Este artigo foi escrito em colaboração com Ignacio Felix e Ketan Shah, que lideram o trabalho da McKinsey em supply chain e operações dentro da Prática de Bens de Consumo.
Nos últimos meses, pessoas de todos os lugares têm se preocupado com o supply chain. Alguns produtos estão fora de estoque nas lojas há semanas; o desabastecimento em categorias cruciais, como alimentos industrializados, material de limpeza e, mais grave, equipamentos de segurança médica, está em todos os noticiários. Ao mesmo tempo, com as lojas fechadas e a maioria das pessoas em casa, a demanda de outros tipos de produtos caiu vertiginosamente. Como as empresas vão enfrentar a incerteza contínua e as variações da demanda dos consumidores com a reabertura de cidades, estados e países?
A crise da COVID-19 impõe muitos desafios novos ao planejamento do supply chain. Nas previsões, por exemplo, a pandemia tornou as técnicas tradicionais ineficazes, uma vez que elas dependem muito dos dados históricos de vendas da empresa, e não de dados externos prospectivos. Por isso, alguns fabricantes não conseguiram reagir com rapidez suficiente quando os consumidores passaram a maior parte de seus gastos das lojas físicas para o comércio eletrônico; outros não conseguiram aumentar a produção para atender à demanda crescente dos consumidores que estavam abastecendo a despensa. No entanto, algumas empresas serão (e, de fato, têm sido) capazes de sempre atender à demanda no curto prazo – em grande parte devido às suas capacidades avançadas em supply chain.
Para muitas empresas, a crise da COVID-19 gerou não apenas a situação insustentável necessária para transformar o planejamento do supply chain, como também um conjunto de circunstâncias propícias a essa transformação. Por um lado, devido ao fechamento obrigatório de fábricas e lojas em várias regiões, os fabricantes estão com menos fornecedores e clientes, e isso em um número menor de mercados geográficos. Ademais, alguns fabricantes estão reduzindo temporariamente o número de SKUs que fabricam, dedicando suas fábricas e armazéns apenas aos produtos de maior demanda – o que permite maior visibilidade do supply chain e intervenções direcionadas. Além disso, a crise obrigou as equipes de marketing e vendas e os planejadores do supply chain a colaborar mais estreitamente entre si, o que cria oportunidades para redesenhar os processos de planejamento de ponta a ponta.
No começo da crise, muitas empresas se apressaram para montar uma torre de controle do supply chain – uma equipe multifuncional destinada a analisar dados em tempo real para tomar decisões rapidamente. Utilizada da maneira correta, a abordagem da torre de controle pode ser eficaz, quer haja uma crise, quer não. É também um passo potencialmente grande em direção ao que acreditamos que deveria ser uma aspiração para todas as empresas voltadas ao consumidor: o planejamento autônomo. Na visão do planejamento autônomo, big data e advanced analytics são usados em todas as etapas do processo de planejamento do supply chain, permitindo tomadas de decisões mais rápidas e melhores, com o mínimo de intervenção manual.
No presente artigo, descrevemos os elementos de uma torre de controle bem-sucedida para ajudar as empresas a tomarem decisões baseadas em dados durante a crise da COVID-19 e no período imediatamente posterior. Também discutimos como as empresas podem usar uma torre de controle como trampolim para o planejamento autônomo. O objetivo, em última análise, é que as empresas estejam mais bem-preparadas para fornecer os produtos que os consumidores desejam e necessitam, ao melhor custo e da maneira mais sustentável do ponto de vista ambiental – mesmo em tempos de crise.
Faça isto agora: fortaleça a torre de controle
Algumas empresas acreditam, erroneamente, que uma torre de controle eficaz não passa de uma equipe que trabalha 24 horas por dia em um ambiente de sala de guerra durante uma crise. Contudo, nas empresas mais bem-administradas, a torre de controle faz parte da maneira normal de fazer negócios; não é uma iniciativa ad hoc colocada em ação apressadamente em períodos de crise e depois desativada. As torres de controle bem-sucedidas têm em comum os seguintes elementos:
- Autoridade para tomar decisões cruciais. A torre de controle não poderá cumprir seu objetivo se for composta por planejadores juniores e pessoal de nível intermediário encarregado de gerar relatórios para seus superiores. Em vez disso, a pessoa que lidera a torre de controle deve ser um executivo que tenha a confiança e o respeito do CEO e do COO; entre os demais membros da equipe deve haver planejadores de supply chain de alto desempenho, além de gerentes de atendimento ao cliente, gestão de fornecedores, operações de fabricação, armazenamento e transporte (Quadro 1). A essa equipe multifuncional deve ser dada autonomia para tomar decisões de negócios importantes rapidamente, dentro de limites razoáveis.
