Qual expertise será necessária à próxima geração de gerentes de depósitos? Programação de computadores? Data analytics? Robótica avançada? Talvez tudo isso – e muito mais. Se você for como as 71 empresas globais que responderam a uma pesquisa sobre cadeia de suprimentos em 2021, é provável que tenha acelerado os investimentos em tecnologia digital quando sua cadeia de suprimentos enfrentou a turbulência da COVID-19.
Além disso, 99% dos entrevistados dessa pesquisa disseram que precisam de mais talentos internos atuando na cadeia de suprimentos digital que possam contribuir para seus esforços de digitalização atuais e planejados – um aumento de dez vezes em relação ao ano anterior. Essa necessidade está levando as empresas a requalificar e realocar a força de trabalho existente para alcançarem os níveis de competência exigidos (Quadro 1).
Mas qual é o estado atual da capacitação em cadeia de suprimentos e o que é preciso para acelerá-la?
Em 2017, publicamos os resultados de uma pesquisa sobre as capacidades necessárias para gerenciar cadeias de suprimentos digitais. Constatamos que a maioria das empresas precisava de um número maior de profissionais experientes e versáteis, que possuíssem todas as habilidades fundamentais para gerenciar uma cadeia de suprimentos de ponta a ponta. Vemos isso como um pré-requisito da transição para as cadeias de suprimentos digitais. A digitalização redefine os perfis de habilidades pois enfatiza a proficiência com dados e algoritmos, a capacidade de lidar com exceções e a competência para tomar decisões de negócios sólidas e integradas.
Desde nosso último artigo, continuamos a medir a evolução das capacidades necessárias para gerenciar cadeias de suprimentos em centenas de empresas de todo o mundo. Nossa análise é baseada nos resultados de uma ferramenta validada por psicometristas que avalia o conhecimento das pessoas em oito áreas fundamentais: estratégia da cadeia de suprimentos, gestão de pedidos e demandas, previsões, gestão de estoque, planejamento da produção, planejamento dos suprimentos, logística operacional e gestão do desempenho. Esse conjunto de dados mais que dobrou de tamanho desde nosso artigo de 2017 (superando 15.000 respostas), de modo que julgamos oportuno rever nossa análise para verificar o que mudou.
Mudanças estão acontecendo, mas devagar demais
Os números mais importantes de nossa análise atual são semelhantes aos da pesquisa anterior. De modo geral, o percentual médio de empresas capacitadas para gerirem sua cadeia de suprimentos continua bem próximo da marca de 46%, não muito diferente da situação em 2017. Contudo, percebemos alguns movimentos em setores específicos. Comparando nossa amostra de empresas que aplicaram a avaliação à sua força de trabalho, notamos uma melhora na capacidade de gerir a cadeia de suprimentos em organizações farmacêuticas, enquanto o desempenho médio de empresas em setores avançados (incluindo automotivo, aeroespacial e defesa, e semicondutores) e de materiais básicos (como metais e mineração, petróleo e gás, e papel e celulose) caiu ligeiramente (Quadro 2).
É possível que essas mudanças tenham ocorrido porque o foco da gestão também mudou. Por exemplo, as empresas farmacêuticas estão prestando mais atenção à eficiência da cadeia de suprimentos como resposta à pressão sobre os custos da parte de clientes e concorrentes, e talvez almejem melhorar sua eficiência por meio da aquisição e desenvolvimento de talentos. Muitos setores avançados vêm enfrentando crescente disrupção tecnológica, tanto em produtos e como em processos de produção, possivelmente reduzindo sua atenção e seus investimentos em capacitar pessoas para gerirem a cadeia de suprimentos.
Como constatamos da primeira vez, ainda há variações significativas entre o desempenho de empresas de cada setor. Independentemente do mercado geográfico ou do setor de atividade, as empresas controlam sua capacidade de atrair, desenvolver e reter os melhores talentos, e isso deve influenciar seu desempenho no longo prazo.
