Acesso e alocação estratégica de capital financeiro são, sem dúvida, fatores essenciais para que uma organização alcance uma performance superior à de seus concorrentes. Outro fator igualmente crítico, embora menos reconhecido pelas empresas, é a necessidade de um sistema de gestão de talentos robusto que permita atrair, desenvolver, capacitar e reter os melhores talentos.
A pesquisa global da McKinsey, “Winning with your talent-management strategy” , de novembro de 2017, com organizações de diversos setores e regiões, indica que um sistema eficaz de gestão de talentos aumenta em 80% a probabilidade de uma empresa apresentar performance superior à de seus concorrentes. Da mesma forma, segundo a recente pesquisa McKinsey, “Vencendo por meio dos Talentos” , realizada no Brasil, em junho de 2018, com organizações que atuam no país, revela que as empresas que adotam uma gestão de talentos eficaz são duas vezes mais bem-sucedidas que as demais em termos de atração e retenção de talentos.
No entanto, em comparação com outras regiões do mundo, as organizações pesquisadas no Brasil consideram talento menos crítico que capital – somente 35% dos respondentes da pesquisa no país caracterizam talento como mais crítico que capital, enquanto esse índice chega a 74% na América do Norte, 72% na Europa e 58% na Ásia.
De fato, a gestão de talentos não é um tema trivial, principalmente quando são consideradas as especificidades de cada negócio. No Brasil, assim como no mundo, a gestão de talentos representa um desafio para as empresas, sendo que apenas 5% dos respondentes globais e 3% dos respondentes brasileiros afirmam que seu sistema de gestão de talentos tem sido muito eficaz em melhorar a performance da sua organização. Além disso, uma em duas (55%) empresas brasileiras que participaram da nossa pesquisa não possui os talentos necessários para entregar sua estratégia. Nesse contexto, a pergunta é: por onde começar a abordar esse desafio? Este artigo apresenta possíveis caminhos e melhores práticas para ser bem-sucedido nessa jornada.
As três práticas críticas de um sistema de gestão de talentos eficaz
O estudo global da McKinsey identificou três práticas essenciais para que uma organização possa estabelecer uma gestão de talentos bem-sucedida:
- Alocação rápida de talentos
Esta prática consiste em que os talentos sejam rapidamente alocados e realocados em projetos de acordo com as prioridades estratégicas. A implementação bem-sucedida desta prática propicia até 1,4 vezes mais chances de performance superior aos concorrentes. - Experiência positiva dos funcionários
Com esta prática, o RH garante uma experiência positiva em todo o ciclo de vida do funcionário na empresa. Se implementada com sucesso, ela pode propiciar uma chance até 1,3 vezes maior de superar a performance dos concorrentes. - Papel estratégico de Recursos Humanos
Esta prática consiste em que os líderes de RH tenham um entendimento abrangente da estratégia da organização e das prioridades do negócio. O sucesso na implementação permite aumentar em até 1,4 vezes a probabilidade de alcançar uma performance superior à dos concorrentes.
No Brasil, essas três práticas parecem estar em linha ou mesmo acima das médias globais, porém um olhar mais atento sugere alguns questionamentos sobre a robustez dessa percepção. A seguir, cada uma dessas práticas será explorada em detalhe para ajudar a entender como as organizações pesquisadas no país estão posicionadas para capturar os benefícios de performance mencionados.
O paradoxo da gestão de talentos no Brasil
Nas próximas seções, serão abordados os motivos pelos quais a realidade da gestão de talentos no Brasil muitas vezes contradiz as melhores práticas.
Alocação rápida de talentos
A alocação rápida de talentos requer um entendimento aprofundado sobre as principais posições responsáveis pela captura de valor em uma organização, um amplo mapeamento dos perfis dos funcionários e a construção de uma “ponte” entre esses dois elementos, que deveria ser continuamente reconstruída.
Mais da metade dos respondentes da pesquisa realizada no Brasil (62%) acredita que a equipe executiva tem clareza sobre quais são as funções críticas para as suas organizações e quais qualidades o indivíduo que as ocupa deve apresentar (64%) para ter sucesso nessas funções. Adicionalmente, grande parte das empresas que participaram da pesquisa no país conhece quem são seus melhores talentos e os acompanha, e 76% delas estão cientes das qualidades (isto é, habilidades, conhecimento, experiência e traços pessoais) que caracterizam seus melhores talentos. Contudo, para chegar a tais conclusões, a maioria das organizações ainda utiliza fontes de informação tradicionais, tais como a avaliação formal da performance (73%) ou a avaliação do líder da função (72%), enquanto elas poderiam também alavancar avaliações de pares (presente em apenas 21% dos respondentes), avaliações do sucesso da equipe como um todo (16%), bem como feedback externo, por exemplo, de clientes (12%).