- Processos de tomada de decisões baseados em dados. Reunir dados precisos de fontes internas e externas – e integrar todos os dados em uma “única fonte da verdade” – é importante, mas não suficiente. Os dados devem ser entregues aos tomadores de decisões em formatos digeríveis e fáceis de usar. Os membros da equipe da torre de controle não serão capazes de tomar decisões em tempo hábil se antes precisarem analisar e testar centenas de planilhas e documentos que geram insights limitados sobre seu trabalho. Dito isto, uma empresa não deve esperar para criar uma torre de controle somente quando tiver os dados perfeitos ou a ferramenta perfeita. Ela pode começar com os conjuntos de dados disponíveis e desenvolvê-los ao longo do tempo.
- Capacidades de planejamento de cenários. As torres de controle mais eficazes são equipadas com as ferramentas, os talentos e os processos necessários para conduzir o planejamento de cenários com regularidade e rapidez. Em minutos ou horas, em vez de dias ou semanas, elas são capazes de desenvolver uma variedade de cenários, modelar as implicações e trade-offs (financeiros e outros) em cada um dos cenários e gerar recomendações de ação. Discussões e debates sobre o caminho certo a seguir são orientados pelos dados, em vez de serem dominados pelas vozes mais altas e insistentes.
O impacto de uma torre de controle será sentido em cada uma das partes do supply chain. Em uma empresa de saúde voltada ao consumidor, por exemplo, a torre de controle se mobilizou rapidamente nos primeiros dias da pandemia de COVID-19 para distribuir equipamentos de proteção individual aos operários, acompanhar a situação em evolução em suas instalações do mundo inteiro, reduzir seu portfólio de SKUs em 50% a 70% (dependendo da marca) e desenvolver um processo de alocação que ela comunicou rapidamente aos varejistas. Mesmo com picos inéditos na demanda de seus produtos, a empresa conseguiu manter um índice de atendimento de pedidos mais alto do que o de seus concorrentes.
Defina o novo normal: mude para o planejamento autônomo
A maior frequência de planejamento e a rápida tomada de decisões, características de uma torre de controle, podem servir de base para o desenvolvimento de capacidades mais sofisticadas de planejamento autônomo. Na prática, o planejamento autônomo permite a tomada de decisões contínua e assistida por máquina em todas as partes da cadeia de valor do planejamento, sendo que os planejadores intervêm apenas para gerenciar exceções (Quadro 2). Em outras palavras, as máquinas fazem o que elas fazem melhor – processar dados e aplicar advanced analytics –, liberando, assim, o tempo dos planejadores para atividades de maior valor.
Exemplo de caso: planejamento autônomo em alimentos industrializados
Cerca de um ano antes do surto de COVID-19, um fabricante multinacional de alimentos industrializados buscava melhorar seus processos de planejamento do supply chain. A empresa havia aderido a uma frequência mensal de planejamento, mas, no final de cada mês, as condições da oferta e os perfis da demanda haviam mudado, o que tornava a otimização mensal uma atividade inútil. Além disso, a empresa costumava levar mais de três dias para responder a solicitações de mudança de demanda, em parte devido a processos altamente manuais e a um ecossistema de dados complexo, que dificultava o acesso e a análise de inputs de dados por parte dos planejadores. A empresa queria ficar apta a reagir mais rapidamente às mudanças na oferta ou na demanda – e a fazer isso da maneira mais lucrativa.
Os líderes da empresa montaram uma equipe ágil e multifuncional para liderar a organização de supply chain na mudança para o planejamento autônomo. Em apenas quatro meses (ante o prazo típico era de seis a oito meses), a equipe desenvolveu um produto mínimo viável (MVP, na sigla em inglês) que incluía uma ferramenta para integrar e limpar dados de mais de 100 tabelas de dados. A iniciativa foi um sucesso: a empresa aumentou sua frequência de planejamento tático de mensal para semanal e atingiu um tempo de resposta de 24 a 48 horas para solicitações de mudança de demanda.