Mas, se olharmos para além das médias, começam a surgir evidências de outros movimentos. Em 2017, quase 60% dos profissionais de cadeias de suprimentos haviam aprimorado sua expertise em apenas uma área, tornando-se altamente especializados nessa esfera. Hoje, por outro lado, apenas 30% das pessoas têm um perfil de habilidades tão restrito, sendo que 28% se especializaram em duas a cinco áreas. Em uma organização típica, o número de especialistas altamente versáteis, com grande experiência na gestão da cadeia de suprimentos “de ponta a ponta”, manteve-se estável em 5% de todos os cargos ligados à cadeia de suprimentos. Ainda que lentamente, a gama de capacidades parece estar aumentando, o que corresponde à nossa expectativa de que a capacitação das organizações se amplia à medida que cresce o número de iniciativas de digitalização da cadeia de suprimentos (Quadro 3).
Além dos tópicos funcionais tradicionais, a avaliação introduziu um novo módulo em 2020, focado em aplicativos digitais e de advanced analytics para a gestão da cadeia de suprimentos. Esse módulo foi implantado em 25 fabricantes em cinco grupos industriais, totalizando quase 5.000 entrevistados. Em média, cerca de 40% dos entrevistados mostraram ter conhecimento de tópicos digitais, porcentagem um pouco menor que a dos que têm conhecimento de tópicos funcionais tradicionais (46%). Contudo, as funções de análise de redes e planejamento da demanda – duas das iniciativas de transformação digital da cadeia de suprimentos implementadas com mais frequência – revelam percentuais um pouco maiores: 46% e 49%, respectivamente. Isso sugere haver uma correlação entre talentos mais capacitados e avanços nos processos da cadeia de suprimentos.
Além disso, embora muitos digam que as habilidades digitais favorecem os jovens, os dados mostram que são os executivos seniores, seguidos dos líderes de nível médio, que têm melhor domínio dos tópicos digitais e analíticos aplicados. A mesma hierarquia também existe nos tópicos tradicionais da cadeia de suprimentos. Ainda que a formação educacional e os conhecimentos técnicos dos funcionários mais juniores possam ser voltados para o digital, eles talvez não possuam uma visão mais ampla de como valor é criado aplicando-se métodos da ciência de dados e tecnologias avançadas a problemas de negócios.
Juntas, essas análises sugerem que a maioria das empresas enfrenta o desafio de reforçar a capacitação em cadeia de suprimentos – e que isso precisa abranger toda a força de trabalho envolvida na cadeia de suprimentos, não apenas os especialistas mais promissores. O ritmo cada vez mais acelerado de automação e digitalização tende a tornar isso ainda mais urgente nos próximos anos. De acordo com uma pesquisa do McKinsey Global Institute, metade das tarefas existentes hoje deverá estar automatizada até 2055, resultando em transformações dos processos e na necessidade implícita de recapacitar e requalificar os trabalhadores. Sabemos há tempos que quase 70% dos programas de transformação fracassam e que o principal motivo é os funcionários não terem as habilidades e capacidades necessárias para darem suporte ao programa de transformação.
Sabendo por onde começar
Os programas de capacitação mais eficazes são aqueles que investem na aquisição de conhecimentos fundamentais sobre a cadeia de suprimentos de ponta a ponta, aliados a um avançado treinamento funcional, técnico e de liderança baseado nas aspirações da empresa e nos perfis de capacidade existentes. Todavia, um dos grandes desafios que as organizações costumam enfrentar é a identificação das habilidades específicas necessárias para desenvolver e ampliar as capacidades competitivas dos funcionários. Em nossa recente pesquisa global com executivos de cadeias de suprimentos, verificamos que apenas 6% das 71 empresas entrevistadas têm uma perspectiva formal das habilidades e competências estrategicamente importantes da organização. Embora a maioria das empresas declare possuir uma academia de capacitação corporativa – 30% das quais hoje incluem novos programas de dados e analytics – somente uma em vinte acredita que esses programas efetivamente desenvolvem as habilidades necessárias para concretizar as aspirações estratégicas.
