, podem gerar de um a dois pontos percentuais de margem adicional.
- Gestão de categoria e fornecedores.Desenvolver estratégia de categoria, expandir marca própria e implementar uma torre de controle para agilizar e inovar nas negociações pode contribuir para um incremento de um a dois pontos percentuais na margem EBITDA.
- Personalização e omnicanalidade. A concorrência acirrada entre os diferentes varejistas reforça a necessidade de personalização ao longo de todo o ciclo de vida do cliente para gerar impacto significativo. Integrar a logística “figital”, oferecendo alternativas de compra e recebimento de produtos, também será importante para alavancar as vendas. Essas ações têm potencial para aumentar a receita de vendas entre 5 e 10 pontos percentuais.
- Expansão para além do varejo. Em um contexto de margens pressionadas, o varejo pode buscar crescimento por meio da oferta de serviços financeiros e de soluções complementares ao negócio principal, como retail media (com espaços publicitários on e offline), alavancando o acesso e o conhecimento da base de clientes.
Gôndolas cheias
A rápida ação dos varejistas para acompanhar as mudanças dos últimos anos mostra que eles estão à altura dos desafios que colocam as empresas do segmento à prova. Mas esses competidores não podem perder o momento: em um setor onde o vencedor leva a maior parte do prêmio, eles precisam fazer suas apostas, definindo as alavancas de valor que vão criar resiliência e gerar retorno para os seus negócios nos próximos anos. As gôndolas de oportunidades estão recheadas para varejistas de todos os tipos e tamanhos.