Outro ponto-chave relacionado à alocação rápida de talentos é a capacidade de conectar funções e talentos. Neste aspecto, 77% dos respondentes da pesquisa local reportam que alocam talentos efetivamente nos projetos mais adequados às suas habilidades, incidência levemente superior à de outras regiões do mundo (71% na América do Norte e 70% na Europa). Apesar disso, somente 13% dos respondentes locais (versus 20% dos respondentes globais) concordam plenamente que os melhores talentos são alocados às funções críticas para o sucesso da sua estratégia, independentemente da posição hierárquica na organização. Isto pode ocorrer devido ao baixo envolvimento da equipe executiva na gestão de talentos (apenas 35% dos respondentes afirmam que a liderança é muito envolvida na gestão de talentos), bem como à baixa frequência de revisão, que não acompanha a rapidez da estratégia – no Brasil, apenas 14% dos respondentes revisa a alocação de talentos pelo menos trimestralmente, enquanto na América do Norte e Europa os índices atingem mais que o dobro dessa cifra.
Além de envolver toda a equipe executiva e de colocar o assunto na pauta sempre que houver ajustes estratégicos, estabelecer equipes em estruturas multifuncionais resulta em até duas vezes mais agilidade na alocação de talentos. Ao desviar-se da estrutura hierárquica, difícil de ser ajustada, essas equipes são montadas e desmontadas visando garantir a entrega de projetos estratégicos. No Brasil, as estruturas multifuncionais estão presentes em 45% das empresas respondentes, que afirmam aplicá-las em alguma parte da organização, porém este índice é inferior ao nível global que chega a 61%.
Outra tendência que pode reforçar a alocação rápida de talentos é o uso de dados e advanced analytics, fontes de insights que tornam as decisões mais objetivas e céleres, contudo esses métodos ainda não são amplamente adotados no Brasil. De fato, somente 22% dos respondentes utilizam dados para identificar os talentos necessários para ocupar uma determinada função crítica dentro da organização.
Experiência positiva dos funcionários
Oferecer aos funcionários uma experiência positiva não significa criar um ambiente moderno ou disponibilizar amenidades. Significa dar-lhes a oportunidade de trazerem à tona o melhor de si, saberem que (e por que) seu trabalho é importante, e terem autonomia e oportunidades para crescer. Reza a lenda que quando o presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, visitou o centro da NASA pela primeira vez, em 1961, perguntou a um faxineiro da instituição qual era o seu trabalho, ao que ele respondeu: “Colocar um homem na lua”. Este é o tipo de conexão com a estratégia da organização que aumenta o senso de responsabilidade e pertencimento e que motiva os funcionários a se dedicarem e pensarem além do que é explicitamente requerido a eles.
Na pesquisa realizada no Brasil, 91% das organizações afirmam que os funcionários entendem suas responsabilidades e 85% que os funcionários entendem os objetivos da sua unidade de negócio ou função, mas para 50% dos respondentes locais falta aos funcionários uma conexão clara entre as atividades realizadas por eles e seu impacto para a organização.
Além disso, somente 9% dos respondentes concordam plenamente que os funcionários entendem a estratégia da organização, enquanto no mundo a média é de 19%. Dessa forma, alinhar os funcionários em torno de um objetivo comum requer um esforço que permeia tudo o que a empresa faz, desde o posicionamento e a comunicação da alta liderança até a alocação de recursos.
Outro fator relevante para propiciar uma experiência positiva aos funcionários consiste em desenvolvê-los de forma proativa e constante, principalmente aqueles que forem identificados como talentos críticos ⁴. Por um lado, 75% dos respondentes no Brasil veem um retorno positivo ao investir em upskilling (melhoria de competências) ou reskilling (requalificação) da força de trabalho, embora eles reconheçam que há um grande desafio em termos de definir onde focar (38%) e como mensurar (32%) os resultados desse tipo de investimento. Por outro lado, o treinamento on the job (na prática), embora seja mais eficaz e alinhado com a forma de aprendizagem de adultos, ainda é muito menos comum – somente 35% dos respondentes locais têm oportunidades de desenvolver novas competências adquirindo experiência em diferentes áreas da organização. Com frequência, isto se deve à presença de silos e acarreta um custo para a empresa: somente 6% dos participantes da pesquisa local sempre conseguem encontrar os funcionários com habilidades mais relevantes para um determinado projeto, independentemente de onde estejam na organização; este índice é de 21% na América do Norte e 14% na Europa.
Para complementar esse cenário, segundo a pesquisa local, menos de uma em cada dez empresas pesquisadas afirma que as pessoas em suas funções sempre têm um papel na tomada de decisões que afetam suas atividades diárias. Esse índice tão baixo revela uma falta de atribuição de empoderamento por parte da empresa. De fato, empregos que oferecem mais autonomia e controle não só geram nos funcionários mais motivação e melhor performance, como também podem aumentar seu nível de saúde física e emocional.
Papel estratégico de Recursos Humanos
Nas últimas décadas, o departamento de Recursos Humanos passou de ser uma função com caráter puramente transacional para ganhar um lugar na mesa do Conselho e ter um posicionamento cada vez mais estratégico nas empresas ao redor do mundo. No Brasil não foi diferente, mas para que o RH realmente assuma o papel estratégico que lhe cabe (ou deveria caber), a liderança precisa considerar os assuntos relacionados a pessoas como temas estratégicos, e o próprio departamento de RH como um todo – não somente a liderança – precisa estar preparado e ser, de fato, envolvido nas decisões. Afinal, sem as pessoas certas nos lugares certos não seria possível implementá-las.