Sem um roadmap claro das capacidades atuais ou das habilidades que serão necessárias no futuro, as organizações da cadeia de suprimentos estarão trabalhando no escuro. Muitas acabam dependendo de pools de talentos externos, recorrendo a terceiros para atuar em áreas ou projetos especializados e para preencher lacunas urgentes de habilidades. Contudo, essa prática também tem seus riscos. Uma empresa manufatureira do setor de energia, cuja estratégia incluía contratar trabalhadores temporários para reforçar capacidades essenciais em funções críticas de planejamento e distribuição, realizou um levantamento da sua força de trabalho utilizando a avaliação padrão. As respostas mostraram que a população de talentos externos possuía, em média, menos habilidades do que os funcionários internos que trabalhavam em tempo integral na cadeia de suprimentos. Esses resultados indicaram que os processos de seleção existentes na empresa não estavam conseguindo identificar os melhores talentos ou aumentar o conhecimento funcional geral do grupo da cadeia de suprimentos.
Uma fórmula de capacitação eficaz
Empresas que têm uma perspectiva clara dos talentos necessários continuam recorrendo a pools de talentos externos para preencher rapidamente lacunas urgentes de capacidade, mas também adotam uma abordagem estratégica para desenvolver habilidades em toda a sua força de trabalho existente. O caso de negócios é claro: organizações que investem no desenvolvimento de seu pessoal quando lançam um programa de mudanças transformadoras têm uma taxa de sucesso até quatro vezes superior à daquelas que não investem.
Não é fácil elaborar um programa de capacitação bem-sucedido – e a maioria deles não consegue produzir resultados duradouros.1 Mas a experiência de empresas excepcionais mostra que os programas bem-sucedidos geralmente são desenhados em torno de cinco elementos:
- Foco nas habilidades que importam, algo que costuma ser prejudicado por uma falta de compreensão do que é “bom” ou do que é preciso para ser “ótimo”
- Adoção de métodos de aprendizagem diversificados e eficazes
- Incentivos à participação e ao engajamento
- Configuração do programa de modo a ser possível expandi-lo para além do piloto inicial
- Meta de efetivamente impactar o desempenho operacional da empresa
A fórmula em ação
Como é um programa bem-sucedido de capacitação para a cadeia de suprimentos? Tomemos o exemplo de uma empresa de alta tecnologia que embarcou em uma iniciativa de grande porte, com duração de dois anos, para aprimorar as habilidades de mais de 3.000 funcionários, muitos dos quais trabalhavam na organização havia 20 ou 30 anos. A empresa não tinha um programa sistemático de capacitação para funcionários experientes e empreendera apenas esforços limitados para importar as melhores práticas externas. A cadeia de suprimentos dessa organização também apresentava baixo desempenho, com níveis insatisfatórios de serviço e um número significativo de pedidos acumulados apesar do abundante estoque disponível. Quando decidiram embarcar em uma transformação holística da cadeia de suprimentos, os líderes da empresa suspeitavam que o sucesso dependeria de uma mudança significativa nas habilidades e mentalidades de seu pessoal.
Seus temores se confirmaram já no primeiro passo do desenvolvimento do novo programa, no qual a empresa utilizou benchmarking baseado em avaliações para definir as capacidades essenciais necessárias de sua futura cadeia de suprimentos e comparou-as com as habilidades existentes de sua equipe atual. Esse trabalho revelou a existência de um grande descompasso: em média, o nível de capacitação da empresa era cerca de 50% inferior ao observado nas organizações de melhor desempenho.
Para eliminar essa lacuna de capacitação, a empresa elaborou um roadmap para estruturar as jornadas de aprendizado em vários etapas. Inicialmente, concentrou-se na construção de conhecimentos fundamentais sobre a cadeia de suprimentos para nivelar as habilidades em um patamar superior, e estabeleceu uma linguagem comum para os mais de 3.000 membros da organização da cadeia de suprimentos. Essa intervenção foi realizada por vídeo, permitindo ampla participação da comunidade da cadeia de suprimentos e funções adjacentes, bem como a interação com professores experientes e qualificados para tirar dúvidas e garantir que os participantes entendessem o material.