Quando veio a COVID-19, o sistema de planejamento autônomo detectou padrões incomuns nos dados dos pontos de venda e outros sinais de demanda (como tráfego de varejo, dados de mobilidade e análises de buzz nas redes sociais) em determinados mercados. Usando modelos de previsão automatizados e baseados em machine learning, o sistema pôde avaliar rapidamente milhões de pontos de dados para descobrir os fatores que estavam por trás das mudanças na demanda. Então, o sistema enviou aos planejadores da empresa alertas disparados automaticamente. Ele também gerou um conjunto de cenários, bem como recomendações para maximizar a receita e o lucro em cada cenário. Por exemplo, em um cenário no qual uma das fábricas da empresa fique sem determinados materiais ou ingredientes, será que ela deveria parar completamente essa linha de produção? Ou será que deveria fabricar outro produto nessa linha – e, em caso afirmativo, qual produto? Os planejadores colaboraram com as equipes de marketing e vendas para chegar a um acordo quanto ao melhor caminho a seguir.
Assim, quando a demanda dos produtos do fabricante mais do que triplicou em várias categorias e regiões, ele pôde reagir rapidamente. Ele foi capaz de otimizar os níveis de estoque em dois a três dias em todas as categorias, mesmo no auge da crise. Agora, a empresa está ainda mais comprometida em continuar a desenvolver suas capacidades de planejamento autônomo.
Introdução ao planejamento autônomo
O fabricante de alimentos industrializados de nosso exemplo de caso está usando um processo em fases para avançar em direção ao planejamento autônomo. Os seguintes princípios estão ajudando a garantir o sucesso da iniciativa de transformação:
- Concentrar-se nos casos de uso que geram mais valor. Em vez de adotar a tradicional abordagem prolongada em “cascata” e lançar cada módulo da nova ferramenta – sobrecarregando, assim, a função de supply chain com um número excessivo de novos objetivos e metas –, a empresa se concentrou primeiramente em pontos problemáticos específicos e nos resultados desejados, traduzindo-os em casos de uso e incorporando machine learning a esses casos de uso. Por exemplo, ela identificou os problemas de oferta (medidos em termos de níveis de serviço) como o maior obstáculo a ser superado, dada a potencial oportunidade de mercado. Ela submeteu o MVP a um projeto-piloto em várias fábricas, usando-o para otimizar os planos de produção. Os planejadores descobriram que o novo sistema lhes permitia criar planos melhores – e fazer isso a uma velocidade cinco vezes maior do que antes.
- Contestar o modelo operacional. A empresa não lançou uma ferramenta, apenas, e cantou vitória. Em vez disso, ela abandonou seus ciclos de planejamento tradicionais, reformulou seus processos de planejamento e desenvolveu as capacidades dos funcionários (por exemplo, em engenharia de dados e advanced analytics) por meio de treinamento intensivo. Reconfigurou os espaços de trabalho dos planejadores para promover uma colaboração mais estreita, fazendo imediatamente a transição para a colaboração remota quando os planejadores passaram a trabalhar em casa. Metodologias ágeis, como sprints e quadros kanban, tornaram-se a norma nas operações diárias dos mais de 20 planejadores que constituem o núcleo das novas capacidades de planejamento autônomo da empresa.
- Usar dados como espinha dorsal. A empresa despendeu muitas horas unificando os dados em um ecossistema baseado na nuvem que pode ser atualizado com frequência e de maneira automática e que tem o potencial de extrair dados de dezenas de fontes. Vários stakeholders de todas as funções tomaram decisões de forma colaborativa sobre a pilha tecnológica, concentrando-se nas áreas de maior importância. Com uma robusta infraestrutura de dados como espinha dorsal do planejamento do supply chain, a empresa pode avançar ininterruptamente das etapas iniciais do planejamento autônomo de suprimentos para outras áreas, como otimização de estoques, planejamento de requisitos de material e, por fim, programação da produção.
A pandemia de COVID-19 vem sendo um teste rigoroso para supply chains de todo o mundo, expondo fragilidades nos processos de planejamento e modelos operacionais das empresas. Os fabricantes devem levar a sério as lições desta crise e agir rapidamente para abordá-las. Ao incorporar uma abordagem de torre de controle às maneiras convencionais de trabalhar e, em seguida, usá-la para iniciar uma transição decisiva ao planejamento autônomo, as empresas podem fortalecer seus negócios para prosperar durante e depois da recuperação.