No Brasil, a área de Recursos Humanos é percebida como estratégica dentro das organizações, seja pelo fato de o CHRO reportar-se diretamente ao CEO da organização (como ocorre em 87% das empresas pesquisadas), seja pela percepção de que esse cargo é tão próximo ao do CEO quanto o de CFO (81% dos casos no país em relação a 46% na média global).
Apesar da percepção sobre a importância estratégica do RH no país, o tema de talentos ainda não está sendo tratado com a atenção que merece. Somente um terço dos respondentes tem uma equipe executiva altamente envolvida nessa questão. É positivo o fato de o Conselho incluir o tema de talentos na pauta, mas o ideal seria ir além dos tópicos básicos de remuneração (75%) e sucessão de funções críticas (57%), passando a abordar outros temas relevantes como a performance dessas funções (52%) e a atração e retenção de talentos para tais funções críticas (35%), uma vez que delas depende a captura de até 95% do valor.
O próprio RH, por sua vez, também deve se reinventar. Por exemplo, dedicando-se mais a atividades estratégicas como estratégia de talento, desenvolvimento de funcionários, recrutamento, gestão de performance e coaching da liderança, em vez de focar em de funções mais operacionais como folha de pagamento e benefícios – atualmente, 87% dos respondentes reportam gastar mais da metade do tempo com esse tipo de atividade.
Nesse sentido, também o fortalecimento das capacidades estratégicas dentro da equipe de Recursos Humanos seria importante, pois embora 89% dos respondentes acreditem que os líderes de RH têm um entendimento abrangente sobre a estratégia, e que 72% dos parceiros de negócios de RH contam com as habilidades necessárias para identificar e alocar talentos que atendam às necessidades do negócio, apenas 17% das organizações reportam que os parceiros de negócios de RH poderiam assumir as áreas que eles apoiam.
A pesquisa também revelou que o RH ainda é um departamento afastado do “coração” do negócio. Um em cada dois líderes da área não tem experiência em outro departamento e somente um em cada três foi gerente de linha. Além disso, o departamento não é uma área de atuação obrigatória para os líderes ao longo de sua trajetória, com raras exceções (4% dos casos segundo a pesquisa).
People Analytics: Uma prioridade para a eficácia da gestão de talentos
A utilização de dados e advanced analytics na gestão de talentos gera benefícios evidentes para as organizações, podendo aumentar em até 30% a lucratividade e em até 10% a produtividade dos colaboradores. Isso explica porque People Analytics se tornou uma prioridade na agenda de várias organizações, uma vez que 71% dos participantes da pesquisa global afirmam que o tópico tem alta prioridade na implementação da estratégia. No entanto, no Brasil e no mundo, utilizar advanced analytics na gestão de talentos em seu pleno potencial ainda é um desafio. A adoção dessa ferramenta pode apontar novas oportunidades e perspectivas contraintuitivas que permeiam todo o processo de gestão de pessoas, desde a identificação e recrutamento de talentos até a mensuração do impacto gerado pelos talentos na organização . Porém, na melhor das hipóteses, somente um em cada três respondentes globalmente, e um em cada quatro no Brasil usufruem as possibilidades que a ferramenta oferece.
Foco em talentos: Uma chamada para a ação
Implementar uma gestão de talentos efetiva requer que as organizações que atuam no Brasil tratem, de fato, a questão de talentos como um tema crítico para o sucesso de sua estratégia e, dessa forma, tornem-se cada vez mais “talent first”, ou seja, focadas primordialmente em talentos. Para tanto, há uma série de iniciativas relacionadas a três práticas fundamentais.
Em primeiro lugar, as empresas deveriam adotar a alocação rápida de talentos a fim de identificar quais são as funções críticas que irão entregar o valor previsto na estratégia, assegurando que elas sejam preenchidas pelos talentos críticos mais adequados, além de trabalhar em uma estrutura multifuncional ágil e alavancar o uso de dados e advanced analytics.
Em segundo lugar, a adoção de práticas que proporcionem uma experiência positiva aos funcionários, segundo as quais é importante conectar o trabalho que eles realizam com a estratégia geral da empresa, investindo de diferentes formas – não apenas recursos, mas também tempo – na sua capacitação, e oferecendo-lhes a autonomia necessária para motivá-los e desenvolvê-los.
Por fim, o próprio departamento de Recursos Humanos precisa elevar-se à altura da nova demanda, com uma atuação mais estratégica dentro da empresa, que inclua a aquisição de experiência em outras áreas, investimento de tempo em atividades de alto valor agregado e um trabalho “a quatro mãos” com outras funções focando na estratégia.
O mundo está em constante mudança e o Brasil reflete essa realidade. As organizações que desejam vencer no mercado brasileiro devem buscar adotar um sistema de gestão de talentos eficaz para assegurar o sucesso da sua estratégia e conquistar vantagem competitiva.