Em seguida, a empresa promoveu o desenvolvimento de expertise funcional do grupo principal, formado por cerca de 1.400 profissionais envolvidos na cadeia de suprimentos. Esta parte do currículo abordou os princípios da configuração da cadeia de suprimentos e os métodos básicos de gestão de estoque, previsão da demanda e equilíbrio entre demanda e oferta por meio do planejamento integrado de vendas e operações. As intervenções incluíram sessões presenciais e online personalizadas segundo o ritmo de cada participante. As aulas presenciais foram conduzidas por treinadores especializados e capazes de fornecer contexto, exemplos, oportunidades para reflexão aberta e respostas às perguntas específicas dos alunos. Sessões online dedicadas davam apoio ao aprendizado presencial com uma variedade de formatos de treinamento, incluindo sessões de vídeo interativas com professores especializados, slides de conteúdo, exercícios interativos e vários tipos de testes.
Por fim, para um grupo selecionado de cerca de 100 participantes de alto potencial, a empresa criou um programa adiantado cobrindo conceitos avançados de gestão de cadeias de suprimentos. Além das sessões de aprendizado presenciais e online, essa parte do programa incorporou também discussões em grupos e visitas a depósitos-modelo. Colocando em prática o conceito de “treinar o treinador”, alguns funcionários especializados foram incentivados a se tornarem professores na academia de capacitação da empresa, ajudando a desenvolver as habilidades de gestão da cadeia de suprimentos de colegas e membros de funções adjacentes.
Em sintonia com as melhores práticas de aprendizagem de adultos, o programa como um todo enfatizou a aprendizagem experiencial, dando aos participantes a oportunidade de presenciarem novas habilidades em ação, aplicá-las na prática e ensiná-las a outros. Essa experiência prática foi entregue em vários formatos, incluindo sessões interativas de estudos de casos, role-playing e simulações. Foi utilizado, por exemplo, o tradicional “jogo da cerveja”, no qual os jogadores simulam uma cadeia de suprimentos de bebidas que sofre com previsões imprecisas, incentivos desalinhados, falta de transparência e pouco compartilhamento de informações. A imagem de estoques aumentando sem parar e a sensação de se estar perdendo o controle da cadeia de suprimentos constituem uma lição vívida e imediata que poucos esquecerão.
A empresa mediu o impacto de seu programa por meio de uma variante da mesma avaliação que utilizara para o benchmarking. Ao longo do programa, os participantes melhoraram seu desempenho em 20 pontos percentuais, em média. Além disso, a empresa criou um pool permanente de treinadores internos, juntamente com um grupo de agentes de mudança e especialistas em diferentes funções para disseminar ainda mais o aprendizado, transferir conhecimentos por meio de comunidades de compartilhamento de práticas e promover a melhoria contínua das habilidades.
Construindo um acelerador das capacidades
Desenvolver as capacidades necessárias para gerenciar as cadeias de suprimentos modernas exige tempo e dedicação, mas o trabalho não termina quando se atinge o grau imediato de capacitação necessária. As empresas precisam continuar monitorando o alinhamento entre suas capacidades e seus objetivos estratégicos, juntamente com o desempenho operacional da organização. Quando novas lacunas se tornarem aparentes, tal estado de alerta permanente permitirá que elas rapidamente tomem medidas para eliminá-las.
Esses casos ilustram como as cadeias de suprimentos mais bem-sucedidas do futuro provavelmente serão aquelas que incorporarem a capacitação acelerada em seu DNA. Comunidades de profissionais e academias internas voltadas à cadeia de suprimentos são alguns dos mecanismos que essas organizações utilizarão para compartilhar as melhores práticas emergentes e fornecer treinamento em escala. Elas criarão sistemas próprios de incentivo de pessoal para promover o desenvolvimento pessoal contínuo, e essa mensagem será reforçada pelo envolvimento dos líderes seniores, que atuarão como patrocinadores do programa e como modelos para a nova cultura de aprendizado.